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Eleição de Trump frustra brasileiros e aumenta apreensão

Mariana Santos
10 de novembro de 2016

Enquanto quem está em situação irregular teme ser deportado, os que vivem no país com documentação preveem maiores dificuldades para renovação de visto. "Há racismo oculto na comunidade latina", diz morador de Miami.

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O brasileiro Arthur Laporta está preocupado com o futuro da família nos EUAFoto: privat

A eleição do republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos na madrugada desta quarta-feira (09/11) deixou o mundo em choque e muitos imigrantes em solo americano apreensivos, inclusive brasileiros. Enquanto ilegais temem a deportação, quem está em situação regular prevê mais burocracia para renovar vistos e o possível crescimento de uma onda discriminatória pelos próximos anos, já que o presidente eleito ganhou com um discurso muitas vezes em tom racista e xonófobo.

"O sentimento é de uma ressaca enorme. Inacreditável", diz o diretor de vendas Arthur Laporta, 43 anos, contando que manteve os olhos colados na televisão até o início da madrugada. Ele lembra que oito anos atrás, recém-chegado aos EUA, assistia da janela de seu apartamento em Chicago a Barack Obama discursar como primeiro negro eleito presidente do país.

O carioca foi às urnas na terça-feira votar por Hillary Clinton por não partilhar da "visão de país" e dos valores difundidos pelo candidato republicano durante sua campanha. "Trump dividiu tanto o país que até as crianças foram influenciadas. Minha filha de nove anos chegou da escola dia desses dizendo que não queria que ele ganhasse porque os amiguinhos diziam que ela seria deportada", diz Laporta, casado com uma americana e cuja filha nasceu no México. "Não quero que minha filha cresça num país com esse tipo de visão."

Sem conseguir vencer o sono, a designer Maria João Neves, 28 anos, foi para a cama antes de o resultado das eleições estarem definidos. Acordou de manhã com o celular recheado de mensagens dos amigos, de pesar. "Chorei de noite e de manhã. Sendo imigrante, mulher e latina, considero o discurso do Trump assustador", diz Maria, que vive em Seattle.

Cidadã americana, Maria conta que está apreensiva por um grupo de amigos que por 20 anos viveram ilegalmente nos EUA e, apenas agora, finalmente estavam conseguindo se regularizar. "Minha última esperança é que isso tudo que ele falou durante a campanha tenha sido algo teatral, apenas para ganhar as eleições", torce.

Medo do incerto

A vitória de Donald Trump poderá atrapalhar os planos da camareira Marisa*, 32 anos, que desembarcou nos Estados Unidos há pouco menos de um ano em busca de uma vida melhor. Entrou como turista, trocou o visto para estudante e avalia a possibilidade de continuar no país como ilegal após o vencimento do visto, no início do ano. Mesmo sem autorização legal, ela trabalha bastante desde que chegou – atualmente passa quase 12 horas por dia em um hotel e, nas horas vagas, faz bico como cabeleireira.

Maria Joao Neves
Maria João Neves conta que chorou após saber dos resultados da eleiçãoFoto: privat

Agora, no entanto, Marisa está apreensiva. "Fico preocupada. Sei que é um risco grande, mas gostaria de buscar uma oportunidade aqui. Conheço várias pessoas nesta situação. Estamos enfrentando uma crise muito grande no Brasil, por isso corremos esse risco de nos aventurarmos neste país", explica a maranhense. "Sinto medo do que pode acontecer em 2 meses . Não sabemos exatamente até onde essa vitória do Trump vai nos atingir".

Há ainda quem acredite que o processo de renovação de vistos para quem está legal ou mesmo de aprovação de green cards poderá ficar mais complicado na gestão Trump. Vivendo nos EUA com visto de trabalho há quase dois anos, o gerente de marketing Matias*, 29 anos, conta que vai tentar acelerar o processo de seu pedido de green card até fevereiro, "antes que qualquer medida seja implementada". Ele acredita que poderá haver uma redução nas cotas de vistos de trabalho e de green card, além de aumento na burocracia para dificultar o processo.

"Vamos ter que esperar para ver, mas é sabido que a maior parte da população apoia um plano para reduzir a quantidade de imigrantes, em especial refugiados. Caso medidas duras sejam tomadas contra pessoas sem documentação, e haja apoio popular, fica difícil imaginar que o governo também não deve endurecer o jogo contra todos", aposta.

Na Flórida, festa

Enquanto muitos lamentaram o desfecho da corrida à Casa Branca, o mineiro José Peixoto, 56 anos, candidato brasileiro a uma vaga na Câmara dos Representantes dos EUA neste ano, perdeu a eleição local, mas comemorou a vitória do republicano.

Der Brasilianer Jose Peixoto ist Kandidat als Kongressabgeordnete in Florida
O mineiro José Peixoto perdeu a eleição para deputado, mas fez campanha para Trump na FlóridaFoto: DW/M.Santos

Como a DW Brasil reportou em outubro, Peixoto fez intensa campanha para Trump no sul do estado, e por apenas 120 mil votos o magnata acabou garantindo 29 dos 270 votos eleitorais fundamentais para ganhar a presidência.

"Eu tinha certeza absoluta que ele ia ganhar. Essas pesquisas que diziam o contrário a gente ouviu da mídia liberal, e 90% dela têm ódio de qualquer conservador", disse o mineiro, que chegou apenas em terceiro na disputa para representante do 26° distrito congressista da Florida, com 16,5 mil votos.

Na opinião dele, problema com imigração ilegal no estado, tráfico de armas e drogas, e a aproximação que Obama promoveu com o governo cubano "sem pedir nada em troca" foram determinantes para que Trump crescesse na Flórida.

Neste caldeirão, o discurso de tom racista usado pelo republicano durante toda a campanha pode ter sido um ingrediente a mais.

"O resultado da votação faz parte de uma coisa impregnada na comunidade latina aqui, um racismo oculto, que as pessoas não expressam para não serem processadas", avalia o artista e produtor cultural Wanderson dos Santos, 34 anos, morador de Miami e administrador de uma página na internet voltada a ajudar brasileiros na cidade (brasileirosemmiami.org). "Ainda existe muita segregação aqui, e as ideias encontraram eco neste ambiente".

*Nomes trocados a pedido dos entrevistados