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Walter Salles busca essência de Jia Zhangke

Marco Sanchez, de Berlim11 de fevereiro de 2015

Brasileiro apresenta em Berlim sua visão sobre a trajetória artística e pessoal do diretor chinês, evidenciando as radicais mudanças pelas quais a China passou nos últimos anos.

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Foto: Berlinale 2015

Walter Salles filma Jia Zhang-Ke

Em meio a erros e acertos, percebe-se que o diretor Walter Salles entende a grandiosidade do cinema. Seu mais novo documentário, Jia Zhangke, um homem de Fenyang, que teve sua estreia na Berlinale, mostra que essa compreensão também caminha por trilhas mais intimistas.

"Na Berlinale de 1998, eu vi Xiao Wu e fiquei completamente encantado com a originalidade e o talento de Jia Zhangke, com a maneira como ele misturava atores e não atores e com a geografia física e humana que ele filmava", conta Salles, em entrevista à DW Brasil.

Salles ganhou o Urso de Ouro por Central do Brasil, e Zhangke começou uma bem-sucedida carreira. Filmes como Plataforma (2000), Em busca da vida (2006) e Um toque de pecado (2013) foram aclamados em grandes festivais internacionais.

"Quanto mais eu via, mais ficava apaixonado pelo seu cinema. Quando Em busca da vida ganhou Veneza, ficou claro que ele era um dos maiores cineastas de seu tempo e, com certeza, o maior diretor chinês de todos os tempo", diz o brasileiro.

Cannes Film Festival 2014 Jia Zhangke 14.05.2014
Zhangke foi aclamado em festivais internacionaisFoto: Reuters

A ideia para o documentário surgiu durante a Mostra de Cinema de São Paulo, em 2007, quando Salles entrevistou Zhangke. O encanto que o brasileiro nutria por aquele cinema com um olhar peculiar sobre a realidade transferiu-se para o ser humano. "Foi essa conexão que tornou esse documentário possível."

Dignidade em meio a um mar humano

Rodado no norte da China, o documentário é um mergulho cronológico na vida e nos filmes de Zhangke. "Ver onde ele filmava foi fundamental para arquitetar o filme em torno do que ele faz lindamente: registrar a memória do que ele vive, que também é a memória de seu tempo", diz Salles.

Logo nas primeiras cenas, o diretor chinês revela seu amor pela câmera, que consegue "captar um oceano humano, mas mostrar que cada rosto tem sua dignidade". O brasileiro se inspirou nessa dignidade com que Zhangke olha para seus personagens para contar a história do cineasta chinês e reconstruir a trajetória pessoal e artística dele.

"Foi comovente retornar aos lugares que se tornaram emblemáticos em seus filmes. Não há país que sofreu transformação tão radical quanto a China nos últimos 15 anos. Muito do que ele filmou já não existe mais, mas seu filmes continuam a existir", completa.

Dança entre a ficção e a realidade

Mudança é o tema que pontua o documentário de Salles. A intimidade criada com Zhangke permite que mundo dele seja mostrado com o mesmo carinho com que o chinês conta suas histórias.

Filmfestival Cannes 2012 Walter Salles
Salles: "Muito do que Zhangke filmou já não existe mais, mas seu filmes continuam a existir"Foto: On the Road/Filmfestival Cannes

Os depoimentos de Zhangke e das pessoas que contribuíram para sua trajetória pessoal e artística são ilustrados com imagens de seus filmes, que ganham, no contexto, um caráter quase documental. "Uma dança entre a ficção e a realidade."

"Ele registrou em seus filmes esse processo de transformação brutal e o trauma que isso gerou na sociedade chinesa. No cinema, é muito difícil falar do tempo presente. De certa maneira, a crise dos personagens se confunde com a crise do próprio país", explica Salles.

Quem já foi exposto ao trabalho do cineasta chinês sabe que o realismo de sua obra não pode ser dissociado de uma visão critica de uma realidade de mudanças alucinantes e injustiças geradas pelas consequências dessas mudanças.

"O trabalho dele é extraordinário porque fala de sua memória pessoal e, ao mesmo tempo, da memória coletiva. Esse é um dos papéis do cinema. Tentei fazer isso em Terra estrangeira, mas nem sempre é fácil. As transformações são muito rápidas. Zhangke faz isso com poesia, pertinência e um conhecimento ao mesmo tempo intuitivo e racional de quais são os limites do cinema e de como ultrapassá-los", diz o diretor brasileiro.