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Energie Cottbus: futebol contra a xenofobia

Neusa Soliz30 de janeiro de 2003

Cidade do leste alemão com alto desemprego, Cottbus orgulha-se de seu clube de futebol. O Energie tem o maior número de jogadores estrangeiros na Alemanha, numa região em que o neonazismo é ativo.

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Elenco barato de estrangeiros: o brasileiro Vragel entre os bósnios Hujdurovic e PiplicaFoto: AP

Situada a uma hora de carro de Berlim e a 20 quilômetros da fronteira com a Polônia, a cidade de Cottbus não é precisamente uma metrópole com seus 90 mil habitantes. Antes da reunificação alemã, chegou a ter 130 mil, o que dá idéia das mudanças sofridas na última década. Desde 1990 os estados do leste alemão têm estado na berlinda por ataques contra estrangeiros ou minorias, de parte de skinheds ou grupos influenciados pela ideologia de extrema-direita.

Nos últimos três anos, porém, Cottbus está sendo encarada na Alemanha sob aspecto bem mais positivo. E isso se deve ao FC Energie Cottbus, o clube de futebol da cidade, no qual os estrangeiros são maioria e que já entrou para a história da Bundesliga como o primeiro a colocar um time em campo sem um alemão sequer.

Razões econômicas

"O fato de trabalharmos com muitos jogadores estrangeiros tem primeiramente razões econômicas", explica o técnico Eduard Geyer, ex-treinador da seleção da antiga Alemanha Oriental. Muitos alemães não se interessam por Cottbus por achar que a cidade está longe de tudo. Já para os estrangeiros, isso não faz diferença: "Para muitos jogadores, não estamos no leste, mas sim no ocidente. Eu me refiro aos jogadores da Europa Oriental", compara o técnico.

Ao contratá-los, o Energie pode ser um trampolim para um clube melhor colocado na tabela do Campeonato Alemão - o Cottbus é o lanterninha, apesar da brilhante vitória por 3 a 0 sobre o Bayer Leverkusen na abertura do returno - ou mesmo em outro país europeu.

Por sua vez, o clube está interessado em bons jogadores que não custem tanto e, com base nisso, o Cottbus acabou arregimentando talentos de nove nações: Bósnia, Croácia, Romênia, Hungria, Polônia, República Tcheca, Benin e Marrocos, sem falar no Brasil, representado no elenco agora apenas por Paulo Rink e Vragel da Silva.

Até dezembro, ainda eram quatro. Durante o recesso de inverno, o atacante Brasília foi dispensado e o também centro-avante Franklin, o primeiro brasileiro a jogar em Cottbus, pendurou as chuteiras. Aos 33 anos, ele permanece entretanto no clube como treinador do time de juvenis.

Brasileiros do Energie não tiveram problemas

Franklin fala bem alemão. Tendo morado antes em Leipzig, também no leste alemão, desmente que haja forte xenofobia na região. "Em dez anos aqui no leste, nunca me aconteceu nada. Eu me sinto muito bem aqui, não é como as pessoas pensam." Ele vive com sua esposa Adriana, carioca como ele, e dois filhos num condomínio aberto, a dez minutos do centro.

Nos cinco anos em Cottbus, ele aprendeu a aceitar as grandes diferenças em relação ao Brasil e até a gostar de cidade pequena. "As crianças saem sozinhas de ônibus para ir à escola ou se encontrar com os amigos, isso não dá para fazer em qualquer lugar do mundo", comentou ao falar à DW-WORLD. A amizade com alemães também foi importante na integração, de forma que o ex-jogador não pensa por enquanto em voltar ao Brasil.

Nos oitos anos em que treina a equipe, Eduard Geyer conseguiu realizar um verdadeiro milagre. Em primeiro lugar fez o clube subir para a segunda divisão em 1996 e depois, em 1999, para a primeira. Hoje, os torcedores do Cottbus adoram a equipe multicultural e não há o mínimo vestígio do desprezo aos estrangeiros que os primeiros legionários sentiram na cidade.

Gols contra a tristesse

No fundo, a estória de sucesso do time local - embora ameaçado agora de voltar para a segunda divisão - é um motivo de orgulho, o que faz bem principalmente para a juventude de uma cidade com índice de desemprego de 17% e marcada pela falta de perspectivas. É como se cada gol do Energie fosse um consolo, diante da precária situação econômica.

Geyer considera um exagero o que se fala sobre xenofobia e extremismo de direita nos estados do leste alemão. No entanto, pelos últimos dados, há cerca de 1370 pessoas atualmente em Brandemburgo e 650 na Saxônia, que as autoridades de segurança consideram potencialmente de extrema-direita. Nestes dois estados - Cottbus fica em Brandemburgo - houve 40 atos de violência em 2001, com fundo xenófobo ou de extrema-direita.