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Escândalo da milhagem envolve todos os partidos

av2 de agosto de 2002

Para os políticos da coalizão governamental alemã, a situação está clara: mais do que uma questão de idoneidade parlamentar, o escândalo da milhagem é uma manobra eleitoreira da oposição.

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O escândalo da milhagem custou a carreira a Gregor GysiFoto: AP

O próprio chanceler federal Gerhard Schröder acusou, na quinta-feira (01/08), o periódico Bild de estar realizando uma campanha politico-partidária. "A forma como a coisa se desenrola permite suspeitar que há interesses políticos por trás", e a meta das revelações paulatinas seria beneficiar a oposição, explicou o chanceler.

O prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, do Partido Social Democrático (SPD), partilha dessa opinião. Ele criticou como uma reação exagerada a renúncia do secretário estadual da Economia de Berlim, Gregor Gysi, acrescentando que qualquer exigência neste sentido teria sido fora de propósito.

A líder do Partido Verde, Claudia Roth, acredita igualmente numa campanha com a clara intenção de prejudicar seu partido: "Já está até parecendo uma caça às bruxas", queixou-se. Os verdes têm se batido pela absoluta transparência no tocante aos ganhos dos parlamentares. A própria Roth é a favor da idéia do "deputado de vidro".

O secretário-geral do SPD, Franz Müntefering, criticou o papel da Associação dos Contribuintes no escândalo da milhagem. Ao que tudo indica, desde o segundo semestre de 2001, ela dispunha de informações sobre a utilização particular, pelos deputados, de milhas aéreas concedidas pela Lufthansa como bônus por viagens de serviço. Em vez de colocar o material à disposição do Parlamento federal (Bundestag), a associação, que é supostamente suprapartidária, foi procurar "um parceiro forte na mídia".

Quase às vésperas das eleições, o jornal Bild começou a publicar as informações pouco a pouco, a serviço de uma "determinada campanha politico-partidária". Müntefering acredita que Axel Müller, um funcionário do Partido Liberal (FDP) na Renânia do Norte-Vestfália, esteja implicado na divulgação do explosivo material, e exige que o chefe estadual dos liberais, Jürgen Mölleman, se pronuncie sobre o assunto.

Conseqüências radicais

Confrontados com as revelações feitas por Bild, dois deputados já renunciaram a seus cargos: o verde Çem Özdemir e Gregor Gysi, do Partido do Socialismo Democrático (PDS). Este último prometeu devolver aos cofres públicos o valor correspondente às passagens usufruidas irregularmente. Além disso, pretende abandonar a vida política, após as eleições de setembro: até lá, participará da campanha eleitoral do seu partido.

Apesar da irritação e revolta geral que o beneficiamento pessoal de homens públicos às custas do Estado desencadeiam, muitos – tanto nos meios políticos como entre a população – consideram desproporcional a relação entre crime e castigo, neste caso.

O presidente do Bundestag, Wolfgang Thierse (SPD), adverte contra reações exageradas: "Por favor, vamos preservar as medidas. Recordemos as graves violações de leis partidárias e dos casos de corrupção na política e, sobretudo, na economia. Em comparação com tais delitos sérios, a transgressão de que estamos tratando é de natureza menor, vamos admitir. Afinal, ninguém foi realmente prejudicado, no sentido de sofrer um dano financeiro."

Mais do que um delito inocente

Entretanto, do ponto de vista da Associação dos Contribuintes, os políticos cometem mais do que um mero pecadilho, ao embolsar as milhas extras.

O programa "Miles & More" da Lufthansa e outras companhias aéreas integrantes da Star Alliance (inclusive a Varig) dirige-se aos clientes que voam com muita freqüência. Um certo número de milhas voadas equivale a uma milha extra, computada numa conta particular, e um acúmulo suficiente destes bônus dá direito a uma passagem aérea grátis. Certas empresas, como a Ford ou a Porsche, permitem a seus funcionários usar para fins particulares a milhagem dos vôos de serviço.

Como viajar constantemente faz parte do trabalho de boa parte dos políticos, eles são uma clientela interessante para as companhias aéreas. Entretanto, segundo a Associação dos Contribuintes, as regras têm de ser outras, justamente para aqueles, cujas viagens de serviço são pagas com o dinheiro dos impostos.

Desde 1997, todos os deputados se comprometem voluntariamente a só empregar os bônus das viagens de serviço para fins profissionais. Uma promessa impossível de esquecer, afirma Dieter Lau, vice-presidente da Associação dos Contribuintes Alemães, já que a cláusula consta de todo formulário de despesas de viagem, logo acima do espaço para a assinatura dos deputados.

Lau lembra que, no início deste ano, o próprio Thierse advertira quanto à carência de verbas, em especial para viagens. O representante dos contribuintes vê acima de tudo um déficit de controle, já que o Bundestag teria tido meios de fiscalizar a discrepância no uso das milhas de bônus. Ele exige não só maior transparência a partir de agora, como também que os deputados implicados restituam aos cofres públicos as viagens particulares indevidas. Este é o direito do contribuinte, insiste Lau.

O sistema de milhagem permitiu ao Bundestag, em 2002, reduzir o orçamento para viagens de serviço em meio milhão de euros. O que não se sabe é em quanto os deputados aliviaram os seus orçamentos pessoais, aproveitando-se desse mesmo sistema. Em nome da proteção à privacidade, a Lufthansa opôs-se ao pedido de Thierse para que fornecesse uma lista completa dos deputados que malversaram sua milhagem de serviço. Um porta-voz da empresa chegou até a classificar a proposta do presidente do Bundestag como "convite a uma ação ilegal".

Ninguém está acima de suspeita

Certo é que, no momento, nenhum partido garante estar totalmente a salvo do escândalo das Miles & More. Segundo informações não oficiais, cerca de cem nomes de políticos de todos os partidos constam da lista completa do Bild, além dos já divulgados Gysi, Özdemir, do ministro do Meio Ambiente Jürgen Trittin, do secretário de Estado no Ministério das Relações Exteriores Ludger Vollmer e de Günter Nooke, deputado da CDU ao Bundestag.

Segundo Müntefering, chegou a hora de pôr em prática a noção de "deputado de vidro": os parlamentares não só deveriam prestar contas de todas as suas atividades e fontes de renda paralelas ao Bundestag, como fazê-lo publicamente, no site de internet do órgão.