1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Escreva todos os dias, diz Hans-Ulrich Treichel

Alexandre Schossler, de Porto Alegre20 de novembro de 2004

Para o escritor alemão Hans-Ulrich Treichel, talento é fundamental para quem deseja ser escritor, mas também é importante a prática cotidiana e a opinião dos outros. Ao comentar sua obra, afirma que é autobiográfica.

https://p.dw.com/p/5sR8
Treichel ajuda a formar jovens talentos literários

Seguir suas motivações interiores e escrever todos os dias. Esses os principais conselhos que o escritor Hans-Ulrich Treichel tem a dar para quem está começando ou quer se aventurar na árdua tarefa de escrever livros. Treichel, além de escrever, é também professor na Universidade de Leipzig, num curso de três anos destinado a formar jovens talentos literários.

"Não se concentrar logo cedo em fatores externos, como o sucesso, buscar dentro de si os temas que se quer desenvolver e escrever todos os dias. E de vez em quando procurar alguém com quem se possa falar sobre seus textos", completou, numa rápida entrevista à DW-WORLD em Porto Alegre, onde esteve participando da 50ª Feira do Livro e foi um dos representantes do país homenageado, a Alemanha.

A ironia e o humor que perpassam os romances de Treichel se revelaram também ao vivo, em encontros e palestras que fizeram parte da programação da feira. O tema principal desses eventos foi a escrita. "O escritor Wolfgang Koeppen uma vez me disse que há dois conselhos que ele dava para jovens escritores: não tente viver do seu trabalho de escritor e não beba os vinhos Beaujolais Nouveau."

"Eu me mantive fiel a esses dois princípios, e se eu tivesse que dar um conselho a um jovem autor, citaria Koeppen – ainda que a questão do vinho seja uma decisão de cada um", brincou, provocando risos da platéia. Beber Beaujolais Nouveau é um dos clichês favoritos de escritores europeus boêmios.

Tocar guitarra – Treichel defendeu o ensino do processo de escrita nas universidades, prática que ele disse ainda ser vista com desconfiança na Alemanha. "Entre nós valeu durante muito tempo a regra da 'estética do gênio': ou se sabe escrever, ou não se sabe."

Segundo ele, talento é fundamental para quem deseja ser um escritor, mas também é importante a prática cotidiana e a opinião de colegas ou pessoas aptas a analisar um texto literário. "Minha experiência como professor é que ninguém pode nos ensinar a escrever. Escrevemos antes em casa, na solidão e na dúvida. Mas nós podemos discutir e analisar textos e processos de escrita."

Ao responder à tradicional pergunta por que ele escreve, Treichel foi mais uma vez irônico. "Porque eu não sei tocar guitarra muito bem. Eu queria mesmo era ser um pop star", disse, para mais tarde afirmar que para um escritor o essencial é a necessidade existencial de escrever. "Escrevo também como forma de reescrever minha própria biografia. Meus romances são muito autobiográficos", afirmou.

Hans-Ulrich Treichel, Der Verlorene ins Brasilianische übersetzt

Autobiográfico – A afirmação vale para os dois livros de Treichel lançados no Brasil, O acorde de Tristão (Tristanakkord) e O Perdido (Der Verlorene), ambos editados pela Companhia das Letras. O primeiro, que trata de um doutorando em Letras Germânicas contratado para revisar a biografia de um fictício maior compositor alemão vivo, nasceu da experiência de Treichel com o compositor de vanguarda Hans-Werner Henze, para o qual escreveu libretos de óperas.

O protagonista, Georg, é um jovem provinciano que repentinamente se vê em meio ao glamour do mundo do seu novo patrão. O que acontece então é narrado com o humor e a ironia típica dos textos de Treichel.

Mas é O Perdido que aborda um tema caro ao autor. O livro conta a história de uma família à procura de um filho que se perdeu durante a fuga em massa dos territórios orientais da Alemanha após o final da Segunda Guerra Mundial. O drama é contado da perspectiva do filho mais jovem, a quem a família havia dito que o irmão mais velho estava morto. Um dia, a mãe conta a verdade: o garoto está vivo e os pais o procuram.

"A diferença é que eu só fui saber que tinha um irmão perdido após a morte da minha mãe, no início dos anos 90, ao remexer em papéis da minha família", relatou Treichel. "Só então me dei conta de que eu não havia vivenciado uma grande parte da minha infância." Segundo ele, a história foi escrita com base nos documentos encontrados. "Uma forma de preencher essa lacuna na minha vida com uma narração", explicou.

Treichel não quis adiantar detalhes sobre o seu próximo livro. "Tudo que posso dizer é que é sobre um homem da minha idade", contou, para depois completar, em tom de brincadeira: "Um homem da minha idade que escreveu um livro sobre um irmão perdido". Treichel disse que deve entregar a obra à editora em janeiro, e que o lançamento está previsto para março de 2005.