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Privatização questionável

Geraldo Hoffmann18 de janeiro de 2007

Governo alemão quer vender participações no valor de 9,2 bilhões de euros em 2007, o que anima o mercado financeiro, mas também gera críticas. Esquerda cobra relatório sobre privatizações. PPPs também são questionadas.

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Deutsche Bahn: 'última prata da casa', candidata à privatizaçãoFoto: AP

Se tudo correr conforme planejado, a Alemanha poderá estabelecer um novo recorde de privatização em 2007. Segundo o projeto de orçamento federal, o governo prevê uma receita da ordem de 9,2 bilhões de euros com a venda de participações em empresas ao longo deste ano.

Isso é bem mais do que a média anual de 6,7 bilhões de euros que o Tesouro alemão obteve com as privatizações entre 1999 e 2006. Nesse período, o Ministério das Finanças arrecadou um total de 54 bilhões de euros, principalmente com a venda da telefônica Deutsche Telekom e da Deutsche Post (correios e banco estatal).

Elogios e críticas

Os novos planos de Berlim, apresentados como mais um passo para equilibrar o orçamento até 2011, animam o mercado financeiro. "O governo federal se livra de participações em empresas e, assim, fomenta a produtividade e a cultura acionária", festeja o fundo de investimentos Union Investiment, com sede em Frankfurt, que administra aplicações no valor de 144 bilhões de euros.

O que para os analistas do mercado financeiro é um bem-vindo recuo do Estado de áreas em que o setor privado supostamente é melhor, para os críticos da privatização representa a "queima" de patrimônio público.

A bancada do Partido de Esquerda no Bundestag (câmara baixa do Parlamento) fez um pedido de informações em dezembro passado, exigindo que o governo apresente um relatório sobre as conseqüências das privatizações realizadas desde 1995, antes de vender as "últimas pratas da casa", como a rede ferroviária Deutsche Bahn (prevista para 2008) ou as participações nos aeroportos de Berlim, Colônia e Munique.

Telekom Dossier 3
Telekom: privatização popularizou a Bolsa de Valores, mas elimimou empregosFoto: AP

Os signatários do requerimento argumentam que a privatização da telefonia e dos correios, por exemplo, representou a eliminação de inúmeros empregos e vagas para estagiários. "Desde a sua privatização até 2005, a Deutsche Telekom cortou mais de 100 mil empregos. Até 2008, devem ser eliminados outros 32 mil postos de trabalho", aponta o texto.

Eficiência duvidosa

Até mesmo os analistas do Union Investiment admitem, numa publicação para acionistas, que a Telekom costuma ser considerada um exemplo negativo de privatização, "mas sem a T-Aktie [ação lançada pela Telekom ao ser privatizada] muitos alemães até hoje não saberiam o que é a Bolsa de Valores".

Em compensação, acrescentam, a Deutsche Post, a Lufthansa e a E.on são exemplos de ex-estatais bem-sucedidas. Sete das 30 empresas que formam o índice Dax da Bolsa de Frankfurt são ex-estatais.

"A E.on, por exemplo, é o maior provedor privado de energia do mundo e tenta comprar a espanhola Endesa por 30 bilhões de euros. Se ela fosse estatal, essa fusão estaria fadada ao fracasso", sentenciam os analistas. O fundo não menciona, porém, que o atual oligopólio no setor energético irrita cada vez mais as autoridades e os consumidores alemães.

Sinais de recuo

Um sinal de que a venda do patrimônio público para tapar furos do orçamento começa a ser questionada nos mais altos escalões políticos em Berlim foi o recente veto do presidente alemão, Horst Köhler, à lei de privatização de 74,9% da empresa de segurança aérea (Deutsche Flugsicherung).

Um outro exemplo é que deputados da bancada federal da União Democrata Cristã (CDU) estão tentando convencer o Banco do Estado de Hessen a não vender a gráfica federal a um investidor estrangeiro. A Bundesdruckerei, responsável pela impressão de documentos como a carteira de identidade, fora vendida em 2000 à Private Equity Fonds Apax. A empresa entrou em dificuldades por especulações na bolsa e acabou sendo incorporada pelo banco estadual.

Os Estados e municípios alemães também privatizaram muitos de seus serviços nos últimos anos, na maioria das vezes para sanear seus orçamentos. O resultado nem sempre tem sido o esperado.

Ärzte-Visite im Krankenhaus
Hospital São Jorge, em HamburgoFoto: dpa

Em 2004, a cidade-Estado de Hamburgo vendeu seus hospitais (com 12,4 mil funcionários) por um valor nominal de 319 milhões de euros à Asklepios. Só que o contrato foi feito de tal forma que a compradora até agora só precisou pagar 19 milhões (o resto é financiado) e, nos últimos dois anos, recebeu 37,8 milhões de "ajuda" pública.

"Resultado: até agora, Hamburgo pagou mais do que recebeu pela venda de seus hospitais", concluem os economistas Albrecht Müller e Wolfgang Lieb, numa análise dos "descaminhos da privatização".

O caso de Hamburgo parece estar servindo de alerta. Algumas prefeituras alemãs, insatisfeitas com os serviços prestados pelo setor privado, começam a "reestatizar", por exemplo, a coleta do lixo, noticiou a emissora de televisão pública ARD nesta semana.

PPPs: bomba-relógio

Uma alternativa às privatizações, lançada há três anos pelo governo social-demcrata-verde em Berlim, é a formação de Parcerias Público Privadas (PPPs). A primeira PPP, a do sistema de coleta de pedágio para caminhões, foi tão problemática que o governo alemão está cobrando na Justiça uma indenização de 5,1 bilhões de euros das operadoras do sistema (DaimlerChrysler, Telekom e CofiRoute).

A maioria das PPPs na Alemanha envolvem a manutenção de estradas, pontes, prisões, hospitais e edifícios públicos. É o caso, por exemplo, de 90 escolas saneadas e administradas desde 2004 pela construtora Hoch-Tief em Offenbach, no Estado de Hessen.

O caso de Offenbach é considerado bem-sucedido. Já em Frankfurt foi construído através de PPP um complexo educacional avaliado em 54 milhões de euros, que custará 104 milhões de aluguel à prefeitura nos próximos 20 anos. "É uma conta que ninguém entende", diz o líder da bancada do SPD na Câmara Municipal, Klaus Oesterling.

Casos como estes levaram o Tribunal de Contas da União a advertir recentemente: "As PPPs não são uma nova fonte de receita para o Estado. A longo prazo, elas podem se tornar perigosas, porque o peso dos financiamentos é transferido para o futuro".