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Exumação tenta eliminar dúvidas sobre a morte de Jango

Ericka de Sá, de Brasília13 de novembro de 2013

Perícias e exames toxicológicos poderão comprovar se o ex-presidente morreu de ataque cardíaco ou foi envenenado a mando da ditadura militar, como suspeita a família.

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Foto: Getty Images

Os esforços para esclarecer acontecimentos do regime militar entram numa nova fase nesta quarta-feira (13/11), com a exumação dos restos mortais do ex-presidente da República João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964. A exumação faz parte dos trabalhos de investigação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em maio de 2012 e que deve concluir suas atividades no próximo ano.

A retirada dos restos mortais da sepultura em São Borja, para a realização de novos exames, é um passo importante para esclarecer dúvidas sobre a morte de Jango. "A exumação faz parte de uma investigação mais ampla", comentou Rosa Cardoso, membro da CNV e coordenadora de grupos de trabalho sobre mortos e desaparecidos durante a ditadura.

Depois de exumados, os restos mortais de Jango seguirão em um avião da Força Aérea Brasileira até a base de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Nesta quinta-feira, a equipe de peritos chega a Brasília, onde haverá uma cerimônia de prestação de honras de chefe de Estado.

A análise pericial acontecerá no Instituto de Criminalística, da Polícia Federal, e exames adicionais serão feitos em laboratórios no exterior. Todo o processo é acompanhado por observadores externos, incluindo membros do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que também acompanhou as recentes exumações de Salvador Allende e de Pablo Neruda.

A morte que levou ao golpe

Deposto da Presidência entre 31 de março e 1º de abril de 1964, Jango, como era conhecido, seguiu para o Rio Grande do Sul, seu estado natal, e depois para o Uruguai e a Argentina. Ele morreu em 1976, quando vivia em Mercedes, na Argentina, tornando-se o único ex-presidente morto no exílio.

As novas perícias poderão apontar se Jango morreu de um ataque cardíaco – conforme a versão oficial sustentada até hoje – ou se ele foi envenenado por agentes uruguaios e argentinos, a mando da repressão brasileira, como suspeita a família. À época, o corpo não passou por autópsia e, quase duas décadas depois de sua morte, novas hipóteses começaram a aparecer, levantadas principalmente pela família e outras pessoas próximas ao ex-presidente.

A proximidade entre as mortes de Jango, em 1976, do ex-presidente Juscelino Kubitschek, também em 1976, e do ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda, em 1977, sempre despertou suspeitas. "É no mínimo uma coincidência muito marcante que tantas mortes de opositores expressivos tenham acontecido em um período tão curto", comenta o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, Maurício Santoro.

A suspeita mais forte é a de que Jango teria sido envenenado em uma ação da operação Condor, uma espécie de aliança entre as ditaduras sul-americanas na época. Por meio da análise de documentos, a Comissão Nacional da Verdade já comprovou que João Goulart era monitorado no exílio. "Hoje se sabe que ele foi vigiado em todo o período que esteve no exterior pelos serviços que na época se chamavam de informação e inteligência, mas também por meios diplomáticos", diz Rosa Cardoso.

Investigação mais profunda

"Esse processo é parte de uma investigação e pode ser até inconcludente", completa, ponderando que o sucesso da perícia depende de fatores como as condições em que se encontram os restos mortais e a tecnologia disponível para análise. Ela garante, entretanto, que a documentação "significativa e exuberante" que já está disponível está sendo estudada de forma complementar.

Rosa Cardoso reconhece que o tempo de trabalho da comissão – prevista para durar dois anos e meio – não é suficiente para dar conta de todos os fatos relevantes do período. "Temos a compreensão de que estamos abrindo avenidas para um conhecimento mais amplo que a sociedade vai ter que, através de vários mecanismos e grupos, depois percorrer e avançar."

Santoro afirma que os trabalhos das comissões da verdade devem abarcar o direito à verdade, o direito às reparações e o direito à justiça, este último muito atrasado no país, segundo ele. "O Brasil está muito atrasado com relação a outros países na América Latina nesses três pontos. Na questão do direito à justiça, esse atraso é particularmente grave, especialmente à luz de que já há uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos [de 2010], ordenando que o Brasil tome ações nesse campo e até hoje isso não foi cumprido."

Ele também defende que a comunicação do trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade seja mais eficiente. "Seria importante que a TV pública transmitisse as audiências, como foi feito na África do Sul – e isso teve um impacto muito considerável."