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Falta base jurídica clara a ataques aéreos dos EUA na Síria

Michael Knigge (ca)24 de setembro de 2014

Justificativa para bombardeios contra "Estado Islâmico" pode ser autodefesa coletiva, conceito juridicamente controverso. Para especialistas, ataques seguirão limitados até que situação legal esteja mais bem definida.

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US Angriffe auf IS Stellungen 23.09.2014
Foto: Reuters/Mass Communication Specialist 3rd Class Brian Stephens/U.S. Navy

Barack Obama resistiu enquanto pôde à decisão de uma intervenção militar na Síria. No ano passado, o presidente americano chegou até mesmo a cancelar, no último minuto, um ataque de retaliação pelo suposto uso de armas químicas por parte do regime Assad, depois que o governo sírio concordou em destruir seu arsenal.

Nas últimas duas semanas, veio a súbita reviravolta. Primeiro, a administração Obama apresentou um programa para treinar e armar rebeldes sírios. Agora, com ataques aéreos e uma participação militar direta no conflito da Síria, Obama dá um passo ainda mais largo.

Até o momento, o líder americano – ex-professor de direito constitucional na Universidade de Chicago e detentor do Prêmio Nobel da Paz – tentou se diferenciar de seu antecessor, George W. Bush, por meio de uma política externa de orientação multilateral e por ações dos EUA em conformidade com o direito internacional, na medida do possível. A missão militar liderada pelos Estados Unidos na Líbia é um bom exemplo disso.

Devido a tais posicionamentos prévios é de admirar que, até agora, Obama não tenha dado nenhuma justificativa jurídica para a sua decisão de executar ataques aéreos sobre a Síria.

"Os Estados Unidos não apresentaram nenhuma teoria jurídica clara para o seu comportamento", afirma Nehal Bhuta, especialista em direito internacional do Instituto Universitário Europeu de Florença. "Em vez disso, Samantha Power, embaixadora americana nas Nações Unidas, sublinhou que alternativas haviam sido discutidas, mas que ainda havia tempo de sobra para falar sobre isso. Por isso, acredito que eles se recusem explicitamente a formular uma base jurídica para esses ataques."

Declarações anteriores do governo americano sobre os ataques na Síria sugerem, no entanto, que Washington veja isso como uma forma de autodefesa coletiva, afirma Stephen Vladeck, jurista especializado em segurança nacional da American University, em Washington.

"A administração Obama protege a Síria, protege o regime Assad, protege o Ocidente, protege o Iraque das ameaças por parte do EI. E isso é um exercício autorizado de autodefesa nos termos da Carta das Nações Unidas e é um exercício autorizado de autodefesa, de acordo com o Artigo 2° da Constituição americana, para a defesa do país, mesmo sem a autorização do Congresso", diz o especialista.

Conceito controverso

A relutância da administração Obama em explicar os ataques aéreos na Síria à luz do direito internacional está ligada ao fato de o conceito da audodefesa coletiva ser juridicamente controverso.

"A ideia da autodefesa coletiva é altamente controversa e ainda não amadurecida", afirma Vladeck. "Entre os especialistas em direito internacional há um grande apoio, mas ele não é tão claro como seria no caso de os EUA estarem respondendo a um ataque direto em território americano."

A questão fundamental é, portanto, sob que condições legais um grupo não estatal deve ser atacado dentro de um país, quando esse país não tem controle sobre o grupo. Pois, segundo o direito internacional, uma intervenção externa só é permitida, quando o país em questão não está disposto ou não é capaz de pôr fim ao perigo por conta própria.

Embora a aplicação prática do conceito não seja algo fácil por natureza, os EUA conseguiram utilizar essa teoria com relativo sucesso para justificar seus ataques aéreos em partes do Paquistão, do Iêmen, da Somália e do Iraque. Mas na Síria é diferente.

Legalidade duvidosa

"A Síria é um caso muito mais complicado, porque um dos motivos pelos quais o regime Assad não quer ou não pode combater o EI está no fato de o Ocidente ter sempre tentado impedi-los de lidar com ameaças desse tipo", diz Vladeck.

Ainda que o conceito seja muito controverso, Bhuta vê na autodefesa coletiva do governo Obama a melhor alternativa para justificar os ataques aéreos à luz do direito internacional – embora isso seja de uma "legalidade duvidosa".

"É uma decisão difícil para Obama, mas é importante compreender que essa decisão é, em muitos aspectos, uma consequência de suas próprias ações políticas e das próprias ações do Ocidente", diz.

Já Vladeck se diz convencido de que o governo Obama está consciente de sua posição jurídica vulnerável em relação aos ataques aéreos na Síria. Para o especialista, esta incerteza jurídica também se reflete nas ações dos EUA na Síria.

"Acredito que esse é, em parte, o motivo pelo qual vamos ver, ao menos a curto prazo, apenas ataques aéreos limitados e nenhuma extensão dos combates por parte dos EUA, até que exista uma situação jurídica mais clara para essa ampliação ou haja uma mudança evidente na situação local."

O papel da Síria

"A verdadeira pergunta não é se a argumentação americana convenceu especialistas em direito internacional, mas se os governos alemão, britânico e francês estão convencidos dela e, finalmente, se o governo sírio se posiciona contra tal argumentação", afirma Vladeck.

Até agora, apesar de algumas declarações formais de rejeição, o regime Assad comportou-se de maneira relativamente calma. Caso isso venha a mudar e Damasco passe a protestar intensamente contra ataques em seu território, então, isso poderia levar a um colapso do construto jurídico instável do governo americano.

"Acho que a administração Obama está pisando em ovos, mas até agora, ela não quebrou nenhum", considera Vladeck.