1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Família brasileira vítima de cegueira repentina intriga médicos há 12 anos

Janara Nicoletti9 de agosto de 2013

Cientistas buscam entender melhor neuropatia óptica hereditária de Leber, que atinge 44 membros de uma família no Espírito Santo. Mais de uma década após início do estudo, evitar que doença se manifeste ainda é desafio.

https://p.dw.com/p/19M1D
Família MoschenFoto: Maria Odete Moschen

Um dos maiores estudos genéticos do mundo em número de pesquisados na área de oftalmologia começou graças ao esforço de uma mãe em busca da cura para a doença do filho. Em 2001, quando tinha 54 anos, Maria Odete Moschen incumbiu-se da missão de buscar tratamento para a chamada neuropatia óptica hereditária de Leber (NOHL), que acometeu seu único filho, na época com 14 anos. Ele perdeu praticamente toda a visão em uma semana. A mulher entrou em contato com centenas de pesquisadores e instituições de pesquisa no mundo, até que encontrou os autores do estudo que completará 12 anos em setembro.

Os Moschen vivem entre Santa Tereza, Colatina e Vitória, no Espírito Santo. Eles são a família com o maior número de vítimas da doença no planeta: 44 pessoas afetadas, das quais 12 são mulheres. A doença é considerada rara pelos médicos. Um em cada 8.500 indivíduos desenvolve o problema, segundo a Fundação Internacional para Doença do Nervo Óptico (Ifond, na sigla em inglês). Ela é transmitida pelos genes apenas por mulheres e se desenvolve, na maioria dos casos, em homens entre 18 e 30 anos. De acordo com os pesquisadores, a população feminina geralmente é atingida de forma mais branda e em menor número.

Por que alguns portadores do gene defeituoso desenvolvem a doença e outros não, ainda é um enigma que o trabalho realizado em parceria entre a Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, a Universidade de Bologna, na Itália, e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) tenta desvendar.

Busca por tratamento

Quem sofre desta síndrome para de enxergar de forma inesperada. Sem sintomas prévios ou dor, o olho deixa de identificar as imagens. Dentro de semanas ou, no máximo, em poucos meses, a pessoa perde completamente a visão dos dois olhos. "É como se o fio que liga a televisão à tomada de energia elétrica arrebentasse repentinamente", explica Rubens Belfort Junior, chefe da pesquisa no Brasil. "Uma vez afetado, não tem tratamento, não tem cura, não adianta cirurgia, não adianta nada", enfatiza o médico.

O problema é causado por uma disfunção na mitocôndria – organelo celular responsável pela geração de energia e oxigenação das células do corpo. Quando a pessoa desenvolve esta alteração genética, o nervo óptico deixa de transmitir informações para o cérebro. "As células da retina e do nervo se auto-lesam e param de funcionar", descreve o pesquisador. A parte externa do olho do paciente não sofre qualquer tipo de alteração.

Maria Odete Moschen mandou e-mail para mais de 250 centros de pesquisa em busca de cura para o filho
Maria Odete Moschen mandou e-mail para mais de 250 centros de pesquisa em busca de cura para o filhoFoto: Maria Odete Moschen

Foi o que aconteceu com o filho de Maria Odete. Em 2001, Pedro Henrique passou a ter notas baixas na escola. "Quando fui conversar com ele, disse que não estava enxergando nada", conta. Em uma semana, o adolescente perdeu praticamente toda a visão dos dois olhos, e um mês depois foi diagnosticado com NHOL. "O médico disse que eu teria que aceitar, mas eu respondi que não iria me conformar em ver o meu único filho com uma doença dessas e não buscar uma solução."

Sem saber usar a internet nem falar inglês, Maria Odete enviou mais de 250 e-mails contando a história da família a pesquisadores e instituições de todo o mundo. Entre julho e agosto de 2001, a mensagem enviada contava que o filho de Odete era o trigésimo da família a ter a doença. A Ifond entrou em contato para iniciar um trabalho de pesquisa. Hoje, Pedro Henrique mantém parte da visão e é professor de Educação Física.

Em setembro de 2001, três meses depois do diagnóstico de Pedro Henrique, uma equipe de 14 pesquisadores desembarcou em Vitória. O objetivo era iniciar o trabalho de investigação para tentar descobrir as causas e tratamentos da síndrome hereditária. No total, o mapeamento genético contou com amostras de 320 pessoas da mesma família, inclusive de parentes já mortos. Todos os 296 familiares vivos fizeram testes de DNA mitocondrial, que identifica a disfunção genética. Os resultados sentenciaram que 135 membros da família Moschen vivos carregam a alteração que pode desenvolver a neuropatia óptica hereditária de Leber.

"Fizemos mapeamento epidemiológico, genético, fatores de risco e conseguimos identificar as diferentes gerações da família", recorda Belfort. "Agora estamos desenvolvendo técnicas diagnósticas mais apuradas, que permitam identificar que o indivíduo está perdendo a visão antes que ele próprio perceba". Os cientistas descobriram fatores de risco que podem desencadear o problema, como cigarro e álcool. Também criaram exames clínicos para identificar os sinais que antecedem a perda da visão.

Uma equipe de investigadores italianos quer entender a transmissão genética da síndrome. Eles analisaram cerca de 110 pessoas na Itália e encontraram seis portadores de NOHL com traços de DNA semelhante aos dos Moschen do Brasil.

Testes com medicamentos

Cientistas examinaram todos os 296 membros da família Moschen para entender as causas e sinais da NOHL
Cientistas examinaram todos os 296 membros da família para entender as causas e sinais da NOHLFoto: Maria Odete Moschen

A expectativa dos cientistas é de conseguir desenvolver uma droga ou tratamento que impeça o aparecimento ou, pelo menos, o agravamento da doença. Eles fizeram testes com Brimonidina, medicamento usado para tratar glaucoma, mas os resultados não foram bem sucedidos.

Um novo remédio é testado há dois anos em um grupo muito pequeno de pacientes. A droga desenvolvida nos Estados Unidos é usada para tratamento de outras doenças genéticas e foi apelidada por Maria Odete de "super vitamina". "A esperança é recuperar as células do nervo óptico", diz ela.

Belfort é categórico ao ressaltar que ainda é cedo para afirmar se o medicamento, um colírio, poderá ser usado no tratamento da NOHL. São necessários mais dois anos de aplicações diárias para, então, determinar sua eficácia. "A próxima possibilidade é tratarmos com implante dentro do olho o paciente de alto risco, que são cegos de um único olho ou aqueles que apresentam indícios de desenvolverem a doença, mas ainda não sabemos qual droga será utilizada", comenta o pesquisador.

Ao determinar as causas do desenvolvimento da NOHL, os cientistas acreditam poder obter pistas para tratar outras doenças. "Uma série de problemas sistêmicos e oculares podem estar relacionados a isso. Talvez até o glaucoma", cogita Belfort. Para o médico, saber como se desencadeia a NHOL não só evitará a cegueira destas pessoas, mas pode ajudar a medicina a avançar em relação a doenças que desafiam os cientisas há muito tempo.