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Fascinação pelo “exótico”

Soraia Vilela15 de julho de 2003

Já se fala em um verdadeiro boom da capoeira na Alemanha: escolas e workhops pipocam entre um número cada vez maior de adeptos, enquanto a disseminação do gênero é discutida até por tese de doutorado.

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Capoeira: cada vez mais cultuada pelos europeusFoto: www.capoeira-switzerland.ch

Quem procurar o verbete "capoeira" em sites alemães, corre o risco de se assustar com o resultado: há inúmeros registros de escolas, workshops, páginas pessoais de "mestres", encontros internacionais, aulas para crianças, depoimentos de adeptos e até tese acadêmica sobre o tema. Chamada de "dança" ou "esporte" da moda, ela está cada vez mais presente no espaço público alemão.

Apropriação da mídia -

No site Capoeuropa, por exemplo, o autor Boris Hoffmann observa que "essa tendência crescente foi acionada pela mídia internacional, que se apropriou da herança cultural afro-brasileira". Seja em videogames ou filmes populares (Esporte Sangrento), a "modalidade brasileira, tão popular em seu país quanto o futebol" – como apontam com uma dose de exagero alguns artigos garimpados em jornais alemães – tornou-se in.

Além das inúmeras reportagens a respeito, até o spot publicitário de um dos maiores fabricantes de celulares do mundo, veiculado na Europa, coloca um casal na tela jogando capoeira à beira da praia.

Capoeira Switzerland
Roda de capoeira na SuíçaFoto: S.Robertson/www.capoeira-switzerland.ch

Orgulho das origens -

Entre os "mestres" e "contra-mestres" que vivem na Alemanha e em outros países europeus, há desde jovens recém chegados do Brasil até os que já vivem há várias décadas longe de casa. Alguns deles se tornaram até convidados de praxe de programas de tevê, apresentam-se em festas públicas e fundam associações que pipocam pelo Velho Continente. E, principalmente, se sentem orgulhosos de suas origens e do fato de estarem difundindo um aspecto da cultura brasileira na Europa.

A partir de dois anos -

O número de alunos em toda a Alemanha, apesar da ausência de estatísticas, parece crescer a cada dia. Apenas o Grupo Capoeira Nzinga, por exemplo, que mantém unidades em Kiel, Hamburgo, Hanôver e Hildesheim, conta com cerca de 200 freqüentadores.

Em Berlim, a Escola Européia, que oferece aulas em língua portuguesa, tem treinamentos de capoeira como uma das opções de esporte. Em Colônia, até os baixinhos entre dois e quatro anos, que freqüentam semanalmente uma oficina de brincadeiras em português, recebem "aulas" dos pernambucanos Rogério e Carlinha.

Filosofia de vida -

O que os fãs europeus admiram com freqüência é a "mistura de acrobacia, dança, luta e música", quando não se dizem fascinados pelos "ritmos musicais exóticos das rodas". No site da Universidade de Eichstätt, por exemplo, a descrição dos treinamentos oferecidos por Toupeira e Malandro aponta a capoeira como uma arte que "une opostos como luta e dança, violência e estética, jogo e seriedade, ritual e espontaneidade, rigidez coreográfica e improvisação de movimento, magia e realidade, treinamento corporal e filosofia de vida".

Encontros reunindo um bom número de adeptos acontecem regularmente na Europa. Entre os mais conhecidos estão o de Amsterdã (que acontece anualmente, durante a Páscoa) e o Sommermeeting, organizado a cada ano em julho, em Hamburgo. Sem contar os workshops que pipocam pela Europa afora, alguns deles com direito até a acampamento à beira da praia durante o verão, como o organizado pelo Grupo Artes das Gerais em Ustka, na Polônia.

Fins sociais -

Entre os nichos conquistados por capoeiristas estão também programas destinados a jovens – com problemas ou não – em até mesmo pequenas cidades espalhadas pelo interior do país. Aos que gostam de seguir qualquer tendência que apareça, uma revista de Hamburgo já alertava nos anos 80: "a capoeira não serve para aqueles que gostam do erotismo das pistas de dança de salão, nem para mulheres que fazem o gênero femme fatale. O salto alto não faz parte do espetáculo".

Alexandro Alves und Marcelinho tanzen Capoeira nach einem Tor
Alex Alves e Marcelinho Paraíba "dançam capoeira" após golFoto: AP

Clubbers e jogadores de futebol - Estaria o boom da capoeira associado a uma certa "simpatia" alemã pelo Brasil, estampada na Zittty, uma das principais revistas de programação cultural de Berlim? O texto Copacabana Berlim, que é capa da última edição da revista, descreve o heterogêneo grupo de mais de dez mil brasileiros vivendo na capital alemã "entre samba e simpósio, capoeira e clichê. (...) De clubbers a jogadores de futebol, uma comunidade em expansão".

Como se vê, a Alemanha é certamente um bom campo de trabalho para o etnólogo Joachim Wossidlo, que desenvolve na Universidade de Münster a tese de doutorado Transferência Cultural e Globalização A Partir do Exemplo da Disseminação da Capoeira Brasileira na Europa.

Neonazistas no chão -

Para os capoeiristas individualmente, a "arte brasileira da auto defesa" tem também fins de ordem estritamente prática. Em janeiro último, o diário berlinense taz estampou a manchete: "Mestre de capoeira é agredido por dois homens e joga ambos no chão. A polícia não exclui motivos de ordem xenófoba".

Para o brasileiro Leo Gonçalves – a vítima do caso, mestre de capoeira há oito anos e um "pacote de músculos", segundo o jornal alemão – os artifícios da capoeira fizeram jus à tradição da autodefesa: foram úteis na luta contra os neonazistas de plantão.