Filhos abandonados devem pagar por asilo dos pais, diz tribunal alemão
15 de fevereiro de 2014Quando o pai saiu de sua vida, ele não tinha nem 18 anos de idade. Ambos ficaram 43 anos sem se falar. Seu pai o deserdou e quando faleceu, há dois anos, o filho recebeu apenas a quota obrigatória da herança.
Mesmo assim, a cidade-estado de Bremen exigiu do funcionário público, hoje com 62 anos, que participasse com cerca de 9 mil euros dos custos do asilo onde seu pai viveu até a morte. A Corte Federal de Justiça, instância superior da Jurisdição Ordinária na Alemanha, deu razão à requerente, suspendendo assim a sentença anterior do Tribunal Superior Regional.
Na audiência oral em janeiro, os juízes da Vara de Família haviam enfatizado que os genitores que rejeitam consequentemente o contato com os filhos abrem assim mão da solidariedade familiar prescrita por lei. Em razão desse "lapso de conduta intencional", podem perder parcialmente o direito à pensão filial.
Veredicto com consequências amplas
A justificativa da nova sentença é bem diversa: mesmo que o pai tenha, mais tarde, cortado os laços familiares, ele cuidou do filho em seus primeiros 18 anos de sua vida, e assim cumpriu essencialmente o seu papel de progenitor, declarou a Corte Federal sediada em Karlsruhe, num comunicado à imprensa. O testamento do pai tampouco implica que a perda do direito à pensão filial: ele apenas fez uso do direito de decidir sobre os próprios bens.
"O veredicto é de pouca ajuda" e não deverá encontrar compreensão entre o público, objeta o advogado Jörn Hauss,especializado em direito de família. "O pai se afastou deliberadamente do filho. É difícil entender que alguém que nunca experimentou solidariedade familiar seja forçado a tê-la."
A decisão da Corte Federal de Justiça poderá ter consequências bem vastas, já que na Alemanha há cada vez mais idosos cujos cuidados precisam ser pagos. Em geral, o seguro para cuidados na velhice (Pflegeversicherung) só cobre uma pequena parte dos altos custos dos lares para idosos.
Casos como o presente deverão se tornar cada vez mais frequentes no futuro, pois há cada vez mais filhos de casais divorciados que não têm contato com um dos pais e se perguntam por que deverão pagar pela assistência a este na terceira idade.
Para o Estado, problema resolvido
No momento, ainda é raro que se chegue a uma ação jurídica, explica Horst Frehe, conselheiro estatal para assuntos sociais de Bremen. "Não temos tantos casos em que os familiares se recusam a arcar com os custos dos lares. Nesse sentido ficamos felizes que, após esse veredicto, passe a haver segurança legal."
Ele parte do princípio que em decisões futuras sobre a obrigatoriedade da pensão, não terá mais relevância o fato de terem ocorrido conflitos ou rompimentos mais tarde, quando o filho já era adulto.
"Felizmente agora a Corte esclareceu a questão" declarou Frehe em entrevista à DW. Na maioria dos casos, entretanto, o problema é os filhos não poderem pagar as pensões por terem rendimentos insuficientes. Somente na cidade-estado de Bremen, os subsídios públicos para a assistência na terceira idade a pessoas de baixa renda chegam a mais de 150 milhões de euros por ano.
Instituição familiar acima da qualidade das relações
Por sua vez, Brunhilde Ackermann, advogada do réu no recente processo, discorda que o veredicto da Corte Federal de Justiça implique uma obrigação generalizada dos filhos em relação aos pais, já que "nenhum caso é como o outro". "Na prática, certamente haverá casos de configuração totalmente diversa."
O jurista familiar Jörn Hauss alerta até mesmo para o perigo de o atual veredicto fazer escola. "Se aceitarmos impunemente essa irresponsabilidade do pai, então a família se transformará na oficina de reparos das falhas estatais", criticou, em entrevista à DW.
Ele argumenta que o problema real é os benefícios do seguro de assistência na velhice não bastarem para cobrir os custos das casas de repouso. "Se a contribuição do Estado fosse mais alta, não seria nem mesmo necessário recorrer aos filhos."
Para Hauss, o presente caso demonstrou, acima de tudo, que a legislação precisa ser revisada. Ele critica o fato de os juízes colocarem o puro parentesco acima da responsabilidade do pai.
"Para mim, o problema parece ser que a Corte Federal de Justiça não investiga a qualidade das relações familiares, e, em vez disso, simplesmente deduz e delibera a partir da instituição dos direitos e obrigações da família", argumenta o especialista. "Não considero que nos dias de hoje, esses critérios estariam ultrapassados.