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Filme de Schlöndorff conta episódio de atrocidade nazista na Bretanha

21 de março de 2012

"Das Meer am Morgen" (O mar pela manhã) trata de um capítulo sombrio da história de ocupação da França pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. O roteiro foi escrito com a ajuda das lembranças de dois escritores.

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Foto: Provobis

Em entrevista à Deutsche Welle, o diretor alemão Volker Schlöndorff afirma que seu novo filme é um projeto especialmente pessoal e não apenas o resgate, pela enésima vez, no cinema, de um tema relacionado à Segunda Guerra Mundial.

A base para o roteiro é o atentado a um oficial alemão, na Bretanha, em 1941, e a consequente retaliação das tropas de ocupação alemãs, em uma ação que deixou 48 franceses mortos. O filme, contudo, não é apenas uma versão para o cinema, recontada detalhadamente, de um fato histórico. Para realizar seu mais novo trabalho, Schlöndorff recorreu também a fontes literárias.

Lembranças da juventude

Em primeiro lugar, vale a pena voltar o olhar para o passado, a fim de entender por que o filme se tornou, para seu diretor, "extremamente pessoal". Aos 17 anos, Schlöndorff viveu na Bretanha, quando fez um intercâmbio estudantil, para depois estudar Direito em Paris. Naquela época, passou a frequentar diariamente a Cinemateca Francesa, onde aprendeu as primeiras lições sobre a história da sétima arte. No entanto, o jovem de então abdicou de uma graduação em Cinema em uma universidade parisiense para aprender o ofício na prática. Ele foi assistente de todos os grandes mestres do cinema francês.

Deutschland Film Filmszene Das Meer am Morgen
O atentado: militantes da Resistência francesa atiram em oficial alemãoFoto: Provobis

Quando ainda era adolescente, conta Schlöndorff, ele já ouvia relatos sobre as retaliações dos nazistas na Bretanha, embora, naquele momento, não tenha ainda se dedicado tanto ao tema. Somente décadas mais tarde ele viria a resgatar o assunto, tendo se deparado, em suas pesquisas, com outras fontes surpreendentes.

Dois escritores alemães conhecidos (Ernst Jünger e Heinrich Böll), que pertenciam a tropas estacionadas na França durante a Segunda Guerra, o inspiraram a construir o roteiro, diz o cineasta. Ernst Jünger foi, entre 1941 e 1944, membro do estado-maior do comando militar alemão em Paris.

Jünger recebeu do tenente alemão na França, Otto von Stülpnagel, a incumbência de registrar de forma "literária" os fatos em torno da morte dos reféns. Jünger atenteu à ordem, mas destruiu o manuscrito mais tarde. Depois do fim da guerra, foi descoberta uma cópia deste material, que só veio a ser publicada há poucos anos. Schlöndorff escreveu o prefácio da reedição deste livro, intitulado Zur Geiselfrage (Sobre a questão dos reféns), no ano passado.

Outra fonte: os contos de Böll

Os textos de Heinrich Böll, na época soldado comum estacionado na Bretanha, bem perto do lugar dos terríveis assassinatos, também serviram de fonte para o filme de Schlöndorff. Os contos de Böll Das Vermächtnis (O Legado) e Der Zug war pünktlich (O trem foi pontual), embora não se refiram diretamente ao atentado e à morte à queima-roupa dos reféns, são considerados formas usadas pelo então jovem soldado, que um dia seria vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, para refletir sobre sua participação na guerra. No filme de Schlöndorff, há um jovem soldado alemão, cuja caracterização foi inspirada em Heirich Böll e em suas personagens literárias.

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Reféns franceses: poucos momentos agradáveisFoto: Provobis

Quando, em outubro de 1941, o tenente-coronel Karl Hotz foi morto em Nantes por guerrilheiros franceses da Resistência, as retaliações dos nazistas foram rigorosas. Berlim exigia a execução de 150 reféns franceses. Mas o tenente nazista estacionado na França se opôs, dizendo que retaliações muito severas poderiam prejudicar o trabalho de ocupação na França, acabando com a paz estabelecida a duras penas. Por fim, foram mortos 48 franceses. A lista dos executados, em sua maioria comunistas, foi entregue aos alemães por colaboradores franceses.

Carta emocionante de despedida

Entre o grupo de assassinados estava também o jovem de 17 anos Guy Môquet, cuja carta de despedida aos pais e amigos é conhecida em toda a França, inclusive pelas crianças. O presidente Nicolas Sarkozy determinou, quando assumiu o cargo em 2007, que o texto carregado de emoções de Môquet fosse lido todo ano nas escolas do país. "Guy Môquet é hoje na França aquilo que Sophie Scholl é entre nós", diz Schlöndorff, referindo-se à jovem membro do movimento da resistência alemã antinazista. E foi exatamente Ernst Jünger o tradutor da carta de Guy Môquet – bem como das despedidas de todos os outros reféns assassinados – para o alemão. Estes documentos também fazem parte do livro Ernst Jünger: Sobre a Questão dos Reféns.

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Guy Môquet e um padre, poucos minutos antes de ser executadoFoto: Provobis

Schlöndorff inseriu em seu filme todos esses textos e impressões, usando tanto acontecimentos autênticos quanto elementos de ficção, que foram se misturando através "da arte de escrever um roteiro", como diz o próprio diretor à DW. Frente a Ernst Jünger, Schlöndorff diz que se sentiu "atraído e repelido" ao mesmo tempo: "Jünger era um amante da França, um literato disciplinado e, por outro lado, um homem de ações".

A personagem do escritor Ernst Jünger faz parte do filme e é magistralmente interpretada pelo ator Ulrich Matthes. Heinrich Böll, por outro lado, não é citado nominalmente, embora um jovem soldado alemão, interpretado por Jacob Matschenz, lembre Böll no desenrolar do roteiro.

Exibição pela TV

Depois da estreia no Festival de Cinema de Biarritz e de exibições durante o Festival de Berlim, o filme de Schlöndorff será exibido pelo canal franco-alemão Arte. O projeto do diretor foi visto com reservas pelas emissoras alemãs e fundações de fomento ao cinema do país, mas despertou, em contrapartida, grande interesse na França. "Para mim isso não significa enfrentar os traumas do passado", observou o cineasta em entrevista à revista Filmecho/Flmmwoche.

Para Schlöndorff, o que importa é mostrar no filme como as pessoas agem em situações extremas e questionar seu próprio comportamento. Sendo assim, O mar pela manhã serve a dois fins: à discussão de Schlöndorff a respeito das histórias da Alemanha e da França e à reflexão pessoal do diretor sobre sua própria biografia.

Autor: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Francis França