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França debate consequências do terrorismo

Bernd Riegert (md)14 de janeiro de 2015

Militares e policiais nas ruas dão sensação de segurança, mas é impossível garantir que novos ataques não vão acontecer. Governo revê leis, mas descarta legislação que "coloca tudo e todos sob suspeita".

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Foto: Getty Images/D. Kitwood

"E agora?", perguntam, após a histórica manifestação antiterrorismo em Paris, o jornal Le Parisien e outros meios de comunicação na França. Durante discussões em escolas, igrejas ou bistrôs, os franceses se perguntam que lições devem ser extraídas dos ataques terroristas.

O presidente François Hollande defendeu mais uma vez a unidade da nação. "A ameaça do terrorismo ainda está presente. Temos de levá-la a sério", disse. "A França protegerá todos os seus cidadãos, não importa no que eles acreditem ou não acreditem."

Nas ruas de Paris, chama a atenção a quantidade de soldados e policiais fortemente armados, parados em pontos estratégicos. O governo mobilizou cerca de 10 mil militares em todo o país. "É a primeira vez que tantos soldados são utilizados em nosso próprio território", disse o primeiro-ministro Manuel Valls.

Todas as instituições judaicas na França estão sendo vigiadas por 4.700 policiais adicionais. Muitos duvidam que esse esforço extra poderá mesmo impedir um novo ataque, e especialistas em segurança reconhecem que não existe proteção absoluta contra criminosos determinados a tudo.

Mas o governo quer mostrar capacidade de ação e pelo menos transmitir uma sensação de segurança à população. Hollande homenageou os três policiais que foram mortos nos ataques com uma medalha póstuma da Legião de Honra. "Eles morreram para que pudéssemos viver em liberdade", afirmou. O presidente tentou consolar a mãe do policial muçulmano de raízes africanas Ahmed Merabet, morto friamente na quarta-feira, diante da sede do Charlie Hebdo.

Depois de algumas semanas, quando o clima conturbado se acalmar, as medidas de segurança provavelmente serão relaxadas, deixando a pergunta: o que mais pode ser feito?

Mudanças na legislação

O governo francês já decidiu reforçar as leis de segurança e implementar antecipadamente medidas que já haviam sido planejadas. O Parlamento já havia aprovado, no final de 2014, uma nova lei antiterrorismo, prevista para começar a vigorar somente no fim deste ano. As medidas preveem maior isolamento de suspeitos de terrorismo e islamitas dentro das prisões. Um dos terroristas dos atentados da frança, Chérif Kouachi, já havia cumprido, em 2008, uma sentença por aliciamento de combatentes jihadistas e teria tido contato na prisão com Amedy Coulibaly, que atacou um supermercado judeu em Paris e é o responsável pela morte de cinco pessoas.

Trauerfeier für die ermordeten Polizisten in Paris 13.01.2015
Hollande homenageia policiais mortosFoto: picture-alliance/epa/Y. Valat

Os poderes dos serviços secretos deverão ser ampliados. Os problemas jurídicos que ainda impedem a limitação de viagens de jihadistas devem ser eliminados logo. Os terroristas que atacaram o Charlie Hebdo, Said e Chérif Kouachi, teriam, entre 2009 e 2011, viajado várias vezes ao Iêmen, onde teriam entrado em contato com a ramificação local da rede Al Qaeda e sido treinados no uso de armas.

Autoridades francesas estimam haver cerca de 1.400 cidadãos da França lutando em grupos terroristas no Iraque e na Síria. Segundo o Ministério do Interior francês, eles são principalmente radicais islâmicos. A polícia suspeita que haja na França uma célula terrorista com até seis membros, que poderia ter apoiado os autores dos atentados na semana passada.

De acordo com relatos da mídia, os atacantes também usavam minicâmeras GoPro no corpo, com as quais puderam registrar seus crimes. A câmera dos irmãos Kouachi não estava ligada durante o ataque ao Charlie Hebdo. Já Coulibaly teria filmado a carnificina que causou no supermercado judeu. Segundo o jornal Le Figaro, haveria um cartão de memória que estaria agora sendo analisado pelos investigadores.

Coleta de dados de passageiros

O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, anunciou que pretende pressionar para que seja aprovada uma lei europeia de coleta e análise de dados de passageiros de voos. Até agora, o Parlamento Europeu a vetou por razões de proteção de dados. Os Estados Unidos introduziram a coleta de dados de passageiros após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2011. Os irmãos Kouachi estavam na lista de terroristas das autoridades dos EUA e não teriam conseguido entrar no país por via aérea. As autoridades francesas também haviam mantido um dos irmãos sob vigia, mas pararam com o monitoramento há alguns meses.

Gedenken an die Opfer der Terroranschläge in Paris 13.01.2015
Monumento em Paris: representação da liberdade empunha frase "eu sou Charlie"Foto: DW/B. Riegert

O ex-chefe da agência de inteligência doméstica francesa Bernard Squarchini sugere uma melhora na cooperação entre os vários serviços secretos franceses. A introdução da coleta de dados de passageiros é, segundo ele, indispensável. "Precisamos também de uma melhor legislação, que englobe tudo isso. No momento tudo está fragmentado, e muita coisa se perde", criticou Squarchini no jornal Le Figaro.

A oposição conservadora exige uma espécie de "Patriot Act" francesa, referindo-se à lei com a qual os EUA deram amplos poderes a seus serviços de inteligência para o combate ao terrorismo e a coleta de dados. "A tentação de se criar uma 'Patriot Act' após a onda de terror de Paris é grande", constata o jornal Le Monde. Mas Valls rejeita a ideia. "Lei melhores, sim. Mas rejeito leis que colocam tudo e todos sob suspeita", afirmou o premiê ao Le Monde.

Campanha eleitoral já começou

O futuro candidato presidencial do partido conservador UMP, o ex-presidente Nicolas Sarkozy, também pede leis mais duras e mais proteção para a França. Sarkozy, que foi derrotado nas urnas por Hollande, quer competir novamente em 2017.

Ele posa de estadista nesses dias sombrios. Na mídia , já se diz que Sarkozy está fazendo de tudo para aparecer, pois ele participou da marcha no domingo na segunda fileira, tendo conseguido passar sorrateiramente para as primeiras filas.

A campanha para a presidência, obviamente, já começou. A terceira candidata, a presidente do partido populista de direita Frente Nacional, Marine Le Pen, tem sido mais comedida em suas declarações, habitualmente críticas ao Islã. Le Pen elogiou a atual capa do Charlie Hebdo, que mostra o profeta Maomé chorando com a placa "eu sou Charlie", sob o título "Tudo é perdoado". "Ela é bastante calma e equilibrada", opinou.