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PolíticaJapão

Funeral de Estado de Shinzo Abe gera revolta no Japão

Julian Ryall de Tóquio
26 de setembro de 2022

Uns se sentem obrigados à homenagem, para outros é verba pública mal gasta: a polêmica em torno da última despedida de Abe, morto em julho, o político que mais tempo governou o país desde o fim da Segunda Guerra.

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Carro da polícia do Japão diante de um estádio
A arena Nippon Budokan é o lugar do funeral de Estado de AbeFoto: Kazuhiro Nogi/AFP/Getty Images

A decisão do governo japonês de prosseguir com o funeral de Estado do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, assassinado em 8 de julho em evento de campanha eleitoral, causou tanta controvérsia quanto o próprio Abe durante suas décadas na política.

Entre os mais de 6 mil convidados para o culto, agendado para esta terça-feira (27/09) na arena Nippon Budokan, no centro de Tóquio, estão a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e o presidente francês, Emmanuel Macron, assim como os líderes de Austrália, Índia, Vietnã, Camboja e Cingapura, entre dezenas de outros.

Japão dividido sobre funeral

Um funeral privado foi realizado em julho para a família de Abe e amigos próximos num templo de Tóquio. Já o evento desta terça-feira mostrará que "o Japão não cederá à violência e está determinado a proteger a democracia", segundo o primeiro-ministro Fumio Kishida.

No entanto a decisão de realizar um funeral de Estado gerou críticas generalizadas,  tanto pelo custo envolvido quanto pelas alegações de alguns de estarem sendo efetivamente forçados a prestar homenagem póstuma a um líder a cujas políticas se opunham.

Kamala Harris aperta mão de Fumio Kishida
Kamala Harris já está em Tóquio para funeral, onde se encontrou com premiê Fumio KishidaFoto: David Mareuil/AFP

A ira é tamanha em alguns setores da sociedade, que na quarta-feira um homem de 70 anos tentou cometer suicídio diante do escritório do premiê em Tóquio, derramando sobre si um líquido inflamável e incendiando-o.

Altos custos

O custo original do funeral de Estado foi estimado em modestos 250 milhões de ienes (R$ 9,3 milhões), mas logo aumentou para 1,65 bilhão de ienes. Autoridades admitiram que fornecer polícia e segurança custará 800 milhões de ienes extras, enquanto hospedar líderes estrangeiros adicionará 600 milhões de ienes à conta total.

A morte de Abe, baleado numa esquina da cidade de Nara por um homem irritado com a influência que a Igreja da Unificação exerceu sobre a política japonesa, de início gerou inicialmente raiva e choque generalizados.

No entanto sondagens indicam que muitos são contra a realização de um funeral de Estado, que seria o primeiro desde o de Shigeru Yoshida, o primeiro chefe de governo do Japão no pós-guerra, em 1967. Em pesquisa recente do jornal Yomiuri Shimbun, 56% se opuseram a um funeral de Estado para Abe, com apenas 38% a favor.

O governo até enfrentou uma série de desafios legais, com o Tribunal Distrital de Tóquio rejeitando em 9 de setembro uma petição exigindo que funeral seja proibido.

"Obrigação"?

Quase 600 cidadãos processaram o governo alegando que um funeral de Estado de um ex-primeiro-ministro seria uma violação da Constituição e que "obrigaria o público" a prestar homenagens fúnebres. O tribunal rejeitou a petição, argumentando não haver base legal permitindo um pedido formal para impedir gastos estaduais com um funeral.

E enquanto políticos do Partido Liberal Democrático de Abe e de siglas aliadas comparecerão ao Budokan, muitos políticos da oposição declararam que se ausentarão da cerimônia.

Kazuo Shii, presidente do Partido Comunista Japonês, postou no Twitter que se considera incapaz de prestar seus respeitos ao ex-líder porque sentiria estar sendo "forçado" a fazê-lo pela decisão do governo.

Ken Kato, empresário de Tóquio e membro do Partido Liberal Democrático, afirmou à DW que as críticas à decisão de prosseguir com o funeral o deixaram "muito irritado e desapontado": "Tenho certeza de que muita gente comum quer poder prestar homenagem a Abe e, embora não possamos entrar no Budokan, estarei entre aqueles que levarão flores e farão oferendas no dia."

"Pessoalmente, não entendo por que tantos se opõem a um funeral oficial ou a prestar homenagem a um líder que foi morto enquanto fazia seu trabalho pela nação", prosseguiu Kato. "Na cultura japonesa, prestamos nossos respeitos aos que morrem, mesmo que sejam rivais nos negócios ou na política. É o certo, é um sinal de respeito e uma marca de nossa cultura."

Pessoa de máscara branca dirigindo carro negro
Funeral privado foi realizado em julho num templo de Tóquio, reunindo familiares e amigos íntimos de AbeFoto: Takehiko Suzuki/Yomiuri Shimbun/AP/picture alliance

"Tudo se tornou terrivelmente politizado"

Kato acrescentou que Abe será lembrado no Japão e no exterior como um líder forte que enfrentou uma China agressivamente expansionista, uniu as nações da região Ásia-Pacífico e forjou alianças com o objetivo de proteger o comércio "livre e aberto" e o domínio do direito internacional.

Outros, no entanto, sequer assistiriam ao evento pela televisão. A moradora de Tóquio Hiromi Iuchi diz que pretende evitar o centro da cidade no dia do funeral: "Simplesmente não estou interessada em participar. Acho que tudo se tornou terrivelmente politizado e está se transformando numa oportunidade para os políticos marcarem pontos uns contra os outros."

Iuchi acredita ser tarde demais para cancelar a cerimônia e que quaisquer contestações legais restantes possivelmente serão rejeitadas: seria "impossível" para o governo não prosseguir nesta fase tardia, pois causaria constrangimento no cenário global.

"A maioria está preocupada com o aumento dos preços e a queda no poder de compra. O funeral vai custar dinheiro, mas não é uma quantia enorme. Mas eu gostaria que os políticos pensassem mais nos cidadãos comuns."