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Goya e os monstros da razão em Berlim

Kerstin Hilt (rr)21 de julho de 2005

Francisco de Goya viveu em meados de 1800 e pintou quadros dignos de filmes de David Lynch. Agora, uma exposição em Berlim retrata o pintor espanhol como profeta do modernismo. E espera ganhar muito, muito dinheiro.

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Um catálogo pesado e um seguro mais aindaFoto: AP

O artista cochilou por um momento. Enquanto sua cabeleira negra praticamente cobria a mesa, criaturas tão fabulosas quanto assustadoras surgiam às suas costas: corujas de bicos afiados, olhos brilhantes em pântanos escuros, morcegos com grandes asas abertas. "O sono da razão produz monstros", dizia uma de suas gravuras – uma obra casual, que acabaria tornando-o famoso.

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Auto-retrato de 1815 (Museu Nacional do Prado)Foto: Museo Nacional del Prado

Foram imagens como esta que levaram os curadores da Alte Nationalgalerie de Berlim a anunciar o pintor espanhol como "profeta do modernismo" no título da mostra. Simbolismo, expressionismo, surrealismo: Goya antecipou quase todos os movimentos de vanguarda do século 20 em seus desenhos, provocando o "Big Bang modernista", nas palavras do curador Moritz Wullen – só que cerca de cem anos antes de o movimento começar.

Hotéis aproveitam

Neste verão, espera-se que Goya cause outras sensações: a cena artística berlinense espera que a exposição do mestre espanhol atraia multidões semelhantes às da exposição do MoMA, em 2004, quando as principais obras da instituição nova-iorquina estavam de visita à capital alemã. Cerca de 1,2 milhão de pessoas visitaram a mostra, assegurando um faturamento de 6,5 milhões de euros. Em vez de "MoMA em Berlim", agora é "Goya em Berlim"?

Os hotéis da cidade já estão preparados e oferecem pacotes para interessados, incluindo dois pernoites, uma visita guiada e o catálogo da exposição. Empresas de transporte rodoviário também avaliam a possibilidade de oferecer pacotes de viagem. Para o curador Wullen, isso o pegou de surpresa. Pois, segundo ele, ao contrário da Neue Nationalgalerie, que recebeu as pérolas do MoMA, a Alte Nationalgalerie não possui estrutura para receber cerca de mil visitantes por hora. "Aqui, uma multidão como essa derrubaria os quadros das paredes."

Ausstellung Goya in Berlin
Foto: AP

Colecionadores temem pelas obras

Tanta gente no mesmo lugar também poderia complicar ainda mais as exigências de instituições e colecionadores quanto à segurança das obras. Das 80 pinturas da mostra, 12 pertencem ao Museu do Prado, em Madri, e tiveram de ser transportadas por uma escolta policial até Berlim.

O custo relativo ao seguro das obras foi tão alto – 500 milhões de euros – que o próprio governo federal teve de prestar fiança. Mesmo assim, alguns colecionadores optaram por não emprestar as peças. "Eles vivem com estas obras e não poderiam abrir mão delas", explica Wullen, que negociou pessoalmente com a maioria deles.

Francisco de Goya. Desastre de la Guerra, 39;  Grande Bazana! Con Muertos! c.1810-1811. Etching and aquatint
'Desastre de la Guerra' (ca. 1810–1811)Foto: Francisco de Goya

Mas ele entende o enorme interesse que a mostra desperta. Até porque, segundo ele, só hoje é realmente possível entender Goya. Para compreender suas visões apocalípticas – matanças de guerra, feiticeiros, fantasmas de duas cabeças – e seu estilo dinâmico, seria necessário um olhar treinado com os filmes de terror das últimos décadas. "Se Goya tivesse hoje 200 anos de idade", especula Wullen, "ele faria filmes e videoclipes."

Dois lados do mesmo pintor

Ausstellung Goya in Berlin
'El quitasol' (1777 – Museu Nacional do Prado)Foto: Museo Nacional del Prado

Mas, à sua época, Goya teve de encontrar outros meios de subsistência. Ele pintou retratos de nobres, naturezas mortas e paisagens idílicas até ganhar aceitação na corte espanhola. O reconhecimento não demorou a chegar e ele recebeu até um título de nobreza.

No entanto, as obras pelas quais Goya é hoje famoso foram pagas do próprio bolso. Para englobar essas duas facetas da vida do pintor, a exposição em Berlim foi dividida em duas partes: nos grandes salões, estão reunidas as obras feitas por encomenda; nas câmaras ao redor, estão expostas suas visões de horror.

São exatamente esses os quadros que mais respondem à modernidade e à contemporaneidade de Goya e não se deve deixar-se irritar por eles, afinal nunca houve uma exposição maior sobre Goya em todos os países de língua alemã.

Em virtude disso, até a pergunta se Goya foi apenas um astucioso pintor da corte ou se foi um verdadeiro Hitchcock de sua época dispensa resposta. Até 3 de outubro, a exposição poderá ser vista na Alte Nationalgalerie. Depois, ela segue para o Museu de História da Arte de Viena e, finalmente, para o Museu do Prado em Madri.