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Igreja alemã combate emigração do Nordeste

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Representante do Brasil na assembléia da Conferência dos Bispos da Alemanha, Dom André de Witte, da arquidiocese de Rui Barbosa (Bahia), destaca a contribuição financeira alemã para projetos sociais no Nordeste.

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Cardeal Lehmann (centro) reza missa de abertura da conferênciaFoto: AP

O bispo de Rui Barbosa na Bahia, Dom André de Witte, destaca na Alemanha a contribuição da Igreja Católica alemã para projetos que estariam reduzindo a emigração do Nordeste para o Sul do país. Em entrevista à DW-WORLD nesta terça-feira (2/3), ele aponta falta de motivação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva na implantação do programa Fome Zero. Mas diz ter esperança de o programa deslanchar agora com a posse de Patrus Ananias no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no lugar de José Graziano. Dom André nasceu há 60 anos na Bélgica e vive há 28 anos no Brasil.

DW-WORLD

– Qual é a participação do senhor na assembléia dos Bispos da Alemanha, que se encerra nesta quinta-feira?

Dom André – Fui convidado pela Misereor (instituição da Igreja Católica alemã) para participar do lançamento e animação da Campanha da Fraternidade de 2004, sobretudo por ser presidente do Instituto Regional da Agropecuária Apropriada (Irpa). O Instituto, com sede em Juazeiro na Bahia, tem um trabalho para incentivar a população a conviver com o semi-árido, com animais e plantas apropriadas para a região. Não sei exatamente com quanto a Misereor contribui, porque outras ONGs alemãs também participam dos projetos. A Misereor ajuda vários projetos sociais na Brasil, inclusive na própria diocese de Rui Barbosa (cidade situada a 350 quilômetros de Salvador).

DW-WORLD

– O que o senhor acha da exigência que o presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, cardeal Karl Lehamnn, fez na abertura da assembléia para que a futura Constituição da União Européia tenha uma menção sobre Deus?

Dom André

– Acredito que o ser humano é um ser com uma dignidade fabulosa. Acredito que as pessoas de todas as culturas reconhecem que não são donas absolutas da sua vida, nem da vida dos outros. Este reconhecimento do ser absoluto que nós aprendemos a chamar Deus está enraizado profundamente no ser humano. Então eu acho justo que haja uma referência na Constituição, embora respeitando as pessoas que não pensam assim.

DW-WORLD

– Que importância teria na vida prática uma menção de Deus na Constituição européia?

Dom André

– Na vida prática ninguém se refere à Constituição explicitamente. Mas quando a gente vai olhar mais de perto, por algum motivo, vê o que lá está garantido e a coisa toma um rumo diferente: a gente reconhece esta visão do ser humano. Não como um ser independente, absolutamente autônomo mas como um ser criado pelo Criador.

DW-WORLD

– Neste momento de grande crise econômico-social, a Conferência dos Bispos está debatendo assuntos aparentemente superficiais, como o uso do véu pelas mulheres muçulmanas nas escolas da Alemanha. Que contribuição este debate pode dar para a convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos?

Dom André

– Não sei exatamente como está a questão na Alemanha, eu vi na TV mais sobre a questão do uso do véu na França. Tenho a impressão de que se este assunto foi colocado na mesa de debate das entidades é porque ele tem a ver com a vivência da sua religião. Não acredito que foi a Igreja que levantou o problema, mas que diante da realidade que estamos vivendo se sente provocada a dizer o que pensa a respeito.

DW-WORLD

– Entre outras questões em debate pelos bispos, em Bensberg, estão a cultura funeral, a integração de muçulmanos, o serviço militar obrigatório, que o Partido Social Democrata quer manter e o seu parceiro de coalizão, o Partido Verde, quer abolir. O senhor acha esses assuntos tão relevantes para a Igreja na Alemanha?

Dom André

– É difícil para alguém que é de fora dizer o que é relevante ou não. O que posso dizer de coração é que a Igreja está metida na vida humana, com suas alegrias, esperanças e também com as suas dificuldades e dores. O que não pode acontecer é a Igreja ficar de fora do debate que envolve o encaminhamento da vida humana. Achei muito bonito para a Alemanha inteira o que um representante do Irpa de Juazeiro disse, na abertura da Campanha da Fraternidade, quando foi perguntado sobre como os alemães poderiam ajudar. Ele disse: vocês ajudam muito. Agora, o que é importante é reconhecer que estamos no mesmo barco e carregamos responsabilidades comuns. Este aspecto vale também de modo particular para a Igreja. Aliás, quando falamos em Igreja no Brasil fazemos questão de esclarecer que a Igreja não é só hierarquia, só bispos, padres, freiras, mas é o povo de Deus. E na Alemanha tem o povo católico, o povo evangélico, o povo do islã. É este povo inteiro que está no mesmo barco. Por isso mesmo, os bispos alemães são provocados a se manifestar sobre a realidade do seu redor.

DW-WORLD

– Por falar em mesmo barco. Quais são os problemas ou soluções comuns à Igreja Católica no Brasil e na Alemanha?

Dom André

– Vou partir da realidade do Nordeste. Ao contrário da visão de lá – e que é mais forte aqui –, é importante dizer que o povo nordestino não é um problema. É solução. E nossa visão é de não lutar contra a seca, mas aprender a conviver com a seca. Os alemães não lutam contra o frio. Eles aprendem a conviver com o frio.

DW-WORLD

– Qual a contribuição da rica Igreja Católica alemã (os contribuintes pagam imposto de Igreja na Alemanha) para atenuar os problemas no Nordeste?

Dom André

– A Misereor é uma entidade que, a partir da solidariedade dos católicos alemães, ajuda a realizar milagres. Como, por exemplo, esta transformação no Nordeste, que vai devagar, mas que significa algo, que é o nordestino não ser mais obrigado a migrar para São Paulo ou para a região da cana-de-açúcar para poder sobreviver. Parece um milagre. A Maria da Glória de Juazeiro, que também está participando aqui da Campanha da Fraternidade, contou que ela e o marido, que nunca tiveram condições de estudar, fizeram o curso Irpa. Ela cursou até a oitava série e por sua causa outras dez senhoras estão estudando no Irpa. Então se estas mulheres aprendem a ler e ganham o título de eleitor, nunca vão faltar às urnas e vão contribuir desta maneira. Isto tem a ver com a solidariedade daqui que tornou certos projetos possíveis numa região dominada pelo coronelismo durante séculos e onde até hoje é muito difícil dar passos sem uma ajuda inicial para que o povo possa andar com os próprios pés. O que está acontecendo não é só aprender a pescar. Porque você pode chegar à beira do rio e ouvir dizer que é proibido pescar. Ainda é preciso lutar, porque você pode conquistar o direito de pescar e encontrar o rio poluído. Aí tem que lutar politicamente contra a poluição. A Igreja, o povo de Deus, faz parceria com o sindicato, com o prefeito e vereadores e conquista uma vida nova.

DW-WORLD

– Qual é o índice da redução da emigração no Nordeste na última década?

Dom André Não conheço números concretos, mas ouvi em muitas colocações um número impressionante. Hoje tem mais de 800 milhões de pessoas passando fome no mundo. A Campanha da Fraternidade, com o lema "O pão nosso de cada dia nos dái hoje", nos convida a lutar contra esta emergência. Estes números poderiam ser piores, mas como número talvez motive menos do que ver passar fome uma pessoa que nos toca o coração.

DW-WORLD No lançamento do programa Fome Zero, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que se uma só pessoa passasse fome no Brasil já seria demais.

Dom André – É bonito ele dizer isto. No lançamento da Campanha da Fraternidade em Bensberg, nós fomos chamados a fazer uma rede com um pedacinho de fio. Nós conseguimos porque todo mundo na sala estava motivado, disposto a fazer a rede. Tinha um instrutor na sala que nos orientou. Então eu acredito que o que se precisa para fazer milagre é motivação. Tem que ter motivação para não deixar o meu irmão passar fome.

DW-WORLD

– Falta motivação com o Fome Zero? O senhor está decepcionado?

Dom André

– Eu esperava que fosse mais rápido. A gente sempre sonha o melhor. Porém, eu não gostaria de colocar o lado negativo. Acho que o programa é digno de confiança. Nós e nossos representantes participamos onde somos chamados e vamos continuar lutando, pressionando para que o Fome Zero vá para frente. Houve a mudança do ministro responsável pelo programa e esperamos que o Patrus Ananias faça o projeto avançar. Precisa-se de motivação, dos instrumentos, da orientação e de articulação segura. Os pobres necessitados estão com expectativas nas alturas. Eu espero que, do lado do governo, todos estejam motivados como o presidente Lula. Governar não é mandar, mas servir. Se todos pensassem assim, já teríamos um passo dado. Acho que alguns estão indo muito devagar. Com toda a consideração, mas acho que o Graziano não mostrou uma experiência administrativa que fizesse a coisa deslanchar mais rápido. Portanto, temos esperança que agora com Patrus Ananias a coisa ande.