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Ingresso da Venezuela poderá dar caráter mais político ao Mercosul

31 de julho de 2012

Cúpula do Mercosul no Brasil oficializará admissão da Venezuela. Decisão, tomada sem a participação do Paraguai, gera controvérsia. Brasil, Argentina e Uruguai suspenderam o país do bloco após impeachment de Lugo.

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Foto: Getty Images

É só uma questão formal. Os presidentes dos três países ativos no Mercosul – Brasil, Argentina e Uruguai – reúnem-se nesta terça-feira (31/07) com o colega venezuelano Hugo Chávez em Brasília para oficializar a admissão da Venezuela no bloco comercial.

Mas o pouco espetacular ato de Estado é o resultado de uma longa controvérsia. O Paraguai não participou da decisão, apesar de todas as deliberações do Mercosul terem de ser por unanimidade. Os outros três membros fundadores do bloco haviam suspendido o país por causa da polêmica destituição do presidente Fernando Lugo em junho.

Motivação ideológica

Antes da reunião de cúpula extraordinária desta terça-feira, Chávez havia elogiado a admissão venezuelana como um sucesso na "luta contra o imperialismo dos EUA", que anteriormente impedira a entrada do país no bloco por meio da "burguesia lacaia" no Congresso paraguaio.

De fato, deputados conservadores e liberais impediram repetidamente que o governo de minoria do esquerdista Lugo ratificasse o ingresso da Venezuela. Isso apesar da decisão já ter sido assinada em 2006 pelo antecessor de Lugo, Nicanor Duarte Frutos – hoje na oposição.

Os motivos para o repetido veto parecem ser mais de natureza ideológica do que econômica. "Por um lado, o alinhamento da política venezuelana não se encaixava com o desses opositores no Congresso paraguaio. Por outro lado, pretendia-se irritar Lugo", diz Detlef Nolte, diretor do departamento latino-americano do Instituto Giga de Hamburgo. "Isso também gerou aborrecimento entre os demais membros do Mercosul, apesar de ser necessário dizer que o Brasil também demorou um bom tempo para ratificar a entrada da Venezuela."

A historiadora Vera Vieira, da PUC de São Paulo, fala em temor por parte dos conservadores. "Trata-se de um tipo de paranoia comum por nossos lados, de que qualquer governo um pouco mais progressista no sentido de ouvir a população e suas demandas coloque em risco a ordem social", diz.

Polêmico impeachment

Após o aumento da agitação social, que levou à morte de 17 pessoas em junho, o ministro do Interior do gabinete de Lugo se demitiu. Uma semana depois, o presidente também foi obrigado a deixar o cargo, após a maioria do Congresso ter votado a favor de sua destituição.

"Esse ato é uma afronta aos preceitos Constitucionais do Paraguai e os preceitos internacionais firmados visando a garantia da democracia", considera Vieira. Nolte vê a situação de outra maneira. "Como a maioria das constituições do continente americano, a do Paraguai também tem uma cláusula sobre o impeachment do presidente", explica o cientista político. "Trata-se de um processo político e não jurídico. Portanto, se a maioria do congresso vota pela deposição, ela é válida."

Por isso, em última análise, também não se pode dizer nada contra a velocidade do processo de impeachment. Lugo tivera apenas duas horas para se defender.

Tiro pela culatra

Os parceiros do Mercosul de governos de esquerda, Brasil, Argentina e Uruguai, classificaram o ato político como uma "ruptura da ordem democrática", suspendendo a participação do Paraguai nos órgãos do Mercosul até que tal ordem seja restabelecida. Então, aproveitaram o momento favorável para finalmente ratificar a entrada da Venezuela no bloco.

Nolte considera o processo questionável. "Por um lado, critica-se a pressa do Congresso no Paraguai; por outro, aproveita-se a suspensão do país para ratificar o ingresso da Venezuela."

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, não teve nenhuma objeção a isso. "Dessa vez, o tiro dos golpistas saiu pela culatra!", declarou, e ressaltou que o Mercosul reunirá agora as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo.

Implicações da admissão

Para Nolte, especialmente a Argentina e o Uruguai – dependentes da importação de petróleo – têm interesses econômicos na admissão da Venezuela. Mas também empresários brasileiros poderiam se interessar pelo mercado do país vizinho.

Entretanto, ele não vê nenhuma grande vantagem para o Mercosul enquanto aliança econômica. "A Venezuela adota um modelo econômico centrado no Estado, o qual certamente não facilitará o desenvolvimento da instituição Mercosul."

O economista Federico Foders também é desta opinião. "O objetivo original – ou seja, a redução das barreiras comerciais – continuará a ser diluído com o ingresso da Venezuela", afirma. Ele teme que as tendências protecionistas se intensifiquem e que o Mercosul se transforme em uma aliança política. Segundo ele, mais uma entre as já existentes e ineficazes na América Latina.

Ao mesmo tempo, Foders vê com tranquilidade a alusão de Chávez ao poder no mercado de petróleo. "A hipótese de cartel foi refutada em diversos estudos empíricos. E isso a Venezuela e o Brasil também não poderão mudar."

Já a concentração da América Latina em combustíveis fósseis, o economista considera mais perigosa. "Quem produz e exporta uma matéria-prima cobiçada não precisa se preocupar com a competitividade. Mas o petróleo é um combustível com prazo de validade." Para Foders, os países precisam se dar conta de que o foco da economia mundial está se deslocando para a Ásia e sua produção industrial de manufaturados.

Autor: Jan D. Walter (lpf)
Revisão: Roselaine Wandscheer