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Investimento bilionário não evita que cariocas sigam reféns do trânsito

Jan D. Walter28 de março de 2014

Nada tira mais o sono dos moradores do Rio do que mobilidade urbana. Foram bilhões de reais destinados ao problema, mais do que em qualquer outra sede do Mundial. Dinheiro, porém, passou longe de ser solução definitiva.

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Foto: AFP/Getty Images

Quando, em fevereiro passado, o prefeito Eduardo Paes fez um apelo aos cariocas para que evitassem ir de carro para o centro da cidade, não estava exagerando. Sede das Olimpíadas e da Copa, o Rio de Janeiro é hoje um grande canteiro de obras – e o trânsito, já há anos caótico, jamais esteve pior.

Hoje, os moradores do Rio passam em média mais de duas horas por dia no trânsito. São 2,7 milhões de carros nas ruas da cidade – cerca de um para cada três habitantes. Não à toa, segundo uma pesquisa de opinião recente, 58% dos cariocas dizem que mobilidade urbana é o que mais afeta negativamente sua qualidade de vida atualmente.

A Copa deu esperança de melhoras ao problema. Com quase 2 bilhões de reais de investimentos em mobilidade urbana – o maior valor entre as cidades-sede – o Rio viu, nos últimos anos, viadutos serem demolidos, estações de metrô começarem a serem abertas e corredores de ônibus serem instalados. Aparentemente uma grande mobilização, mas, segundo especialistas, ainda insuficiente.

"Nenhum dos projetos ligados à Copa soluciona os graves problemas de mobilidade urbana do Rio de Janeiro", diz a urbanista Fernanda Sánchez, da Universidade Federal Fluminense.

Transcarioca

Uma das obras de mobilidade urbana de maior importância para o Rio é a chamada Transcarioca – 39 quilômetros de corredores de ônibus expressos, com 45 estações, cortando a cidade da Zona Oeste à Norte e ligando, por exemplo, o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Barra da Tijuca.

Parte do projeto também dos Jogos Olímpicos, a obra tem data de entrega para maio, segundo o Portal da Transparência do governo federal, mas a poucos meses do Mundial, o cumprimento do prazo ainda é uma incógnita. O investimento na Transcarioca é de aproximadamente 1,5 bilhão, um erro estratégico segundo Sánchez:

Stadion Maracana in Rio de Janeiro
Maracanã: sede da final da CopaFoto: WM-OK Brasilien

"A malha ferroviária não foi considerada devidamente no projeto de mobilidade para os megaeventos. Ela poderia ter sido melhorada. Pois, nos trens circulam muitas pessoas que vêm da Baixada Fluminense, da zona oeste, do subúrbio carioca."

Com exceção da reforma do porto marítimo, nenhum projeto de infraestrutura previsto na Matriz de Responsabilidades de 2010 foi cancelado para a Copa. O Rio inclusive ganhou mais investimentos: um novo sistema de sinalização turística, um centro de segurança pública e a modernização do entorno do Maracanã.

Elitização

Políticos e funcionários da Fifa defendem a Copa como um grande catalisador econômico. A "Rio Negócios", agência de promoção de investimentos do Rio, quer aproveitar a situação: sob o lema "Momento Único" ela reúne os grandes eventos com audiência internacional entre 2010 e 2016, como a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo, e os Jogos Olímpicos, para vender a cidade no exterior.

De fato há uma grande quantidade de investimentos milionários fora da lista oficial de ações relativas à Copa do Mundo que vem sendo realizados no Rio. Entre eles o teleférico do Morro da Providência, os mais de 90 postos da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e o Porto Maravilha – uma obra de 7,7 bilhões de reais para revitalizar a zona portuária do Rio.

Mas muitos desses projetos não teriam saído do papel sem Copa e os Jogos Olímpicos, diz Einar Braathen, do Instituto Norueguês de Pesquisas Urbanas e Regionais. "Eles não fazem parte do plano diretor da cidade que foi elaborado de maneira democrática e participativa. Sem os megaeventos os políticos não teriam arriscado sua carreira por certos projetos", opina.

O ativista Orlando Júnior, membro do Comitê Popular da Copa no Rio, critica a política de mobilidade urbana da cidade. Professor de planejamento urbano da Universidade Federal do Rio (UFRJ), ele diz que os investimentos, em vez de integrar a cidade, estão promovendo a elitização do Rio.

"Praticamente todos os investimentos subsidiados acontecem em bairros de elite como a Barra da Tijuca, a Zona Sul e o Porto Maravilha, e o dinheiro público assegura que os investidores quase não correm nenhum risco", afirma.

Brasilien Polizeistation in der Favela Rio de Janeiro Schwebebahn
Para especialista, escolha dos locais da UPPs é reflexo de política elitistaFoto: DW/Jan D. Walter

Pacificação

Para o especialista, isso se aplica inclusive à pacificação das favelas: "É bom que o Estado tenha recuperado o poder, mas até hoje só foi pacificado um décimo das favelas do Rio, e todas elas ficam perto dessas zonas onde há interesses."

A pacificação começou no final de 2008, na favela Santa Marta, em Botafogo. Seguiram as comunidades Cidade de Deus e Batan, ambas próximas à Barra da Tijuca, e os morros da Babilônia, do Cantagalo e dos Cabritos, nas zonas turísticas de Copacabana.

Até hoje a maioria das UPP foram instaladas perto das zonas que fazem fronteira com bairros considerados de classe média e alta. Os preços de imóveis em muitas dessas zonas dobraram em dois anos depois da pacificação.

Fernanda Sánchez, da UFF, resume: "Avalio que todas essas iniciativas no entorno dos grandes eventos estão fundamentadas muito mais nos negócios urbanos – imobiliários, fundiários, turísticos – do que na melhoria do espaço público e a diversidade e pluralidade social."