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Israelenses se sentem esquecidos perto de Gaza

Dana Regev, de Sderot (mp)8 de julho de 2015

Um ano depois, guerra que matou mais de 2 mil pessoas praticamente desapareceu do debate público em Israel. Para moradores da região fronteiriça, a mais atingida pelo conflito, um motivo de preocupação e desesperança.

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Foto: Reuters

Num primeiro olhar, nada nas comunidades israelenses ao redor de Gaza indica que, há um ano, uma sangrenta guerra foi travada na região. Agricultores trabalham em campos verdes, tratores aram o solo fertilizado, e estudantes caminham em massa para a universidade nas cercanias da cidade de Sderot.

Mas moradores dizem que há algo na guerra de 2014 – chamada pelo governo israelense de Operação Margem Protetora – que de alguma forma mudou as coisas na região.

“A blindagem que eu mesmo construí simplesmente desmoronou. Pela primeira vez eu senti o que é o medo real”, revela Yam Braude-Amitai, de 29 anos, que vive no kibutz de Erez, perto da Passagem de Erez – uma das passagens fronteiriças entre Israel e a Faixa de Gaza. “Eu estava com medo de ficar sozinho, de ir ao banheiro, levar o lixo para fora, de fazer as coisas mais banais. Eu nem me atrevia a fazer mais meu jogging.”

Depois de anos viajando pela Europa e Austrália e vivendo em Nova York, Yam decidiu voltar para casa, onde ela e o marido criam agora um bebê de quatro meses. Mesmo após a casa de seus pais no kibutz de Kfar Aza ter sido atingida por um míssil durante a Operação Pilar de Defesa, em 2012, ela diz que foi a guerra do ano passado que mudou tudo.

“Quando eu me levanto à noite para amamentar meu bebê, ouço barulhos. Eu não sei se é a minha imaginação, mas se eu alguma vez ironizei a minha vó – que durante dez anos dizia que ouvia barulhos de baixo da terra – hoje eu não faço mais piadas sobre isso.”

Sensação de abandono

Nos 50 dias de guerra, 67 militares israelenses e cinco civis foram mortos, enquanto 1,6 mil soldados e 837 civis ficaram feridos. Para os palestinos, este foi o incidente que mais mortes gerou na Faixa de Gaza desde seu estabelecimento. Apesar dos números conflitantes, estima-se que mais de 2,1 mil pessoas foram mortas, muitas delas civis.

“A impressão era de que aquilo nunca terminaria. Com o tempo, nós aprendemos a nos concentrar na esperança que algo mudaria, mas, depois deste último conflito, é difícil ver como isso pode acontecer.”

Ein Jahr nach dem Gaza-Konflikt 2014 (Bildergalerie)
Yam Braude-Amitai resolveu voltar para a sua regiãoFoto: DW/D. Regev

Outro ponto de ruptura foi a eleição de março, na qual o primeiro-ministro conservador Benjamin Netanyahu foi reeleito. “Isso apenas aumenta a sensação de desespero”, diz Yam. “Tem uma maioria que acredita que [palestinos e judeus] podem viver lado a lado aqui. Mais do que isso, existem pessoas que vivenciaram isso e cresceram aqui quando a situação era assim. Precisamente estes que vivem aqui sabem que o uso da força não vai ajudar. Mas não parece que algum governo queira uma mudança.”

A menos de uma hora de carro de Tel Aviv, as comunidades vizinhas de Gaza são vistas por muitos como uma área deserta, a anos-luz do movimentado centro econômico israelense. Muitos também enxergam escolher viver perto de Gaza como uma irresponsabilidade.

“Não importa onde você vive”, diz Adi Batan-Meiri, de 28 anos, tentando dimensionar os riscos. Ela salienta que, há cinco anos, não se podia imaginar que um míssil cairia em Beer-Sheva, a 47 quilômetro da cidade de Gaza. “Agora é uma realidade, e mísseis caem ainda mais longe. O que hoje parece fantasioso pode se tornar real na próxima guerra”, explica a jovem natural de Sderot, que tem um filho de dois anos.

Adi diz que um acordo político é a única solução. "Não faz sentido fugir da linha de frente, porque a linha de frente vai perseguir você. A única forma de verdadeiramente escapar dos tiros é evitar que aconteçam, e isso significa um movimento político audacioso."

Ein Jahr nach dem Gaza-Konflikt 2014 (Bildergalerie)
Aran Goren apela por ações políticasFoto: DW/D. Regev

Durante a guerra, visões extremistas de ambos os lados do espectro político em Israel foram externadas, o que levou a uma onda de violência e racismo no país. Grupos no Facebook convocaram as pessoas a lutar contra os esquerdistas que floresciam, e manifestantes de esquerda e de direita foram às ruas mostrar seu descontentamento com o conflito – cada um defendendo o seu ponto de vista.

“A operação trouxe algumas reações mais extremas que antes”, diz Anna Roytman, uma ex-estudante da Universidade de Sapir que vive em Beer-Sheva. “Eu me vi deletando dezenas de amigos do Facebook porque eu não aguentava mais ouvir e ler suas declarações.”

“Não nos chame de idealistas”

As comunidades perto de Gaza são amplamente seculares. A maioria dos moradores é nativa ou se mudou para a área por motivos econômicos. Aran Goren, uma estudante de 25 anos, mudou-se com seus pais para o assentamento de Dugit, na Faixa de Gaza, quando tinha dois anos. Tempos depois, o assentamento foi desfeito como parte do plano de retirada unilateral do governo Ariel Sharon, em 2005. A família então se mudou para o kibbutz de Nahal Oz e, mais tarde, para Sderot.

“Nós ficamos na área devido ao trabalho da minha mãe. Nós frequentávamos a escola aqui e nossos amigos estavam aqui. Definitivamente não foi uma mudança de lugar por motivos ideológicos”, esclarece. “Durante períodos de calma, esse lugar é um paraíso. Em tempos de guerra, é um inferno vivo. Uma pessoa de fora não vai entender, mas os períodos são muito curtos quando estamos em uma crise de verdade.”

Ein Jahr nach dem Gaza-Konflikt 2014 (Bildergalerie)
Sderot fica apenas 55 minutos de Tel Aviv de carroFoto: DW/D. Regev

Enquanto 8% da população em Israel sofrem de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), em Sderot a taxa chega a 44%. Mesmo comparado a outras regiões atingidas pela guerra em Israel, como Haifa ou a fronteira norte com o Líbano, duas vezes mais crianças do Sul sofrem de TEPT. Os casos de agressão a crianças pequenas no Sul são estimados em 6% – três vezes mais do que na população em geral.

“Uma vez, durante uma prova, um míssil Qassam atingiu a nossa sala de aula. Por sorte nós sobrevivemos. Esta não foi uma experiência fácil, mas no final se tornou uma rotina. Até hoje eu acordo suando, com meu coração acelerado, sonhando com terroristas vindo me raptar e me levar para um túnel”, revela Aran.

Um estudo publicado em 2012 pelo Journal of Adolescent Health constatou que quase a metade da população jovem de Sderot sofre de TEPT. “Deve ser uma conclusão bem otimista, mas eu espero que, quando minha filha crescer, não seja mais assim”, diz a jovem Yam Braude-Amitai, com olhos marejados.

Aran Goren é menos positiva. “Eu não acho que nada vai mudar no futuro próximo. Não estou julgando ninguém, mas eu não consigo entender pessoas que escolhem criar seus filhos neste perigo. Minha mãe fez isso, eu cresci desse jeito, mas eu não quero que meus filhos tenham a mesma experiência. Eu estou ligado a esta área, mas eu não acho que vou ficar.”

A maioria das pessoas no Sul é pessimista quanto a chance de um acordo de paz. Mesmo um acordo político temporário parece um sonho distante. “Gotejamentos”, como os israelenses chamam o disparo contínuo de mísseis contra o país em pequenas quantidades, ocorrem frequentemente. Tão frequentemente que os moradores ficaram acostumados com a falta de notícias sobre isso, tanto na mídia israelense quanto na estrangeira.

“Eu não tenho mais esperança. Certamente isso não vai acabar no nosso atual governo. Nós estamos cansados de tentativas violentas de resolver isso. A violência não resolve nada. É preciso que sejam tomadas ações em nível político. Alguns podem dizer que ‘não existe parceiro', mas a conclusão é esta: nos últimos dez anos, nenhuma ação política foi adotada. Então vamos tentar. Nós temos que dar uma chance”, apela Anna.