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Itinerário pela mostra

Simone de Mello26 de agosto de 2007

A linha, unidade elementar da composição pictórica, é um dos fios condutores da mostra de Kassel, desde a tapeçaria oriental até instalações contemporâneas.

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Mira Schendel, 'Droguinha'Foto: Mira Schendel / Carlos Albuquerque

Um quadrado cinza com bordas brancas: esta é a primeira impressão de quem vê de longe a tela River (Rio, 1964), da artista canadense Agnes Martin. Mas ao se aproximar, nota-se que o que torna o quadrado interno cinza não é tinta sobre tela, mas sim uma malha de finos traços paralelos, visíveis só de bem perto.

Uma outra ilusão de ótica é dos desenhos da paquistanesa Nasreen Mohamedi, padrões geométricos de linhas paralelas e oblíquas que remetem à tecelagem. Neste caso, o observador se aproxima para conferir se não são mesmo amostras têxteis emolduradas, dado o efeito da ilusão.

Do novelo à paisagem

A linha como elemento básico da composição pictórica e como material têxtil e/ou textual é uma das constantes que evoca múltiplas associações ao visitante da documenta 12, em Kassel.

Partir da linha como padrão geométrico para criar ilusões de ótica, um procedimento radicalizado pelo minimalismo e pela op art, talvez seja a definição mais simples de qualquer criação pictórica. Pelo menos este é o pensamento que cruza a mente do observador ao apreciar as composições geométricas modernas ao lado de exemplares da tapeçaria oriental, na Neue Galerie de Kassel.

Uma tapeçaria iraniana do início do século 19 mostra motivos abstratos, até a indicação textual remeter o observador ao caráter figurativo da peça. O tapete representa um jardim da perspectiva aérea, com canais de água perpendiculares, entremeados por canteiros de flores. E quanto mais o observador se aproxima da tapeçaria, maior a tensão entre a percepção do material de fibras coloridas e dos detalhes da paisagem representada, como as copas das árvores, as ondulações nas águas, os peixes.

Um efeito semelhante tem a instalação Collateral (2007), da indiana Sheela Gowda, composta por superfícies de cinza de incenso queimado sobre placas de metal. As nuances de claro e escuro e as rachaduras na cinza remetem à vista aérea de um relevo geográfico. A artista remete a uma acepção do termo "colateral": "paralelo ou correlato em posição, tempo e espaço", associando conotações geométricas à idéia da devastação de paisagens naturais como "efeito colateral" da civilização.

A mulher que tece

documenta 12 - Sheela Gowda
Sheela Gowda, 'And...'Foto: picture-alliance/dpa

Numa outra instalação, intitulada And Tell Him oh My Pain (1998), Sheela Gowda dispõe cordas vermelhas do teto ao chão de uma ampla sala branca do Fridericianum. Na obra dessa artista indiana, a aparente abstração das peças é minada pelas sugestões metafóricas.

Além de remeter ao cordão umbilical, os fios vermelhos representam, segundo o curador Roger Buergel, "o destino das tecelãs indianas, ou seja, a colonização do subcontinente pela Companhia das Índias Orientais no século 18". A referência masculina no título evoca explicitamente uma diferença de gênero, levantando a questão da subversão através da expressão artística.

Usbekistan - Teppichherstellung in Buchara
Jovem tecelã no UsbequistãoFoto: picture-alliance/dpa

A associação da tecelagem, como tarefa tradicionalmente feminina, ao papel social da mulher é bastante recorrente na exposição – seja numa pintura indiana do início do século 19, com um estilo adaptado ao gosto dos colonizadores ocidentais, ou em um véu de casamento bordado do Tajiquistão, ou em uma tapeçaria que serve para dividir o espaço dos recém-casados na noite de núpcias.

Condutor mnemônico

A linha – como unidade formal elementar e como fibra de tecelagem – é um dos muitos fios condutores da exposição de Kassel. É um dos diversos motivos com função mnemônica dentro da exposição, perpassando diversos níveis de apreciação das obras: material, técnica, representação e significação.

A contigüidade de obras de diferentes épocas e lugares de proveniência torna ainda mais amplas as possibilidades de associação formal. A "migração da forma", um princípio central da curadoria da exposição, faz transparecer com nitidez, em alguns casos, as especificidades locais na apropriação de procedimentos recorrentes em inúmeras culturas.