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Jejum virtual

9 de setembro de 2010

Livro publicado na Alemanha descreve as vantagens de ficar totalmente desconectado e mostra que algumas pessoas apresentam sintomas de abstinência quando ficam sem internet e celular.

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Ficar 'desplugado' é cada vez mais comumFoto: Dirk Schneider

Sempre conectado, sempre acessível – isso já era! A tendência agora é outra: simplesmente ficar desconectado. Ao menos é o que cientistas americanos têm defendido nos últimos meses: uma espécie de jejum virtual voluntário, fenômeno que já pode ser observado em algumas comunidades tecnológicas.

De acordo com uma pesquisa publicada no final de agosto pelo The New York Times, cientistas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, constataram que quando ratos acabam de adquirir uma nova experiência – como explorar um labirinto, por exemplo – necessitam de algum tempo para se recuperar e poder assimilar o que aprenderam.

Da mesma forma, argumentaram os pesquisadores, pessoas virtualmente sobrecarregadas, que se ocupam constantemente com e-mails, jogos eletrônicos e contas no Twitter, podem não estar aprendendo o tanto que poderiam caso estivessem desconectadas.

A preocupação não é infundada: na Alemanha, por exemplo, estudos têm demonstrado que mais da metade da população verifica seus e-mails de trabalho durante as férias ou horários de descanso. E muitas pessoas conferem seus e-mails toda hora, até mesmo antes de ir dormir.

No Brasil, uma pesquisa realizada pela SaferNet (organização de defesa dos direitos humanos na internet) com 875 jovens de todo país mostrou que mais da metade deles acredita usar a rede em excesso, por tempo demais. O número de usuários habituados a se conectar por mais de quatro horas diárias chega a 47% e pouco mais de um quinto dos jovens declarou que se sentiria perdido caso fosse obrigado a viver sem a internet.

A tarefa de ficar offline, portanto, pode ser vista como um verdadeiro desafio para algumas pessoas e é capaz de causar até mesmo alguns sintomas físicos e psicológicos. Naa Alemanha, diversos livros têm sido publicados sobre a experiência de se manter desconectado por longos períodos de tempo.

O experimento

Christoph Koch Autor
Christoph Koch, autor do livro 'Ich bin dann mal offline'Foto: Urban Zintel

Um deles, lançado por um jornalista da GQ Magazine e do jornal berlinense Der Tagesspiegel, é chamado Ich bin dann mal offline ("Então vou me desconectar", em tradução livre). Na obra, o autor Christoph Koch descreve a sua experiência de permanecer um mês inteiro sem internet nem celular.

"Não sou um crítico ou um cético da internet", ressalva ele. "Já usei todo tipo de tecnologia de forma intensa. Tenho o meu próprio blog, estou no Twitter e no Facebook. E gosto de enviar e receber e-mails de outras pessoas", garante.

A preocupação com uma possível dependência do mundo virtual, todavia, teve início quando sua conexão com a internet deixou de funcionar e ele logo pôde observar sintomas de abstinência.

"Nos primeiros dois dias eu tive dores de cabeça e fiquei realmente nervoso", relembra o alemão de 36 anos. "Ao mesmo tempo, estava entediado. Uma grande parte do meu dia, que antes consistia em mandar emails, pesquisar no Google e manter-me online, simplesmente havia desaparecido."

Koch decidiu provar a si mesmo que podia ficar offline por várias horas ou mesmo dias – o que muitos terapeutas já veem como um claro sinal de vício.

Ao final de um mês, o jornalista encontrou paz interior e melhorou a sua concentração, além de encontrar tempo para a contemplação. "Foi um sentimento interessante, mais do que simplesmente estar sozinho, porque eu estava desligado das outras pessoas", conta.

"No princípio, foi um sentimento de solidão, mas depois isso mudou. Dependia de mim o que eu iria fazer com o meu tempo. Dependia de mim marcar encontros para ver pessoas em vez de ficar reclamando que ninguém me mandava e-mails ou mensagens."

Descoberta para vender livros

Stefan Mohr ist immer online
Stefan Mohr critica tendência e defende uso de novas mídiasFoto: Jung von Matt / Jeanette Corbeau

Mas nem todo mundo está convencido de que o jejum virtual seja uma verdadeira tendência na Alemanha ou no mundo. "Não acho que haja qualquer tendência desse tipo" afirma o publicitário Stefan Mohr, superintendente da Jung von Matt/next, uma agência de marketing digital de Hamburgo.

"Eu acredito que essa 'desaceleração' foi criada apenas para que livros pudessem ser escritos e vendidos", especula o publicitário de 39 anos.

Ele acrescenta ainda que computadores e telefones celulares não estão fazendo nada substancialmente diferente do que as televisões e aparelhos de som faziam para as famílias há décadas: eles fornecem distração.

Sábados offline

Agora que o período de jejum terminou, Koch ainda permanece completamente desconectado da internet e do celular todos os sábados. Por outro lado, passar um domingo inteiro longe da tecnologia é algo que nem mesmo passa pela sua cabeça. "Esse é um dia da semana tão entediante que aí, sim, eu gosto de me distrair com a internet", explica.

Após seu retorno ao universo online, o jornalista passou a refletir criticamente também quanto às mídias mais antigas e defende que a questão está na forma como as pessoas utilizam o seu tempo conectadas. Uma tarde gasta contribuindo com a Wikipédia, por exemplo, pode ser bem mais produtiva do que simplesmente assistir à televisão durante todo o fim de semana.

Já Mohr não vê nenhuma necessidade de se "desplugar". O publicitário está convencido de que a prática vai nos ensinar a utilizar as novas mídias de forma correta: "Acredito que uma espécie de evolução irá acontecer. Quanto mais nós lidarmos com as novas mídias, melhor iremos conhecê-las e saber o que é bom para nós", conclui.

Autor: Dirk Schneider (mdm)
Revisão: Alexandre Schossler