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Joguete na luta pelo poder

Gerd Höhler 27 de dezembro de 2002

Processadas na Turquia por espionagem e conspiração, as fundações ligadas aos partidos políticos alemães foram atingidas no fogo cruzado entre nacionalistas e reformistas pró União Européia.

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Foi adiado para fim de janeiro o processo de espionagem aberto na Turquia, na quinta-feira (26), contra funcionários das fundações ligadas aos partidos políticos alemães. Os 15 réus - entre eles oito alemães - são acusados de "conspiração contra a unidade e a ordem secular na Turquia". Caso sejam condenados, poderão pegar penas de até 15 anos de prisão. O Tribunal de Segurança Nacional, que julga o caso, indeferiu o pedido da defesa para que fosse suspenso o processo.

"Tribunal de Segurança Nacional": o nome não soa bem, não apenas para ouvidos europeus. A associação com regime ditatorial é imediata. Precisamente nas últimas semanas, os políticos da Turquia não se cansaram de repetir que seu país é democrático e que, portanto, deveria ser aceito na União Européia. O conselho de ministros, reunido em Copenhague em meados de dezembro, confirmou a perspectiva de negociações sobre o ingresso da Turquia. Nem bem 15 dias depois, os representantes das fundações políticas alemãs são levados ao banco dos réus, perante um Tribunal de Segurança Nacional.

Para o próprio vencedor das eleições parlamentares na Turquia, Recep Erdogan, o processo é extremamente desagradável. É preciso confiar na Justiça turca - aconselha ele. Contudo, tais palavras não soam muito convincentes, partindo da sua boca. O novo homem forte da Turquia se sente, ele próprio, perseguido pela Justiça em seu país. Atualmente corre um processo para proibir o seu Partido pela Justiça e Desenvolvimento (AKP), que obteve quase dois terços dos mandatos parlamentares nas eleições de novembro.

Apesar da vitória, Erdogan não pôde assumir a chefia de governo, por ter sido condenado por suposta agitação islâmica. E ainda há processos a serem abertos contra a sua pessoa. Ele sabe, portanto, que a Justiça turca não aceita ordens, pelo menos dele e de seus correligionários. E é bom que seja assim. Mas o processo contra as fundações alemãs irá mostrar se os juizes turcos realmente são independentes.

A acusação se baseia num livro de denúncias, escrito com muita fantasia. Nele, as fundações são descritas como meros instrumentos da política exterior da Alemanha, cujo objetivo seria desestabilizar a Turquia - uma dessas absurdas teorias de conspiração. Se tudo não passasse de maluquice ou excesso de zelo de um promotor, o processo poderia ser catalogado como uma farsa judicial. Mas há muito mais por trás disso. Há muito tempo que as fundações alemãs se engajaram em prol de reformas democráticas na Turquia, o que desagrada a uns e outros.

Acredita-se que a campanha contra as fundações seja movida pelas forças políticas que desejam torpedear a adesão da Turquia à União Européia. Seria o caso de buscar tais pessoas nos círculos militares, das chamadas forças de segurança e da Justiça. O que elas temem é perder poder, privilégios e mordomias à medida em que avance a democracia e tudo se torne mais transparente.

O que está sendo travado às custas das fundações políticas alemãs é a luta pelo poder entre a velha e a nova Turquia ou, em outras palavras, trata-se do jogo de força entre os nacionalistas antidemocráticos e eurocépticos, de um lado, e os adeptos de reformas e do ingresso na UE. Este conflito interno terá que ser resolvido antes que o governo de Ancara sequer pense em iniciar negociações sobre a admissão. Antes de mais nada, a Turquia tem que resolver isso. O fato de ter sido possível abrir um processo contra os representantes das fundações demonstra a longa distância que ainda há entre a Turquia e a Europa. (ns)