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Kito Lorenc e a margem da língua

Ricardo Domeneck18 de agosto de 2013

Escritor é o mais importante literato do sorábio, idioma falado por uma minoria de origem eslava que vive no centro da Alemanha, e uma valiosa ponte entre dois mundos.

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Foto: picture-alliance/dpa

É possível que mesmo um alemão hesite antes de compreender o assunto de uma conversa em sorbisch sorábio ou sórbio, em português. Os sorábios são um povo de origem eslava e vivem na região alemã da Lausácia, entre os estados de Brandemburgo e Saxônia. Estima-se que haja entre 30 mil e 60 mil falantes ativos do sorábio, que, assim como os falantes de outras línguas e dialetos na Alemanha, são majoritariamente bilíngues.

Escrevendo principalmente em sórbio e traduzindo o próprio trabalho para o alemão, o escritor Kito Lorenc é hoje o mais importante literato da língua, mantendo-a viva. Nascido às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em 4 de março de 1938, e batizado como Christoph Lorenz, o poeta cresceu num ambiente no qual a língua alemã era predominante.

Mas havia na família um histórico literário e de resistência política como minoria. O avô Jakub Lorenc-Zalěski (1874 – 1939) foi um dos mais importantes autores da língua sórbia no século 20, assim como famoso líder revolucionário e de resistência contra os fascistas. Sua obra Kupa zabytych (A ilha dos esquecidos) é considerada fundadora da modernidade literária sórbia.

Sob a sombra do avô, Christoph Lorenz frequentou um colégio interno sórbio em Cottbus e, mais tarde, estudou línguas eslavas em Leipzig. Foi nessa época que adotou a forma sórbia de seu nome: Kito Lorenc. Dominando a língua da família, passou a publicar suas coletâneas de poemas em sórbio a partir da década de 60.

A estreia de Lorenc veio em 1962, com o volume de poemas Nowe časy – nowe kwasy (Novos tempos – novos casamentos). Nessa época, começou também a exercer um importante papel como tradutor para o alemão da poesia sórbia, cujos primeiros esforços seriam reunidos na antologia Swětło, prawda, swobodnosć: Anthologie sorbischer Dichtung (Luz, justiça, liberdade: antologia de poesia sórbia), publicada na Alemanha Oriental em 1963.

Na década de 70, passou a trabalhar como dramaturgo e seguiu publicando e traduzindo do sórbio para o alemão, em volumes como Wobrazy našeje krajiny (Imagens de uma paisagem, 1967), com poemas próprios; ou Serbska čitanka (Manual de leitura sórbio, 1981).

A editora Suhrkamp lançou há pouco uma antologia poética de Kito Lorenc, com seleção e introdução do cultuado autor austríaco Peter Handke. No prefácio, Handke discute justamente a importância do trabalho de Lorenc como ponte entre as línguas sórbia e alemã.

Após aproximá-lo e distanciá-lo tanto do trabalho épico de seu avô, Jakub Lorenc-Zalěski, como da poesia do cotidiano de seu contemporâneo tcheco Jan Skácel, Handke destaca o papel da natureza e da memória na obra de Lorenc. Mas trata-se de uma memória repleta de premonições do futuro, em que tudo se mostra como temporário, fugaz.

Em um poema de 1988, Lorenc escreve:

Se fosse para casa
a casa ainda estaria lá
se entrasse na casa
estariam lá dentro meus pais
falasse eu com meus pais
seria uma criança
e o pai teria que ir à guerra
então teria a mãe só para mim
poderia mostrar a ela as lições da escola
as primeiras letras
as sombras de temporal das árvores
as serpentes de neve sobre os galhos

Sobre os campos de dente-de-leão em maio
sob as floradas da tramazeira no outono
eu viria, dos morangos
ou dos nabos
A mãe ergue a orla do avental
e seca as mãos
ela sorri
mais bela que o sol
e diz algo
só para mim

O trabalho literário e de tradução de Lorenc é frequentemente reconhecido. Membro da Academia de Artes da Saxônia e do PEN Clube da Alemanha, o autor recebeu o Prêmio Heinrich Heine, concedido pelo Ministério da Cultura da antiga Alemanha Oriental, em 1974. A seguir, vieram o Prêmio Ćišinski de cultura sórbia, em homenagem ao poeta sórbio Jakub Bart-Ćišinski (1856 – 1909); o Prêmio Lessing, em 2009; e, mais recentemente, o prestigioso Prêmio Petrarca, em 2012.

Lorenc vive na pequena cidade de Wuischke, considerada um dos centros do povo sórbio na Alemanha.