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Laurentino Gomes: "O biografado não é dono da sua própria biografia"

Luisa Frey12 de outubro de 2013

Após discutir o tema biografias históricas na Feira de Frankfurt, o autor de "1808" e um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro falou à DW Brasil sobre as peculiaridades e o sucesso de seus livros.

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Foto: Alexandre Battibugli

Os dois primeiros livros de Laurentino Gomes – 1808, sobre a fuga da corte portuguesa de dom João 6º para o Rio de Janeiro, e 1822, sobre a Independência do Brasil – venderam juntos 1,5 milhão de exemplares. O terceiro livro da trilogia histórica, 1889, sobre a Proclamação da República, foi lançado em agosto e já vendeu outras centenas de milhares de cópias.

O jornalista paranaense de 57 anos conquistou o público com uma linguagem simples e direta e anedotas envolvendo personagens como "uma rainha louca", "um príncipe medroso" e "um marechal vaidoso". Recebeu quatro Prêmios Jabuti e o prêmio de Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras.

Na Feira de Frankfurt, Gomes integrou a comitiva de autores brasileiros e participou de uma discussão acalorada sobre biografias. Em conversa com a DW, o autor falou sobre seus livros e sobre seu trabalho, que ele salienta ser de jornalista e não de historiador.

DW Brasil: A que fatores você atribui a boa recepção de seus livros?

Laurentino Gomes: Um dos fatores é a linguagem. Sou jornalista, com mais de 30 anos de experiência, e o jornalista tem a missão de atingir um público muitas vezes leigo no assunto abordado. É o que faço com a História do Brasil.

Por isso uso títulos provocativos: "Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil". A linguagem também é acessível, misturando elementos pitorescos, curiosos e bem-humorados.

O segundo fator é o fato de o Brasil ser uma democracia há mais de 30 anos, sem ruptura. Os brasileiros estão olhando para o passado em busca de explicações para o presente. A melhor coisa que se pode fazer num ambiente democrático, em que se tem o objetivo de construir o futuro, é estudar história. Tudo isso somado resulta num fenômeno editorial, que confesso também ter me surpreendido.

Laurentino Gomes lê um trecho de "1889"

Como surgiu a ideia de escrever sobre o Brasil do século 19?

Surgiu por acaso. Eu era editor da revista Veja e lá havia um projeto de fazer uma série de especiais sobre a História do Brasil. Um deles era sobre a ida da corte de dom João para o Rio de Janeiro, em 1808. Mas aí a série foi cancelada. Decidi transformá-la num projeto pessoal e fazer um livro-reportagem.

Eu já tinha começado a pesquisar sobre o assunto e estava fascinado com os personagens, como dom João, o rei que não tomava banho e comia quantidades monumentais de franguinho. Depois do sucesso do 1808, vieram o segundo e o terceiro livro. Virei refém da minha obra e deixei minha atividade nas redações.

Para o primeiro livro, 1808, foram necessários dez anos de pesquisa. Quais foram as principais fontes de informação usadas neste e nos outros livros da trilogia?

Faço uma consolidação da bibliografia já construída por historiadores. Não sou um historiador acadêmico que mergulha em arquivos em busca de fontes primárias. Para o 1808, li cerca de cem livros. Para o 1822, também. E para o último, 1889, foram 150 livros.

Você foi influenciado por algum autor? Conhece algum trabalho semelhante ao seu?

Sim. Leio muitos autores americanos, como Joseph Ellis. São historiadores que escrevem como bons jornalistas ou bons jornalistas que escrevem como bons historiadores. O mercado editorial francês e inglês é muito próspero nesse tipo de obra de divulgação científica, não só na área de história, mas também biologia, psicologia, economia.

Também há autores brasileiros, como Fernando Morais, Ruy Castro e Elio Gaspari, que são jornalistas convertidos em historiadores e escrevem numa linguagem muito fácil de entender.

Você se considera um jornalista convertido em historiador?

Não, sou um jornalista que circunstancialmente está escrevendo sobre História do Brasil.

Nos seus livros, você escreve uma espécie de biografia de personagens da história que já morreram. Recentemente, algumas personalidades brasileiras, ainda vivas, protestaram contra biografias escritas sobre elas. Você acredita que, se dom João, Carlota Joaquina ou o marechal Deodoro estivessem vivos, eles não iram gostar do que você escreve?

Certamente [risos]. Acho que se uma biografia, se for jornalística e equilibrada – ou seja, não for chapa-branca – sempre vai incomodar o biografado. Se alguém fizesse uma biografia minha, dificilmente eu não encontraria coisas que eu quisesse esconder ou mudar. Mas o biógrafo deve ter liberdade para interpretar os acontecimentos. O biografado não é dono da sua própria biografia.

Laurentino Gomes: "sou um jornalista que está escrevendo sobre história do Brasil"
Laurentino Gomes: "sou um jornalista que está escrevendo sobre história do Brasil"Foto: DW/L. Frey

No novo livro, 1889, sobre a Proclamação da República, quais são os personagens da vez?

Jogo foco no imperador Pedro 2º, que governou o Brasil por quase meio século. Era um amante das ciências e dos livros e governava um país dominado pelo analfabetismo, pela escravidão, pela pobreza, pelo latifúndio.

Há também personagens como o marechal Deodoro da Fonseca, que era monarquista e se tornou o líder do golpe republicano por força das circunstâncias. Tem ainda o Benjamin Constant, a princesa Isabel, o marechal Floriano Peixoto.

Esses personagens formam um painel do que foi a Proclamação da República no Brasil, um evento que ainda é muito controverso. Acho que é um assunto mais quente do que o dos meus dois livros anteriores.

Além da trilogia e de uma versão infanto-juvenil do seu primeiro livro, você acaba de publicar o 1808 nos EUA. Quais as expectativas para o livro em inglês? Acredita que haja interesse pela história brasileira fora do país?

Hoje existe um grande interesse pelo Brasil mundo afora. O Brasil é um país emergente, se candidatou a ter um novo papel na comunidade internacional e é relativamente desconhecido pelos estrangeiros. Existe muita curiosidade para entender que país é esse. Como meus livros narram a História do Brasil numa linguagem fácil de entender, acho que podem atrair essas pessoas.

E no Brasil? Quando você escreveu os livros, quem era seu público-alvo e quem eles realmente atingiram depois de publicados?

No começo, achei que seria um público parecido com o da Veja, na qual eu trabalhava, ou seja, de classe média, formador de opinião. Mas fui surpreendido. O público dos meus livros inclui gente de todas as faixas de renda e etárias.

Em sessões de autógrafo, encontro pessoas muito simples, que provavelmente não teriam dinheiro para comprar um livro, mas dizem: "estou comprando o seu livro porque meu filho precisa estudar a História do Brasil". Isso me deixa envaidecido, mas me dá também uma sensação de responsabilidade, de papel social.