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Lei de cotas para concurso público já nasce polêmica

Ericka de Sá, de Brasília 22 de maio de 2014

Concursos para a administração federal deverão reservar 20% das vagas para negros ou pardos. Nova lei cria debate entre especialistas e nas redes sociais.

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Foto: Fotolia/michaeljung

Apesar de ter sido aprovada em votação simbólica no Senado, nesta semana, a lei que determina cotas para negros e pardos em concursos públicos federais está longe de ser unanimidade. A proposta, lançada no ano passado pelo Executivo, exige que 20% das vagas dos concursos públicos para órgãos federais, lançados após a aprovação da lei, sejam reservadas para candidatos que se declararem negros ou pardos. Para entrar em vigor, a lei só precisa ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff.

"Todas as pessoas farão o processo seletivo e, apenas na hora de preencher as vagas, é que será observada a cota de 20%", detalhou a senadora Ana Rita (PT-ES), relatora da proposta, após a votação no Senado. Assim como aconteceu durante os debates sobre cotas universitárias, a nova lei suscitou opiniões divergentes, tanto entre especialistas quanto nas redes sociais.

Para o pesquisador Dagoberto José Fonseca, do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a lei permite que o "Estado brasileiro atualize sua conduta e suas prerrogativas", atendendo à Constituição Federal, mas poderia ser mais ampla. "[A lei] é tímida, pois abrange apenas o Executivo federal. Precisaríamos que abrangesse também os municípios e os estados."

Já na visão da antropóloga Yvonne Maggie, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a lei reforça o racismo. Para ela, "fariam melhor se fizessem cotas para pessoas pobres ou para egressos de escolas públicas, sem mencionar a raça".

Nas redes sociais, comentários classificam a medida como uma saída para "diminuir o abismo secular entre as classes", outros afirmam que o problema é histórico e se reflete até hoje na sociedade. Há também quem diga que "é mais fácil criar cotas porque todo branco nasce rico", uma crítica irônica à proposta de cotas baseadas em critérios socioeconômicos, consideradas por muitos mais justas.

Definição de raça

A lei aprovada pelo Senado determina que o candidato se identifique como negro ou pardo pela autodeclaração – sem que necessariamente tenha que passar pela avaliação de outra pessoa –, o que é visto com ressalva pelos especialistas.

"Ela abre muitos espaços para que haja burla. Poderíamos constituir um processo similar ao que já existe no Paraná, de cotas na universidade e no serviço público estadual, que seria uma comissão mista, composta por servidores e sociedade civil, para estabelecer se a pessoa é ou não preta ou parda", opina Fonseca.

Para ele, é preciso deixar claro que a autodeclaração não pode ser aplicável àqueles que têm ascendentes negros, mas não trazem a característica na pele. "A nossa discriminação é de marca, não de origem. Não é possível passarmos por um processo de autodeclaração quando alguém não tem de fato a cor preta ou parda."

Apesar de contrária à autodeclaração, a antropóloga Maggie avalia que esta seria a única opção, uma vez que outra pessoa determinar a raça de alguém geraria "mais racismo e mais violência".

Para o Movimento Nação Mestiça, políticas desse tipo promovem a "eliminação da identidade mestiça do povo". O secretário-geral da instituição, Leão Alves, argumenta que a lei não propõe, de fato, um mecanismo de autodeclaração, pois prevê punição para aqueles que se declararem negros, mas estiverem em desacordo com os parâmetros adotados pelo IBGE. "As pessoas que se classificam como pardos ficam expostas a um processo de punição caso outros resolvam rever [a declaração de raça feita pelo candidato]", alerta.

Prazo para avaliação

Assim como outras políticas afirmativas – como as de acesso às universidades –, o mecanismo de cotas nos concursos deverá manter a taxa de 20% por dez anos. Depois desse período, podem ser adotadas cotas regressivas.

Fonseca argumenta que, em geral, o tempo de duração de ações como essa deve seguir o tempo de uma geração – cerca de 50 anos – para que seja possível "constituir um novo quadro social".

Dados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) mostram que 30% dos servidores do poder Executivo federal são negros. Em outros setores da administração federal (como nas carreiras jurídicas), os percentuais vão de 5,9% a 16,6%, segundo dados compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e usados na fundamentação da reserva de vagas.

A lei viria, portanto, para elevar esses percentuais a números mais próximos aos do censo de 2010, que registrou 7,6% de negros e 43,1% de pardos autodeclarados na população brasileira.

Na visão de Maggie, entretanto, "as vantagens dessa lei não são tão claras assim". Para a antropóloga, seria mais eficiente pensar em investimentos na educação e em critérios socioeconômicos.