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Controvérsia sobre champanhe centenário

3 de setembro de 2012

No arquipélago de Åland, Finlândia, foi encontrado o mais antigo champanhe do mundo, que vem sendo vendido por somas recorde. Mas segundo a Convenção da Unesco, o patrimônio submarino não poderia ter sido comercializado.

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Tesouro arqueológico: garrafas de champanhe no fundo do mar
Foto: Alex Dawson/Visit Aland

Os diretores da sofisticada fabricante de espumantes Veuve Clicquot acharam que Christian Ekström fosse um louco, ao receber um telefonema dele em 2010. O mergulhador profissional e dono de uma cervejaria havia encontrado dúzias de garrafas do nobre champanhe da companhia no fundo do Mar Báltico. Todas numa escuna, provavelmente afundada por volta de 1840 na costa das Ilhas Åland. Oito garrafas da antiga carga acabam de ser leiloadas em Mariehamn, capital do arquipélago.

Espumante e marketing

Esta foi a segunda tentativa do governo de Åland de vender parte das 164 garrafas encontradas. "Queremos fazer com que os olhos do mundo se voltem para essas ilhas", explica Johan Ehn, secretário da Cultura e Educação do arquipélago, que é uma região autônoma da Finlândia. Um golpe de mídia para o pequeno reino insular: "Usamos o champanhe como um instrumento de marketing", completa Ehn.

Leilão da bebida centenária
Leilão da bebida centenáriaFoto: DW

Fabienne Moreau, historiadora-chefe da Veuve Clicquot, e Richard Juhlin, principal especialista sueco em champanhe, confirmaram a autenticidade das rolhas e a classe da própria bebida. O armazenamento das garrafas a uma pressão atmosférica de cinco bar e o resfriamento a 5ºC, a 45 metros de profundidade no mar, foram ideais para conservar o espumante.

Além das Veuve Clicquot, foram encontradas no navio afundado diversas garrafas de champanhe da marca Heidsieck e dúzias do fabricante Juglar: trata-se de uma coleção única de raridades e ao mesmo tempo do mais antigo champanhe do mundo já encontrado. Um leilão em caráter de teste de apenas duas garrafas registrou um novo recorde mundial: um colecionador de Cingapura pagou 54 mil euros pelas duas garrafas de vidro escuro.

Violação da convenção da Unesco?

No entanto, depois as coisas mudaram de rumo. Oito das raridades só puderam ser vendidas sob o preço estimado de 10 a 15 mil euros. E três garrafas acabaram sendo recolhidas pelo governo das Ilhas Åland, porque as ofertas para a compra estavam mais baixas ainda. As garrafas restantes e ainda não leiloadas encontram-se no momento em um lugar secreto de Åland, um abrigo subterrâneo equipado com alarmes de segurança e atrás de uma pesadíssima porta de aço. Num refrigerador especialmente construído, a bebida fica protegida das oscilações climáticas, ataques a bomba e emissões radioativas, armazenada com segurança para próximos leilões.

Garrafas restantes do precioso achado são guardadas com segurança militar
Garrafas restantes do precioso achado são guardadas com segurança militarFoto: DW

O leilão chamou, contudo, menos atenção do que uma controvérsia em torno da nobre bebida: a legitimidade do leilão das garrafas. Elas não seriam artefatos históricos, como a carcaça do navio e os o pratos, jarros e instrumentos náuticos lá encontrados? "É claro que sim! Neste sentido não há do que duvidar", diz Kerstin Odendahl, professora de Direito Internacional da Universidade de Kiel e especialista em questões ligadas ao patrimônio cultural da humanidade.

"Trata-se, evidentemente, das mais antigas garrafas de champanhe do mundo encontradas em estado de ainda poderem ser bebidas. Um valor histórico inestimável. Elas permaneceram mais de 100 anos submersas, ou seja, constituem patrimônio cultural submarino, segundo a Convenção da Unesco de 2001".

Assim, o leilão do precioso líquido não poderia ter sequer acontecido, defende a arqueóloga Jenny Lucenius, do Museu de Åland: "Do ponto de vista arqueológico, todos os objetos encontrados no navio afundado são, sem dúvida alguma, artefatos". Porém os políticos tinham outras intenções, e classificaram o champanhe simplesmente como mercadoria e "gênero alimentício bebível".

Comercialização de bens culturais

Johan Ehn, ministro da Cultura das Ilhas Åland, discorda: "Para nós, o champanhe não é um bem cultural, mas uma mercadoria, como maçãs ou pimenta. E vai chegar uma hora em que ele vai evaporar, pense só no gás carbônico". No entanto, a comercialização da centenária bebida está sendo também criticada e questionada pela sede da Unesco em Paris.

Mais do que isso: de acordo com a Convenção da Unesco, a conduta do governo das Ilhas Åland pode ser categorizada até mesmo como saque de sítio arqueológico, diz Odendahl. "A Convenção é inequívoca: 'A exploração comercial de patrimônio cultural submarino para fins comerciais ou de especulação vai de encontro à proteção do patrimônio submarino'."

Bobagem, diz o ministro Ehn, as Ilhas Åland não desrespeitaram nenhuma legislação internacional. Mas, ao que tudo em dica, seu governo não está totalmente à vontade com a decisão de leiloar, e assim as quantias arrecadadas reverterão para uma fundação de apoio a projetos arqueológicos.

Sorte para o mergulhador Christian Ekström
Sorte para o mergulhador Christian EkströmFoto: DW

Se, do ponto de vista jurídico, não há como penalizar o governo das Ilhas Åland, é porque até hoje a Finlândia não assinou a convenção da Unesco de proteção do patrimônio submarino. Para a jurista Odendahl, essa recusa deva ser vista "pelo menos como uma infração moral".

Mas ao menos uma pessoa saiu ganhando com o epsódio: Christian Ekström, o mergulhador que encontrou o espumante no fundo do mar. Ele não foi apenas o primeiro a tomar uma das garrafas junto com os amigos – ainda a bordo de seu barco e sem ter a menor ideia do valor inestimável do achado. Durante o último leilão, ele também aproveitou a boa ocasião, comprando uma das garrafas para sua cervejaria, ao preço mínimo de 10 mil euros.

Autores: Michael Marek / Sven Weniger (sv)
Revisão: Augusto Valente