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Lenine em Berlim

2 de abril de 2009

O cantor, compositor, arranjador e produtor pernambucano fez um único show na Alemanha, como parte de sua turnê pela Europa. Rigor camerístico, público entusiástico e a força dos primeiros sucessos.

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O cantor em turnê pela EuropaFoto: f-cat.de

Quer na Europa, quer no Brasil, um show de Lenine tem algo de recital: a luz da sala escurece, os músicos entram e a música começa. Nada de suspense artificial ou grande antecipações cênicas: as canções se alternam sem comentários, apenas uma mínima pausa para aplauso e troca de guitarras. Precisão devida, em grande parte, ao trabalho incessante dos roadies, transportando os instrumentos, afinando-os durante os números, sérios, eficientes e concentrados.

Austero também o ambiente da Kesselhaus, um dos espaços da Kulturbrauerei de Berlim. Galpão alto, nem cadeiras nem arquibancadas, paredes escurecidas, com o reboco à vista, algumas faixas de parceiros comerciais, uma pichação ou outra. Na frente, o palco amplo, um biombo e o segurança protegendo a entrada do camarim; do lado oposto, o bar, ao fundo a improvisada cabine de som e luz. Puro charme pós-industrial teutônico a serviço da música.

Quase um recital, se não fosse o público: quer agitado, quer ligeiramente blasé, mas sempre atento, muitas vezes entusiástico; 85% brasileiros, claro (quem duvidasse, só precisava conferir o volume dos protestos de "Por que parou, parou por quê?", antes dos números de bis).

De orquídeas e MPB

Certo, não é como estar no Circo Voador do Rio de Janeiro – êxtase de tietes dançantes, bradando fervorosamente o repertório inteiro do show a plenos pulmões, do início ao fim. Mas Lenine tem, sem dúvida, seus seguidores fiéis onde quer que se apresente.

Cover der CD Labiata von Lenine
Capa do CD 'Labiata'Foto: Universal Music

E eles ocupam seu lugar na linha de frente, colados no palco, os braços erguidos, sabendo a maioria as letras de cor, respondendo obedientes aos esparsos apelos interativos do cantor, tudo o que seu mestre mandar. "Ele é tudo, ele é do bem, não só como músico, é lindo!", comenta uma fã confessa, antes mesmo do primeiro acorde.

O show apresentado nesta terça-feira (31/03) faz parte da turnê Labiata, título do álbum lançado em 2008. Como o próprio cantor, compositor, instrumentista, arranjador e produtor explica, um nome escolhido "mais pela sonoridade". Nele estariam contidos tanto "lábia" e "labuta" como seu amor pelas orquídeas – labiata designa várias espécies da flor: belas, diversificadas e resistentes como a música popular brasileira, diz.

Até o berro

Após atravessar meio Brasil, Lenine e banda se lançaram em "turnê Europa" em março deste ano, partindo da França para Portugal, Espanha, Suíça e Itália. Em seguida a Berlim, única escala na Alemanha, seguem para a Suécia, retornando à terra natal após uma esticada pelo Kriol Jazz Festival de Cabo Verde.

E é desfiando o repertório do mais recente CD que o espetáculo começa: Martelo bigorna, É o que me interessa (consagrada na novela das nove), Samba e leveza, Mancha (descrição bastante direta de uma catástrofe ambiental), e assim por diante. O público ainda está esquentando. Até a iluminação se mantém sóbria: nos primeiros 10-15 minutos, os moving heads ficam quase só na luz branca.

"Do boi tudo se aproveita, até o berro." Esse provérbio definiria bem a estética – a ética de trabalho? – leniniana. Pois é quase inacreditável a exuberância sonora obtida com apenas três músicos (além da guitarra do titular, claro): guitarrista Júnior Tolstoi, Guila no baixo e Pantico Rocha, bateria e percussão.

Profissionalismo e perfeição técnica são mandamentos absolutos para todos: rigor camerístico com volume de grande banda. Miraculosa é, sobretudo, a tranquilidade com que Tolstoi (até o nome serve à causa!) se desdobra entre solos de guitarra, programação e samples. Dedicação até o berro, já que cada músico é também um vocalista.

Lenine Brasilanischer Sänger
Lenine, show-man de poucas palavrasFoto: Nana Moraes

Poucas palavras

Minimalista transcorre a comunicação verbal de Lenine com a plateia: durante a hora e meia do show ouve-se não mais do que um "Obrigado" e um "It's a pleasure". Quem esperasse uma celebração das circunstâncias geográficas específicas, mensagem filosófica, ou comunicado emocionado aos compatriotas na diáspora, ficou frustrado.

Para anunciar a "canja" do parceiro Ivan Santos, apenas: "I want to introduce a friend...". Perto do fim, uma proposta de interação com o público em Lavadeira do rio, alternando os versos em responsório. Por último, a breve dedicatória, para alguns amigos presentes, do primeiro bis: Alzira e a torre. O final "oficial" do show fora uma despojada porém enfática versão de Continuação, do novo CD.

Poucas palavras, mas, ao que tudo indica, o suficiente para já justificar o preço da entrada. O resto é música.

A força dos clássicos

Agora, Labiata esquenta mesmo quando a banda ataca os já clássicos Jack sou brasileiro, Hoje eu quero sair só, Na pressão, Atirador (segundo e último bis) e outros. Nessas horas, rompe-se até a hierarquia da proximidade do palco – na frente, dança, canto em coro, celulares em riste (e mesmo um tímido isqueiro); mais para trás, interesse cortês – e a sala toda se move no ritmo das canções.

Será que as músicas "antigas" eram mais fortes, ou ainda falta se familiarizar com o novo repertório?

Esta pergunta se coloca também o professor secundário Stefan. Cabeleira francamente leniniana, 40 e poucos anos, sua dança extrovertida chama a atenção nas últimas – mais "civilizadas" – fileiras. Nem brasileiro nem agregado, ele tomou contato com a música do multitalento através de um de seus alunos.

Mesmo não entendendo quase nada das letras, o beat e a melodia dos primeiros sucessos de Lenine o convencem mais. Ainda assim, gostou de ver ao vivo o ídolo musical, e já é um multiplicador: Hardy e Christina, seus acompanhantes da noite, são apenas dois dos outros alemães que Stefan contagiou com seu entusiasmo pelo pernambucano.

Música do mundo na casa das caldeiras

A Kesselhaus (literalmente: Casa das Caldeiras) é uma das várias dependências da antiga fábrica de cerveja do bairro de Prenzlauer Berg, transformada em espaço cultural. O ponto forte de sua programação é música do mundo, com os brasileiros ocupando um lugar longe de modesto. Para julho, por exemplo, os organizadores da sala multifuncional prometem o show da mato-grossense Vanessa da Mata.

Autor: Augusto Valente
Revisão: Rodrigo Rimon Abdelmalack