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Levante dos relevantes e outras prosas

Simone de Mello31 de julho de 2005

A literatura contemporânea alemã é constantemente acusada de não ter alcance internacional e de não produzir mais clássicos. Talvez a época dos grandes nomes realmente tenha passado...

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'Livros têm senso de dignidade: quando emprestados, não voltam nunca mais' (Theodor Fontane)Foto: dpa

Talvez seja apenas a costumeira falta de assunto de verão. Talvez tudo se deva à conjuntura da palavra "crise" em épocas em que faltam idéias. Mas quem sabe também haja um fundo de verdade. Fato é que a mídia alemã não pára de publicar manifestos, críticas, polêmicas que alardeiam a decadência da literatura alemã contemporânea.

Apenas falta de assunto?

Os argumentos são diversos. Não é de hoje que os críticos reclamam da pobreza de estilo dos textos narrativos, da falta de assunto (ou "experiência de vida") dos autores jovens, do tédio das eternas expedições individuais em busca de identidade, da aridez das representações superficiais do mundo. Mas como as coisas parecem não querer mudar, as reclamações continuam em surtos esporádicos.

Martin Walser (Bildergalerie Buchpreis-Kandidaten 2008)
Martin Walser

O que se nota, por parte dos escritores, em geral alheios às críticas coletivas, é uma tentativa de defender seus nichos. Escritores veteranos, como Günter Grass e Martin Walser, defendem seu direito de continuar em atividade, apesar de sua época já ter passado. A geração de autores inaugurados na euforia pop da década de 90, em parte ainda teenagers, defende seu direito de continuar escrevendo, mesmo sem ter muitos anos de aventuras a narrar.

Realismo, ainda relevante?

E para assegurar a existência de uma geração intermediária de escritores, um grupo de romancistas lançou um manifesto no jornal Die Zeit há algumas semanas, proclamando o movimento do Realismo Relevante. Martin R. Dean (1955), Thomas Hettche (1964), Matthias Politycki (1955) e Michael Schindhelm (1960) enterram, por um lado, "os velhos desbocados, as últimas instâncias da interpretação, com e sem cachimbo" (uma referência a Günter Grass) e envenenam, por outro lado, "os servidores da literatura popular e os técnicos de uma inesgotável estética do esgotamento", destacando uma geração intermediária, "adulta", ou seja, eles mesmos.

O romancista está morto?

"Qual é a do romance?", intitulam os quatro escritores seu manifesto. E, após atirar para todos os lados, respondem de forma nada precisa: "O romance tem que resgatar como assunto próprio as questões contemporâneas que foram esquecidas ou transformadas em tabu, tem que apresentar a problemática atual de forma compromissada, seja em contexto local ou global". Além de tocar a antiga tecla da função social da literatura, este manifesto diz realmente muito pouco.

Juli Zeh
Juli ZehFoto: dpa

Provavelmente prevendo que a polêmica não fosse ter um impacto muito grande, o próprio jornal Die Zeit convidou quatro escritores a se pronunciar sobre o manifesto. Juli Zeh (1974) interpretou o manifesto como uma retomada do "estilo americano" na narrativa, reavivado de quando em quando na Alemanha. Andreas Maier (1967) se recusou terminantemente a servir às altas e sagradas esferas da sociedade e até mesmo à própria sociedade. Uwe Tellkamp (1968) conclamou os caros colegas do Realismo Relevante a escrever bons livros e evitar os ruins, lembrando que o resto é irrelevante. Hans-Ulrich Treichel (1952) comentou que "o romancista é aquele que sempre olha para trás e recorda. Não importa para onde se dirija. À sua maneira, o romancista já está morto".

Saiba o porquê da crise da literatura alemã>>>

O que mais, além do papa e de Harry Potter?

Uma olhada rápida nesta breve polêmica, marcada por absoluta falta de comunicação e finalizada sem maiores discussões, revela o quanto os autores contemporâneos se distanciam de um movimento coletivo. Uma boa literatura, de fato, não se garante em debates públicos. Mas parece que o tema também está até mesmo esgotando a paciência da mídia, geradora de "crises" e outros alarmismos.

O que com certeza pode tornar interessante a discussão sobre a ausência de uma lista significativa de (jovens) escritores contemporâneos com uma obra consistente é a situação do mercado editorial, que cada vez mais vive do sucesso estrondoso de pouquíssimos títulos. O papa e Harry Potter vão render ao mercado livreiro alemão um faturamento imenso neste ano. No entanto, o abismo entre a lista de best-sellers e a grande maioria dos títulos publicados é vertiginoso.

Harry Potter Lesung in Deutschland
Leitura do Harry Potter na AlemanhaFoto: DW

Massificação e falta de diversidade

A situação da literatura narrativa é grave. Escritores que nunca deixaram de esgotar tiragens de três a oito mil exemplares passaram a vender apenas a metade. Isso tudo está sendo discutido como a "problemática da midlist", a lista de títulos com tiragem média no programa das editoras. O que contribui imensamente para isso é a extrema padronização dos livros veiculados pelas livrarias, em sua grande maioria interessadas em vender o máximo possível de poucos títulos.

Esta situação torna ainda mais drástica a orientação comercial das editoras alemãs, que dirigem cada vez mais sua atenção para títulos ou autores com maior probabilidade de se transformar na "sorte grande" do programa. Além disso, os programas editoriais se diferenciam cada vez menos, levando a uma certa massificação na paisagem editorial. Diversidade é uma reivindicação que deveria chegar ao mercado livreiro. Os últimos moicanos são os editores pequenos, ameaçados de extinção.

Leia a seguir a resenha do livro Schwarz auf Weiss: Warum die deutschsprachige Literatur besser ist als ihr Ruf. Eine Werbeschrift (Preto no branco: Por que a literatura de língua alemã é melhor que seu renome. Um reclame), de Thomas Kraft. Idstein: Kookbooks, 2005.

Schwarz auf Weiss: Warum die deutschsprachige Literatur besser ist als ihr Ruf. Eine Werbeschrift (Preto no branco: Por que a literatura de língua alemã é melhor que seu renome. Um reclame), de Thomas Kraft. Idstein: Kookbooks, 2005.

Em seu "escrito propagandístico" em defesa da literatura contemporânea (de língua) alemã, o crítico literário e curador Thomas Kraft (1959) não nega que há muito poucos escritores que "mantêm um alto nível" ao longo de toda sua trajetória literária. O que ele defende em seu escrito não é a consistência da literatura alemã como sistema, mas sim a excelência de inúmeros livros esparsos publicados nos últimos anos e até agora ignorados pelo grande público:

"Para além das palavras-chave propagadas pela mídia, que sempre tentam nos vender o que seria a essência da literatura, há textos complexos, resistentes, profundos e divertidos que – cada um por si e todos juntos – podem representar o que há de mais consistente na literatura de língua alemã."

Sem pretender mapear toda a produção literária atual, ele traça algumas tendências representativas, distante da distinção entre high e low brow, recomendando algumas dezenas de títulos. Kraft denuncia o preconceito da crítica pela chamada literatura de entretenimento e destaca leves talentos humorísticos, como Chlodwig Poth, Bernd Eilert, Ernst Kahl, Bernd Pfarr, Hans Traxler, Walter Moers, Harry Rowohlt, Peter Knorr, Jakob Arjouni, Radek Knapp, Dietmar Eder, Wladimir Kaminer e Jochen Schmidt, entre outros.

Deutschland Klassiker E.T.A. Hoffmann
E.T.A. HoffmannFoto: dpa

O que ele denomina romantismo negro é um grupo de textos que celebram uma estética do mistério e da iniciação, recorrendo a uma linguagem elaborada e modelos da tradição literária, como E.T.A. Hoffmann (Georg Klein, Stefanie Menzinger, Helmut Krausser, Karen Duve, Thomas Hettche).

Kraft justifica a forte linha autobiográfica da literatura alemã (constantemente criticada pela falta de "experiência de vida" de autores que ousam publicar suas entediantes biografias ficcionalizadas) com o argumento de que as pessoas se interessam cada vez mais pela autenticidade de histórias individuais, sobretudo diante de um mundo midiático onde tudo pode ser duplicado e reproduzido ad infinitum (Annette Pehnt, Thomas Hürlimann, Matthias Politycki, Rolf Rothmann, John von Düffel, Stephan Wackwitz, Marcel Beyer, Norbert Niemann, Gregor Hens, Dagmar Leupold, Thomas Medicus, Wibke Bruhns, Viola Roggenkamp, Hans Ulrich Treichel, Melita Breznik).

Der deutsche Schriftsteller Thomas Meinecke
Thomas MeineckeFoto: dpa

A prosa pop, celebrada como grande alto da literatura alemã em meados da década de 90, lançou autores extremamente jovens que assimilaram em seus romances o ecletismo da cultura clubber (Christian Kracht, Thomas Meinecke, Andreas Neumeister).

A literatura pós-reunificação de autores jovens do Leste alemão veicula uma imagem diferente da antiga Alemanha Oriental: não a tristesse generalizada de um ambiente social estático e cinza, mas sim vivas memórias de infância que não se deixam invalidar pela imagem histórica que se veiculou da sociedade comunista após a Queda do Muro (Jana Hensel, Julia Schoch, Thomas Brussig, Antje Rávic Strubel, Peter Richter, Torsten Schulz, Gregor Sander, André Kubiczek, Carsten Otte, Daniel Wiechmann, Susanne Leinemann, Falko Hennig, Michael Tetzlaff, Claudia Rusch, Katja Oskamp).

Desmentindo a denúncia de que a literatura alemã tende cada vez mais à alienação social e histórica, Kraft aponta alguns complexos históricos que servem de material para a narrativa contemporânea, sobretudo a queda do Muro e as conseqüências da reunificação alemã (Ingo Schulze, Michael Kleeberg, Michael Kumpfmüller, Angela Krauss), a New Economy (Rainer Merkel, Norbert Kron, Stefan Beuse, Ralph Hammerthaler, Gregor Hens, Kathrin Röggla, Hans Graf von der Goltz), as guerras das últimas décadas, como a do Golfo e dos Bálcãs (Josef Haslinger, Norbert Gstrein, Juli Zeh), a Segunda Guerra (Dieter Forte, W.G. Sebald, Dieter Wellershoff, Walter Kempowski, Johannes Weidenheim, Jürgen Becker, Tanja Langer, Marcel Beyer, Erick Hackl, Tanja Dücker), a Shoah, vista pelos descendentes das vítimas, por uma segunda geração que tende a lidar de forma irreverente com os tabus (Maxim Biller, Helena Janeczek, Gila Lustiger, Rafael Seligmann, Barbara Honigmann, Daniel Ganzfried, Doron Rabinovici, Benjamin Stein, Robert Menasse).

W.G. Sebald porträtfoto Schriftsteller
W.G. SebaldFoto: dpa
Raoul Schrott auf der Frankfurter Buchmesse
Raoul SchrottFoto: dpa

O confronto com os próprios limites históricos também se dá através da exploração de outras partes do globo terrestre, através de uma nova literatura de viagem que mistura ficção e documento e tematiza a busca de identidade para além das fronteiras culturais (Raoul Schrott, Michael Roes, Klaus Böldl, Thomas Stangl).

Terézia Mora Porträtfoto
Terézia MoraFoto: dpa

A literatura de estrangeiros trata a língua alemã de forma inusitada e revela a estranheza do imigrante através de jogos formais (Terézia Mora, Feridun Zaimoglu, Zé do Rock, Aglaja Veteranyi, Sherko Fatah, Vladimir Vertlib, Dimitré Dinev, Zsuzsa Bánk).

Thomas Kraft analisa livros-chave destas tendências, a fim de demonstrar o valor literário de obras específicas que, mesmo longe de fazerem parte de um movimento literário, podem servir de guia em meio à diversidade da atual prosa de língua alemã. E não esquece de deixar sua mensagem para os céticos:

"É uma felicidade poder ser leitor na Alemanha e em todos os lugares onde se fala e escreve a língua alemã. A diversidade e a qualidade dos textos deveriam arrancar pela raiz todos os resmungos e reclamações, independentemente da 'facção' de onde venham."

Buchcover Thomas Kraft - Schwarz auf Weiß... ...oder Warum die deutschsprachige Literatur besser ist als ihr Ruf.
Capa do livro de Thomas Kraft: 'Schwarz auf Weiß... ...oder Warum die deutschsprachige Literatur besser ist als ihr Ruf'

A escolha de autores e obras no manual de Thomas Kraft não é necessariamente representativa, além de colocar no mesmo nível trajetórias literárias de diferentes pesos dentro da própria recepção alemã. Mas justamente este enfoque pouco hierárquico (que não hesita em excluir nomes fundamentais do romance contemporâneo de língua alemã, como Andreas Maier, por exemplo) é o que permite ao leitor descobrir nomes que possam lhe interessar, independente do cânon acadêmico ou dos suplementos culturais.