1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Livro da alemã Juli Zeh inspira nova série da MTV Brasil

Marco Sanchez3 de junho de 2013

Em "A Menina Sem Qualidades", diretor Felipe Hirsch leva para a televisão o livro da alemã Juli Zeh e mostra, entre poesia e desespero, conflitos profundos e comuns entre jovens.

https://p.dw.com/p/18i5U
Foto: MTV - Brasil

A primeira cena de A Menina Sem Qualidades mostra a protagonista Ana (Bianca Comparato). Ela se levanta, olha para frente e diz seu nome para uma sala de aula cheia. É seu primeiro dia na nova escola, e o professor quer saber mais sobre a nova aluna.

"Vocês adoram dizer na internet do que gostam e do que não gostam", diz o professor. Ana responde que não gosta di internet. "Curioso alguém da sua idade não se interessar pela internet", rebate o adulto, com ironia.

"A internet gira em torno de três temas: sexo, dinheiro e guerra. Eu não acho que novas ideias surjam de discursos livres e públicos. Não tenho nada contra a liberdade. Eu tenho preguiça da internet. Veja, clique, compre", reponde a menina, colocando o telespectador, assim, no mundo de Ana.

O diálogo é emblemático para apresentar a adaptação para a televisão do livro Spieltrieb (2004), da escritora alemã Juli Zeh, que no Brasil recebeu o nome de A Menina Sem Qualidades.

O projeto surgiu antes mesmo de o livro ser lançado no Brasil, quando o tradutor Marcelo Backes enviou para o diretor Felipe Hirsch uma versão em português da obra que ele acabara de traduzir. Ele sabia que o diretor iria gostar da história.

A ideia inicial era transformar o livro de Zeh em uma peça de teatro, mas o projeto se modificou e cresceu se tornando uma série com 12 episódios, atualmente no ar na MTV Brasil.

A série, orçada em 3 milhões de reais, quer surpreender a audiência falando com o público jovem sem julgamentos e pudores. Segundo a diretora-geral da MTV Brasil, Helena Bagnoli, o programa é um conteúdo mais sofisticado do que se encontra geralmente na TV aberta no Brasil.

Hirsch busca inspiração no cinema independente americano e nas modernas séries de televisão para criar um clima de ternura, intimidade e desespero. A trilha sonora descolada e as belas cenas falam de personagens com profundas cicatrizes sociais e morais.

Still aus A Menina Sem Qualidades
A série quer surpreender a audiência falando com o público jovem sem julgamentos e pudoresFoto: MTV - Brasil

Sentimento universal

No livro, a história se passa em uma escola na pequena Bonn, capital da antiga Alemanha Ocidental. Ali, dois adolescentes começam a desenvolver uma obsessiva dependência em uma relação de amizade que ultrapassa fronteiras e questiona moralidade, compaixão e previsibilidade.

Do bucolismo industrializado do coração da Europa, a história foi transferida para o bucolismo tropical e caótico da classe média de São Paulo. A cidade, no entanto, tem um papel secundário na série, que foca no isolamento de Ana e em suas relações em casa e principalmente na nova escola.

A escola é o universo social dos adolescentes, que podem construir personalidades e lidar com conflitos complexos em um mundo de adultos perdidos, onde os jovens são sobrecarregados com informação e comunicação via internet.

Enquanto no gigantesco mundo as vanguardas do que é bom ou mau se subvertem, no microcosmo da escola, tanto em Bonn como em São Paulo, desenvolve-se uma história vibrante.

Os personagens, que receberam o nome de Ana e Alex no Brasil, são considerados pós-niilistas: nem no "nada" eles acreditam. Para o diretor há uma forte crença nesse vazio, mas é algo que será revelado no decorrer da história. Eles manipulam os colegas mais frágeis e os professores da escola particular que estudam em São Paulo.

A série reflete sobre a falta de moral dos personagens, questionando valores e princípios da sociedade contemporânea, mas de maneira sutil, já que o que explode na tela são os sentimentos e certa frieza encantadora, principalmente na atuação convincente de Bianca Comparato como Ana.

Mesmo com 27 anos, a atriz não se intimidou em viver uma adolescente de 16. O que causa certo estranhamento no começo da série ganha vida no trabalho corporal da atriz, que consegue com versatilidade mostrar a complexidade da personagem, mesmo nas cenas de nudez ou sexo.

O livro capta uma condição contemporânea dos jovens, que várias partes do mundo hoje encontram problemas comuns em lidar com o dia a dia e com as pressões de um mundo contemporâneo onde a informação suprime o tempo – e muitas vezes a infância.

A sensação atual do presente foi transferida para a televisão. A série cresce nos seus momentos de silêncio e introspecção, ganhando força na ótima trilha sonora. No entanto, os diálogos soam, muitas vezes, bem resolvidos demais na boca dos jovens, o que pode criar certa artificialidade.

Still aus A Menina Sem Qualidades
Série radicaliza o conflito de gerações, juízos de valores e os padrões moraisFoto: MTV - Brasil

Processos radicais

A Menina Sem Qualidades mostra não só a descoberta de uma nova realidade, mas o poder que a juventude tem em adolescentes que são colocados, cedo e imaturamente, em contato com questões complexas e adultas.

Ana é uma menina inteligente, que parece não querer romper seu isolamento, até que Alex ingressa em sua turma. O jovem se aproxima e confere poder à garota, o que a convence a participar de uma perversa trama que inclui seduzir o professor Tristán, vivido pelo ator argentino Javier Drolas.

Para o diretor, o desejo do professor pela jovem transgride os padrões. O envolvimento dos dois quebra convenções e crenças da jovem. O personagem de Alex tem um uma visão extremamente pragmática do mundo, e é nesse mundo que sua crueldade funciona. O pragmatismo se torna mais importante que a visão amorosa do mundo.

Para Hirsch, o motor da série é o impacto que a história tem com qualquer um que entra em contato com ela. Ele acredita que a escritora radicalizou processos como o conflito de gerações, os juízos de valores e os padrões morais.

A trama foi adaptada para a TV por Hirsch, Marcelo Backes e Renata Melo. “O livro da Zeh permite um sobrevoo poético sobre essa geração. Não é algo caricatural, como são muitos programas de televisão que têm um olhar mercadológico sobre a juventude, pois precisam vender produtos associados a ela. Acho uma grande coragem botar outras texturas no ar”, conclui o diretor.