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Lula chega a Berlim com agenda de reaproximação com Alemanha

Publicado 3 de dezembro de 2023Última atualização 3 de dezembro de 2023

Após hiato de oito anos e turbulência dos anos Temer e Bolsonaro, Alemanha e Brasil retomam mecanismo de diálogo entre cúpulas governamentais. Visita oficial, porém, ocorre em momento delicado para o governo Scholz.

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Lula chega ao aeroporto de Berlim
Lula chegou a Berlim neste domingoFoto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou na tarde deste domingo (03/12) a Berlim para cumprir uma agenda de três dias, marcando um novo capítulo na reaproximação entre o Brasil e a Alemanha após um período de distanciamento nos governos Temer e Bolsonaro.

Ao sair do hotel onde está hospedado para seu primeiro compromisso na capital alemã – um jantar com o chanceler federal alemão, Olaf Scholz – Lula afirmou que a parceria entre Brasil e Alemanha é "sólida".

"A nossa parceria com a Alemanha é uma parceria muito sólida. Aliás, o ano que vem fazemos 200 anos de relações diplomáticas, o que não é pouca coisa para a relação de dois países", disse. Em 2024, comemora-se o bicentenário da imigração alemã no Brasil. 

Lula permanecerá em Berlim até terça-feira. Na agenda, estão previstos encontros com o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, e o chanceler federal, Olaf Scholz, além de assinatura de parcerias.

Essa é a primeira visita oficial de um presidente brasileiro à Alemanha em mais de dez anos. A última havia ocorrido em 2012, quando Dilma Rousseff foi recebida pela então chanceler Angela Merkel. A visita também marca o quarto encontro entre Lula e Scholz desde a volta do petista à Presidência, em janeiro. No final de janeiro, Scholz já havia feito uma visita a Brasília – a primeira de um chanceler alemão ao Brasil em quase oito anos.

Na segunda-feira (04/12), estão previstos encontros com o presidente Steinmeier, um encontro com a presidente do Bundesrat (câmara alta do Parlamento alemão), Manuela Schwesig, um novo encontro com Scholz, e uma reunião entre as cúpulas dos dois governos, além de uma agenda com representantes de empresas alemãs e brasileiras.

Ao voltar do jantar com Scholz neste domingo, Lula antecipou que o Brasil quer "reforçar a parceria estratégica com a Alemanha" em "reuniões intensas" na segunda.

"Eu tenho dito aos companheiros da Alemanha que faz muito tempo que a Alemanha não investe na América do Sul, sobretudo no Brasil", disse o presidente. A Alemanha "agora precisa se voltar para o Brasil. Sobretudo agora que o Brasil está trabalhando a questão de energia limpa, de renovação, transição energética, Amazônia, biodiversidade. O Brasil é a bola da vez, é só investir", completou.

Retomada das consultas intergovernamentais Alemanha-Brasil

O principal destaque da agenda de Lula em Berlim vai ocorrer na segunda-feira e envolve a segunda edição das chamadas consultas intergovernamentais de alto nível Alemanha-Brasil, um mecanismo de diálogo que o governo alemão mantém com poucos parceiros internacionais e que prevê reuniões regulares de ministros de governo parceiros.

A primeira –  e até então única – edição dessas consultas entre Brasil e Alemanha ocorreu em 2015, durante a era Dilma. Na época, apenas dez países faziam parte do seleto grupo de parceiros mais próximos de Berlim: França, Espanha, Itália, Polônia, Israel, Rússia, China, Índia, Tunísia e Holanda. Na primeira edição, a então chanceler Merkel esteve em Brasília com uma comitiva de ministros e secretários que se reuniram com seus homólogos brasileiros.

Originalmente, a Alemanha tinha a expectativa de que essas reuniões ocorressem a cada dois anos – mas isso nunca foi cumprido. Nos bastidores, diplomatas alemães avaliaram que a turbulência do governo Temer em 2017, marcada por escândalos de corrupção, não favorecia o clima para uma segunda edição.

A retomada das reuniões ficou ainda mais distante sob Jair Bolsonaro a partir de 2019.

No poder, Bolsonaro adotou uma postura hostil ao governo alemão, especialmente quando Berlim cobrou mais proteção ambiental no Brasil. O governo brasileiro também promoveu mudanças unilaterais na gestão do Fundo Amazônia, que conta com recursos da Alemanha e da Noruega, provocando críticas dos dois países e paralisando o programa. Diante do desmonte de políticas ambientais no Brasil, Berlim também chegou a congelar o envio de recursos para programas ambientais ao país sul-americano durante a era Bolsonaro.

Temer e Bolsonaro também nunca foram convidados para visitas oficiais pelo governo da Alemanha. Temer apenas se limitou a participar de uma reunião multilateral do G20, em Hamburgo, em 2017.

Dilma e Merkel em 2015, na época da primeira edição das consultas intergovernamentais
Dilma e Merkel em 2015, na época da primeira edição das consultas intergovernamentais Foto: picture-alliance/AP Photo

Reaproximação sob Lula e Scholz

A Alemanha é o principal parceiro comercial do Brasil na Europa e o quarto parceiro comercial brasileiro no mundo, depois de China, Estados Unidos e Argentina. Há cerca de 1.400 empresas alemãs atuando no Brasil, como Volkswagen, Mercedes-Benz, Siemens e Basf.

De janeiro a outubro deste ano, o comércio bilateral foi de 16 bilhões de dólares, com uma balança favorável à Alemanha. No período, o Brasil exportou para o país europeu 4,8 bilhões de dólares (décimo maior destino de exportações) e importou 11,2 bilhões de dólares (terceira maior origem de importações), segundo dados do governo brasileiro.

Políticos dos dois países começaram a ensaiar uma reaproximação ainda antes do fim do governo Bolsonaro. Em novembro de 2021, quando Scholz ainda estava montando seu governo, ele se reuniu com Lula em Berlim, meses após o brasileiro conseguir a anulação de suas sentenças judiciais e se cacifar novamente para concorrer à Presidência. Historicamente, o Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz e o PT de Lula mantêm laços que remontam aos anos 1980. Lula também cultivou relações com figuras históricas do SPD, como os ex-chanceleres Helmut Schmidt, Willy Brandt e Gerhard Schröder.

Em janeiro de 2023, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, viajou a Brasília para participar da cerimônia de posse de Lula. No final de janeiro, foi a vez de Scholz desembarcar no Brasil, na primeira visita de um chefe de governo alemão desde 2015. Em 2023, com Lula de volta ao poder, os dois países também reativaram vários mecanismos de cooperação, como o Fundo Amazônia.

Brasil e Alemanha compartilham interesses em comum, como a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia e a reforma de organismos internacionais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas mantêm divergências em temas como a guerra na Ucrânia e o atual conflito no Oriente Médio.

Acordo Mercosul-UE

No caso do acordo entre o Mercosul e a UE, a Alemanha é um dos países europeus que mais tem apoiado a conclusão definitiva do tratado, não apresentando objeções como a França , que tem um setor agrário mais temeroso de concorrência com produtores brasileiros.

Na atual coalizão de governo da Alemanha liderada pelo social-democrata Scholz, o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) é um dos principais entusiastas do acordo.

Mas, a volta de Lula ao poder também enfraqueceu potenciais resistências de outro membro da coalizão alemã, o Partido Verde. "O que mudou entre 2019, quando a discussão técnica foi finalizada, e agora é a chegada do presidente Lula", disse o vice-chanceler federal alemão, o verde Robert Habeck, em março.

Nos bastidores, também pesa na decisão alemã de apoiar o acordo o temor de que um fracasso das negociações leve o Mercosul a se aproximar mais da China. Mais recentemente, membros do governo alemão pediram celeridade nas negociações após Javier Milei vencer a eleição presidencial da Argentina, temendo que sua chegada ao poder embaralhe as negociações.

No entanto, apesar do apoio alemão ao acordo, a visita de Lula a Berlim ocorre um dia após um novo revés nas negociações, após o presidente francês Emmanuel Macron afirmar categoricamente que é contra os termos do tratado, durante entrevista em Dubai, palco da COP28.

Neste domingo, ainda em Dubai, antes de embarcar para a Alemanha, Lula respondeu às declarações de Macron, afirmando já saber que a França tinha uma posição mais protecionista.

"Se não tiver acordo, paciência", declarou o presidente. "Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e que não digam mais que é por conta da América do Sul."

Visita em momento delicado para o governo Scholz

Em 2015, a primeira edição das consultas intergovernamentais de alto nível Alemanha-Brasil ocorreu em um cenário de crescente crise econômica e política no Brasil, que poucos meses depois acabaria por sepultar o governo Dilma. O novo encontro também ocorre em um momento delicado, mas desta vez do outro lado do Atlântico.

No momento, o governo liderado por Scholz tenta encontrar uma saída para uma crise que envolve o Orçamento federal da Alemanha, que corre o risco de acabar com os ambiciosos planos ambientais e de investimento em modernização da indústria e infraestrutura do país.

Merkel e Bolsonaro em 2019.
Merkel e Bolsonaro em 2019. Relação entre países se deteriorou durante governo do ex-presidenteFoto: Clauber Cleber Caetano/Presidência da República do Brasil

A crise teve início em 15 de novembro, quando o Tribunal Constitucional da Alemanha determinou que o Orçamento alemão para 2024 violava regras do “freio da dívida” alemão, instituído em 2009, que restringe o déficit orçamental da Alemanha a cerca de 0,35% do seu PIB, e que por anos foi uma vitrine da disciplina fiscal do país europeu, mas que agora vem sendo alvo de críticas crescentes por travar investimentos públicos.

Mais especificamente, o tribunal, após ser acionado pela oposição conservadora, barrou os planos do chanceler de direcionar 60 bilhões de euros de sobras de um fundo de emergência instituído durante a pandemia para um fundo climático e de transformação, que visava fomentar uma revolução verde na Alemanha e modernizar a indústria do país. Desde então, o governo tem tentado negociar soluções para readequar o Orçamento e deslocar fundos.

A decisão aumentou a pressão sobre o já turbulento governo do Scholz, que já tinha que lidar com os efeitos de uma recessão na Alemanha e levantou questionamentos sobre se o chanceler federal será capaz de manter unida a sua coalizão de social-democratas, liberais e verdes.

Enquanto o SPD de Scholz e os Verdes são a favor de um relaxamento das regras do freio, os liberais parecem determinados a manter o limite da dívida em vigor.