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Luta dos berlinenses agora é para manter o Muro de pé

5 de março de 2013

Plano de remover parte da famosa East Side Gallery, mais longo trecho remanescente do Muro de Berlim, provoca grande mobilização na capital alemã. Opositores veem no projeto um atentado contra história e identidade.

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Foto: Getty Images

Em 12 junho de 1987, o então presidente norte-americano, Ronald Reagan, fez seu famoso discurso diante do Portão de Brandemburgo. Nele, pediu ao líder soviético Mikhail Gorbachev que desse passos para tornar o Leste Europeu mais livre e acabasse com o símbolo mais visível da Cortina de Ferro. A intervenção culminou nas quatro palavras mais famosas de seu mandato presidencial: "Tear down this wall!" (Derrube este muro).

Quem imaginaria que, passados quase 26 anos, milhares de berlinenses estariam se reunindo para tentar fazer justamente o contrário. Nesta segunda-feira (04/03), cerca de 100 manifestantes conseguiram impedir que operários removessem 23 metros da chamada East Side Gallery, o trecho mais longo remanescente do Muro de Berlim, e um dos pontos turísticos prediletos da cidade. Na véspera, uma passeata ainda maior reunira cerca de 6 mil pessoas, com o mesmo fim.

Com 1.300 metros de extensão, a East Side Gallery é um monumento protegido, mas as autoridades municipais autorizaram sua remoção para a construção de um condomínio de apartamentos de luxo, entre o Muro e o Rio Spree.

Durante o regime comunista no Leste, a área era conhecida como "Faixa da Morte": a polícia da República Democrática Alemã (RDA) tinha autorização para atirar em quem tentasse cruzá-la rumo a Berlim Ocidental. A brecha que seria aberta nesse trecho do Muro, hoje coberto por pinturas de artistas de diversas partes do mundo, facilitaria o acesso dos moradores do futuro condomínio e dos pedestres. A ideia é que uma nova ponte seja erguida sobre o Spree.

Flash-Galerie Ronald Reagan
Presidente dos EUA, Ronald Reagan, no famoso discurso em Berlim, 1987Foto: AP

Monumento insubstituível

A East Side Gallery atrai cerca de 800 mil visitantes por ano, e é adorada por turistas e berlinenses. Sua autenticidade marca um contraste com outras partes remanescentes do Muro, como o Checkpoint Charlie e o Portão de Brandemburgo, onde atores fantasiados de guardas soviéticos evocam mais lembranças artificiais do que a verdadeira realidade da divisão da Alemanha.

Em Berlim existem, naturalmente, outros pontos que evocam a história da cidade. Mas em várias áreas menos turísticas é fácil andar ao longo da antiga fronteira sem mesmo perceber que um dia um muro esteve ali. A East Side Gallery não é só o trecho mais longo remanescente do Muro – mas também a memória mais tangível.

"O Muro representa para mim a história da cidade, e uma história especialmente brutal que, de outra forma, seria completamente invisível", comenta a moradora de Berlim Mareike Krämer, de 25 anos. "Se o Muro for despedaçado, seu impacto também será feito em pedaços. Por isso este memorial tem que ficar intacto."

Segundo Maria Nooke, vice-diretora da Fundação Muro de Berlim, para os moradores Berlim Oriental, a construção era um símbolo inatingível da opressão comunista. Depois que caiu, era espantoso poder simplesmente transitar de um lado para o outro da fronteira, e ver como haviam estado perto do Ocidente, o tempo todo. A East Side Gallery, afirma, deveria ser uma espécie de testemunho dessas memórias.

"Acho que a antiga área da fronteira, onde corria o Muro, não está aí para ser objeto de especulação imobiliária ou dar lucro à cidade. É uma área histórica, que dividiu a cidade por mais de 28 anos, com importância não só para Berlim, mas para o mundo inteiro. Não se pode simplesmente abrir mão disso para construir uma casa bonitinha", argumenta Nooke.

Demonstranten protestieren an der Baustelle der East Side Gallery in Berlin
Protesto diante do trecho da East Side Gallery ameaçado de demoliçãoFoto: picture-alliance/dpa

Valorização imobiliária questionada

O apego à East Side Gallery como um monumento histórico é a principal razão para a mobilização contra sua remoção. Na última semana, com a tentativa de início das obras, jornais publicaram editoriais apoiando os manifestantes e exigindo que as autoridades encontrassem uma alternativa para o projeto.

Os protestos chegam num momento em que muitos berlinenses temem que o boom imobiliário esteja fazendo a cidade perder a alma. A valorização de bairros como Friedrichshain, vizinho à East Side Gallery, já deu espaço a projetos como a casa de espetáculos O2 World e à sede da MTV Europe.

Embora supostamente dê nova vida ao bairro, esse processo de aristocratização também tem encontrado resistência violenta. Em 2011, a remoção dos ocupantes do número 14 da Liebigstrasse, mais famoso prédio ilegalmente ocupado da região, levou a violentos confrontos entre esquerdistas e a polícia. Em meados do ano seguinte, um hotel então recém-inaugurado teve suas janelas quebradas com extintores de incêndio e suas paredes pichadas por radicais da antiaristocratização.

O movimento para manter a East Side Gallery tem se mantido pacífico, apesar de, nos últimos dias, alguns manifestantes terem usado o próprio corpo para impedir que o Muro fosse removido.

A culpa dos outros

Maik Uwe Hinkel, presidente da empresa responsável pelo empreendimento imobiliário, diz que as críticas são injustas e que a decisão de abrir a passagem no Muro foi da própria Prefeitura. Segundo um porta-voz dele, a questão será discutida num fórum aberto no fim deste mês.

Novos projetos imobiliários ao longo do Rio Spree podem ajudar a cidade, necessitada de dinheiro, a arrecadar mais com impostos. E os empreendedores defendem que as novas construções respeitam as características da região e a integridade da East Side Gallery.

Os primeiros planos de construções às margens do rio datam de 1992. Franz Schulz, subprefeito do bairro de Friedrichshain, explica que, após a reunificação da Alemanha, o Muro era visto como uma barreira a ser derrubada o mais rapidamente possível. E diz que foi dentro dessa mentalidade que a antiga área conhecida como Faixa da Morte foi designada para novas construções.

Schulz vinha sendo acusado de não fazer o suficiente para preservar o bairro, mas compareceu ao protesto de domingo diante do Muro. Ele pediu uma saída rápida para o impasse: "Temos que encontrar uma solução rápida, junto ao Senado de berlim, para realizar o que as pessoas aqui estão pedindo", apelou.

Autor: Andrew Bowen (rpr)
Revisão: Augusto Valente