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Jazz out of Mannheim

Augusto Valente4 de abril de 2007

Seus músicos atendem por "Reverend", "Doc", "Sir" e "Mister". Entre seus admiradores e colaboradores está o brasileiro Eumir Deodato. E o som da banda alemã evoca quase um século de música norte-americana.

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Mardi Gras.bbFoto: Presse

De onde vem essa "Mardi Gras.bb"? Os elementos musicais são norte-americanos, sem dúvida. Na verdade, parecem até referências demais para uma banda só: trompetes, saxes e trombones remetendo tanto às marching bands de Nova Orleans, ao jungle jazz de Duke Ellington, quanto ao happy sound de um Herp Albert; um guitarrista e crooner cuja voz ácida consegue evocar cantores tão distintos como Al Jolson, Joe Cocker ou Tom Waits. Sem excluir momentos de falsete à la ex-Prince.

Adicionem-se efeitos especiais e comentários musicais espirituosos do DJ de plantão. Por fim, uma generosa pitada daquilo que gerações sucessivas têm chamado de suíngue, bossa, ginga, groove.

Por incrível que pareça, a combinação de todos estes ingredientes não evoca simplesmente um século da música norte-americana, branca e negra: ela resulta num som cem por cento original e imediatamente identificável. Uma façanha tanto mais espantosa, considerando-se que os criadores da banda são alemães, assim como a maioria dos músicos atuantes.

Mas francamente, preconceitos à parte, é difícil imaginar algo menos teutônico do que a Mardi Gras.bb.

New Orleans goes Mannheim

Tudo começou em Mannheim, terra de Uli "Reverend" Krug. Em 1992, uma crise existencial levou a Nova Orleans o baixista de krautrock, então com 40 anos. Contagiado pela alegria irrefreável – mesmo ao acompanhar um enterro – das bandas de rua locais, ele retornou à Alemanha após três meses, revitalizado e com uma nova concepção musical na cabeça.

O ex-roqueiro encontrou então em Jochen Wenz o parceiro ideal para a aventura. Cantor, guitarrista e compositor, "Doc" Wenz atribui a dois fatores sua identificação com a música dos EUA e sua pronúncia impecável (as canções da Mardi Gras.bb, quase todas compostas pelo crooner, são exclusivamente em inglês).

Por um lado, ser natural de Kaiserslautern – local da maior base militar norte-americana da Alemanha, com 40 mil GIs estacionados até hoje –; por outro, ter crescido ouvindo – e aprendendo a amar e imitar – a coleção de discos de jazz, blues e similares de seu irmão mais velho.

Punk spirit

Em 1994, nascia a Mardi Gras Brass Band. O "guru" Krug trocou o baixo de cordas pelo sousafone (a paquidérmica "tuba de corpo inteiro" das bandas de rua), tornando-se o fundamento do novo grupo, e não apenas no sentido harmônico. Como anunciou Doc Wenz num concerto em Colônia: "Ele é o Pai, o Filho, a Mãe, ele é Tudo. O Criador desta banda, que ele ergueu do Nada e que um dia levará consigo para a fria tumba".

É com humor deste tipo, irônico e evocativo, que Wenz também tempera as letras de suas canções. Antes de co-fundar a Mardi Gras ele cantava música punk, e crê que algo do irreverente punk spirit perdura na nova banda, "mesmo que não se perceba de cara".

"Tem muito a ver com energia e expressão, mas também com não quebrar demais a cabeça sobre se a próxima nota vai ser a certa. A nota certa é sempre aquela que você sente no momento", explica o dermatologista e urologista formado (e, reza a lenda, ainda praticante).

Musik Mardi Gras.BB
Os suspeitos: Doc Wenz é o nº 4 a partir da esq., Reverend Krug, o 5ºFoto: presse

Brazilian connection

O som de Nova Orleans poderia ter-se tornado um beco sem saída, reconhece "Doc" hoje. Contudo, a intenção dos fundadores da banda jamais foi reproduzir o jazz dos negros do sul dos EUA, mas sim tomá-lo como ponto de partida para uma espécie de "metamúsica", consciente de suas fontes e livre tanto para citá-las como para subvertê-las.

Em 1999 a banda mudou seu nome para "Mardi Gras.bb" (abreviatura de bold bold: "duplo negrito" ou "duplamente ousado[s]"), e assinou contrato com a gravadora Hazelwood Vinyl Plastics. Desde o álbum AlligatorSoup, do mesmo ano, a Mardi Gras se empenha ativamente para escapar do gueto das bandas de metais, expandindo continuamente seus tentáculos estilísticos: do bluegrass ao rhythm & blues, do funk à balada pop, e bem mais além.

Um ponto alto e freqüentemente citado na carreira do conjunto foi a colaboração com o brasileiro Eumir Deodato, recriando o hit da década de 70 Also sprach Zarathustra (livremente inspirado em Richard Strauss). Três anos mais tarde, a banda participou da trilha sonora do premiado filme Pra que serve o amor só em pensamentos (Achim von Borries, 2004).

The band moves on

Segundo a Hazelwood, a Mardi Gras.bb já vendeu 100 mil CDs em todo o mundo. 2007 é o ano de seu sétimo disco na gravadora, The exile itch, que traz, de quebra, um DVD com um show completo do grupo. Após dois meses de turnê de lançamento pela Alemanha e Áustria, os músicos partem em abril para uma série de apresentações na França. E já lançam olhos em direção aos países do Benelux e à Espanha.

Excetuado um núcleo de fundadores e colaboradores cativos, a formação da banda está em perene renovação ("Tem gente que cortaria uma mão para participar", orgulha-se, com razão, Doc Wenz). Dos atuais dez músicos em turnê, quase todos continuam sendo alemães "da gema". Com duas honrosas exceções: o madrilenho Javier de la Poza (bombo e pratos) e o virtuose do vinil DJ Mahmut (da Turquia).

Tanto puristas do som acústico e metais como os fãs de primeira hora têm motivos para sentir saudades do período inicial, dos já clássicos Prescription Blues, Down down down, Jungle telegraph. Contudo, escutando com bastante atenção, o espírito anárquico do Mardi Gras – o Carnaval de Nova Orleans – ainda está lá. Certamente transformado, talvez agora com um toque de caos balcânico (a exemplo das bandas alucinadas do bósnio Goran Bregovic).

Paciência. A Mardi Gras.bb está em movimento, e não será um punhado de fãs ortodoxos a detê-la. A experiência passada prova: vale a pena esperar qual é a próxima e imprevisível virada em sua trajetória.