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Os segredos de Walser

9 de maio de 2010

O escritor não se preocupou em manter em segredo os seus escritos íntimos. O público agora tem a chance de conhecer como viveu e o que pensava o Walser da década de 1970, fase que ficou conhecida como "Outono Alemão".

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O escritor Martin WalserFoto: picture-alliance/ dpa

Um diário é, via de regra, algo de muito íntimo e pessoal. Quem já manteve um, conhece aquele sentimento, quase de pânico: "Ai, meu Deus, tomara que ninguém jamais leia isto aqui!". Mas como a coisa funciona para os escritores?

O alemão Martin Walser transformou em livro seus relatos pessoais. Ele começou a registrar sua vida em diário aos 24 anos – hoje ele tem 83. Já publicara as duas primeiras partes dessa narrativa. A terceira, que está saindo agora, cobre os anos de 1974 a 1978, um período muito agitado na Alemanha.

Como tudo foi escrito

Alguns dias rendem apenas poucos parágrafos, outros muitas páginas. Martin Walser escreve sobre suas observações diárias, impressões registradas em turnês de leitura, sobre projetos de trabalho, pensamentos, sentimentos.

"Só escrevo quando a vida me apresenta, me impõe um estímulo para a expressão. E pode ser o ruído da cena literária, ou o mais delicado gesto da mãe de um rapaz de 16 anos que me diz claramente: isto você deve anotar, isto você deve expressar."

Para pesquisadores, os diários são uma fonte rica, quando reconstroem a vida e a obra de um escritor. Os leitores, em geral, pouco lucram com esses registros. Não é preciso saber tudo sobre os autores para apreciar seus romances, as intimidades raramente contribuem com novos conhecimentos. Porém no caso de Walser, o volume de registros dignos de se ler é extraordinariamente grande.

Os diários do escritor são engraçados e divertidos e pontuados com pequenas estocadas nos colegas escritores. "Julho de 1975. Um escritor pode tranquilamente escolher colegas como modelos para personagens. O risco de que os colegas se vejam da mesma forma como o escritor os vê é incrivelmente baixo."

O público adora esse tipo de comentário, Martin Walser sabe. Cedo, ele aprendeu a tirar proveito da mídia, é uma espécie de exibicionista. Por isso também gosta de apresentar os trechos irônicos e engraçados em suas leituras. Quanto mais diverte o público, mais propensos estão os espectadores a comprar um livro depois da apresentação.

Martin Walser vive há mais de 50 anos como escritor autônomo. Seu diário também fala sobre isso: o esforço para ganhar dinheiro. O escritor ressalta que não retrabalhou os escritos para a publicação: "Diários não são, a princípio, algo que possa ser melhorado. Notei que, ou as frases são corretas, então as deixo lá, ou então – esta é a única possibilidade de interferência – as elimino."

Buchcover Martin Walser: Leben und Schreiben. Tagebücher 1974-1978 (rowohlt)
Capa do novo livro

Contexto político

E muitas ficaram: íntimas, constrangedoras, divertidas e informativas. Os diários de 1975 e 1978 foram escritos na época do grupo terrorista RAF, e o do seqüestro de Hanns Martin Schleyer.

Como muitos escritores da época, Walser era considerado esquerdista, o que queria dizer que estava mais à esquerda do Partido Social-Democrata. Difícil imaginar isso, hoje em dia. Em parte, até simpatizava com o Partido Comunista Alemão (DKP), ligado à antiga Alemanha Oriental – fato que os conservadores levaram a mal, e do qual o acusam até hoje.

Naquela época, que entrou para a história como o "Outono Alemão", Marcel Reich-Ranicki publicou uma crítica devastadora no jornal Frankfurter Algemeine Zeitung (FAZ) sobre o romance Jenseits der Liebe (Para além do amor), que Walser havia lançado. O FAZ sempre foi conservador, porém formador de opinião, e Ranicki já era, então, um crítico influente. Com o título "Para além da literatura", o artigo não apenas tachava o livro de miserável e insignificante, como zombava do engajamento político do autor.

Tapa polêmico

Martin Walser ficou profundamente ofendido, e escreveu em seu diário uma carta para Marcel Reich-Ranicki, a quem chamava de "MRR".

"O senhor difamou minha participação na formação da opinião pública como sendo duvidosa, charlatanesca, como galhofa e palhaçada. Visto que não fez qualquer tentativa de provar esses argumentos, e eu não tenho dinheiro para processá-lo, nada me resta além da bofetada. Eu lhe digo que, se o senhor chegar próximo o suficiente, vou lhe bater na cara."

O autor nunca enviou essa carta. Mas a ofensa era tão profunda que ele jamais a superou. E isso não mudou mesmo com a resenha positiva de seu próximo livro, a novela Ein fliehendes Pferd (Um cavalo em fuga), lançado em 1978 – um best-seller na época e o maior sucesso do autor, até então.

E agora o FAZ publicou trechos do diário de Walser – exclusivamente aqueles que tratam de Ranicki, antigo redator-chefe literário do jornal –, mas deixou de fora a história da bofetada. Isso abriu novamente a ferida.

"Hoje, 35 anos depois, não pode constar do FAZ que certa vez houve um escritor que queria usar dessa forma a sua mão direita."

Ao que tudo indica, o jornal toma literalmente seus diários, zomba Walser. "Tudo aqui é texto. Minha mão direita não é feita para estapear, mas sim para escrever. Mas isso eles não são capazes de entender. Um diário também é ficção, façam-me o favor."

Aos 83 anos, Martin Walser continua refrescantemente polêmico.

Autora: Heide Soltau (NP)
Revisão: Augusto Valente

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