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Mercosul se abre à Bolívia e a mais uma controvérsia

7 de dezembro de 2012

Criticado pelo viés cada vez mais político-ideológico, bloco aproveita cúpula em Brasília para discutir incorporação do país de Evo Morales, em processo que é visto com desconfiança até pelos próprios bolivianos.

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Foto: LUIS ACOSTA/AFP/Getty Images

Já minado por disputas comerciais internas, pelo imbróglio em torno do Paraguai e pela ascensão de um novo bloco econômico na América Latina, o Mercosul deve se abrir a partir desta quinta-feira (06/12), durante sua cúpula em Brasília, a um novo membro – e a uma nova controvérsia. Depois da incorporação da Venezuela, a adesão da Bolívia – convidada para se tornar membro pleno – começará a ser debatida, reforçando a impressão de que o bloco ganha, a cada dia, um teor mais político do que econômico.

O país de Evo Morales entraria no Mercosul da mesma forma que o de Hugo Chávez – sem o consentimento do Paraguai, suspenso do bloco em junho em retaliação ao impeachment de Fernando Lugo. A iniciativa dá mais margem para contestação ao Mercosul. Criado em 1991 para ser uma zona de livre comércio, o bloco ainda lida com entraves comerciais entre seus dois principais integrantes – Brasil e Argentina – e está incorporando mais dois países que, para muitos analistas, não cumprem as demandas básicas para se tornarem membros.

"Entrar para o Mercosul implica responsabilidades práticas, escritas no tratado [de Assunção] de 1991, que determina a implementação de uma zona de livre comércio e uma união aduaneira. E eu não creio que Bolívia e Venezuela estejam dispostas a isso. A entrada dos dois tem caráter exclusivamente político, sem benefícios práticos para a economia e o comércio do bloco", disse à DW Brasil José Botafogo Gonçalves, que foi ministro da Indústria, Comércio e Turismo no governo Fernando Henrique Cardoso, ex-embaixador especial para o Mercosul e é hoje vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Ameaça de novo imbróglio

A adesão boliviana não deve ser selada em definitivo em Brasília, mas já ameaça criar um novo imbróglio. O Paraguai, que pode voltar ao bloco após as eleições presidenciais de abril, já declarou que não admite a entrada da Bolívia, uma vez que a incorporação de um novo membro demanda a aprovação de todos os seus integrantes. E sugeriu que os líderes regionais estão aproveitando sua suspensão para usar o Mercosul como plataforma política – não se descarta, ainda, que uma possível entrada do Equador entre em pauta durante a cúpula.

Críticos dizem que, mais de duas décadas após sua criação, o Mercosul se afasta cada vez mais de seus princípios básicos. E citam como exemplos disso o início do processo para incorporar a Bolívia e a adesão da Venezuela, países que constantemente entram em confronto com europeus e americanos. Ao expandir-se dessa forma, afirmam especialistas, o bloco fica mais distante de seus objetivos, que deveriam ser, por princípio, ampliar o livre comércio e, por estratégia, apresentar alternativas aos tratados bilaterais feitos por seus vizinhos com a União Europeia e os Estados Unidos.

"Do ponto de vista formal, nenhum dos dois países atende às exigências e às necessidades do bloco. Os princípios do Tratado de Assunção estão sendo ignorados", opina o cientista político Fernando Zilveti, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Estão fazendo do Mercosul um bloco político-ideológico, alinhado aos interesses desses países."

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Venezuela, de Chávez, foi aceita por Brasil, Uruguai e Argentina, mas não pelo ParaguaiFoto: Reuters

Desconfiança entre os bolivianos

Se para o Mercosul os benefícios são contestáveis, dentro da Bolívia a adesão é vista com ainda mais desconfiança. E o principal motivo é que, para se incorporar ao bloco sul-americano, o país teria, pelo menos em tese, que abrir mão de um mercado hoje muito mais importante para si: a Comunidade Andina de Nações (CAN), formada também por Colômbia, Equador e Peru.

Entre janeiro e setembro de 2012, por exemplo, as exportações bolivianas de produtos manufaturados aos países da CAN totalizaram quase 900 milhões de dólares, cifra 82% maior que as vendas realizadas para Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai no mesmo período. Entrar no Mercosul imporia à Bolívia a concorrência de produtos industrializados mais fortes e, para sobreviver, o país teria que negociar acordos bilaterais de livre comércio com os andinos, o que o bloco sul-americano não permite.

"O Mercosul é hoje um bloco mais politica do que economicamente ativo, guiado sobretudo pela agenda brasileira. Aceitar a Bolívia seria apenas para mostrar ao mundo que passou de quatro para seis membros em alguns meses", diz Gary Rodríguez, gerente-geral do Instituto Boliviano de Comércio Exterior. "Precisaríamos de acordos comerciais com terceiros para sobreviver, e não sei se teríamos isso nesse bloco."

Segundo o analista econômico boliviano Julio Alvarado, ainda não foi divulgado um único estudo que mencione benefícios para a Bolívia no caso de entrada do Mercosul. A vantagem, afirma, seria exclusivamente de Brasil e Argentina, que, assim como no caso do petróleo venezuelano, estariam de olho apenas no gás boliviano.

"A Bolívia não vê o Mercosul, onde ainda impera o protecionismo de Brasil e Argentina, como uma oportunidade econômica, mas como um bloco político-ideológico", diz Alvarado, diretor da Associação Boliviana de Economia Política da Globalização (ABEPG). 2O Mercosul quer a matéria-prima da Bolívia, não os produtos industrializados, e as federações de indústrias estão extremamente preocupadas."

Resposta à Aliança do Pacífico

Muitos veem também a expansão do Mercosul como uma reação direta à criação da Aliança do Pacífico, bloco formado em junho passado e que, ao unir México, Peru, Colômbia e Chile, responde por 35% do Produto Interno Bruto (PIB) e mais de 55% das exportações da América Latina. O novo bloco é, além disso, politicamente mais alinhado à centro-direita e estabelece uma alternativa num momento em que Paraguai e Uruguai repensam a conveniência de seguirem ligados ao Mercosul.

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Uruguaio Mujica vê crise institucional no MercosulFoto: picture-alliance/dpa

"Essa ampliação no número de membros pode ser considerada uma resposta política à formação da Aliança do Pacífico. Economicamente, não muda muita coisa. Os países do Pacífico continuarão com seus acordos vigentes. Mas, quando o Mercosul decide crescer, ele acaba se posicionando em relação a outro bloco regional", assinala Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

A aliança já tem como país observador o Uruguai, que não esconde sua insatisfação com que o presidente José Mujica descreveu recentemente como uma "crise institucional" do Mercosul. Montevidéu quer, como acontece na Aliança do Pacífico, o direito de fazer Tratados de Livre Comércio com outros países.

"Se, como afirma-se, a decisão de expandir o bloco em tão pouco tempo é uma resposta à criação da Aliança do Pacífico, trata-se de uma decisão equivocada do governo Dilma Rousseff", diz o embaixador Botafogo. "Temos que nos aproximar dos vizinhos, e não rivalizar com eles."

Autor: Rafael Roldão
Revisão: Alexandre Schossler