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Exposição

25 de outubro de 2009

Na esteira do ready-made, a arte contemporânea recorre regularmanete a objetos cotidianos. Exposição na Alemanha reúne oito artistas latino-americanos com suas peculiares formas de reflexão através do banal e do efêmero.

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'Patologias', da brasileira Valeska SoaresFoto: Valeska Soares Studio

O Museu Morsbroich, localizado em Leverkusen, nas proximidades de Colônia, no noroeste alemão, aparentemente recebe o visitante com toda a pompa, convidando-o a adentrar o espaço por sobre um tapete vermelho – obra do artista cubano Wilfredo Prieto.

O poder e o glamour subentendidos nessa entrada triunfal conduzem, contudo, a um arsenal de objetos triviais com os quais o observador normalmente não espera se deparar num museu: sacolinhas de plástico, persianas, ventiladores, sabonetes, copos, velas, lâmpadas e até uma casca de banana. Sem exceção, as obras expostas em Revolutionen des Alltäglichen (Revoluções do Cotidiano) são, cada uma à sua maneira, formas de reflexão a partir do efêmero e do prosaico.

Fragmentos visíveis

No caso da artista brasileira Valeska Soares, por exemplo, são frascos de perfume, caixas de chocolate ou letras amontoadas que servem de metáfora para falar da temática do amor. "O desejo exerce constantemente um papel importante na obra da artista, também em Patologias (um work in progress iniciado em 1994, que se perpetua até hoje), composto por uma prateleira que apresenta frascos expostos um ao lado do outro. [...] Uma olhada no conteúdo desses frascos demonstra que a maior parte dos perfumes já foi consumida. Assim, um momento corriqueiro, ou seja, o de passar o perfume no corpo, ganha, na instalação, como sintagma legível, um tom quase surreal", escreve a curadora Stefanie Kreuzer no catálogo da mostra.

Contendo alusões, entre outros, à obra de Roland Barthes (Fragmentos de um discurso amoroso), a artista se apropria não apenas dos perfumes, cujos nomes vão da Paixão e Obsessão até Veneno, mas também de embalagens de chocolate e biscoitos, expostas detalhadamente, numa referência clara ao desejo e à frustração, rejeição e perda a ele associadas.

Efêmero e precário

O cerne da exposição está na banalidade desses objetos comuns, recrutados em grandes supermercados ou até mesmo em lojas de material de construção. No contexto das obras, porém, esses objetos estão libertos do rótulo de mercadoria produzida em massa: eles carregam a ideia do efêmero e do precário, para, contudo, gerar uma reflexão.

Revolution des Alltäglichen
'Gordura, sabão e banana', do cubano Wilfredo PrietoFoto: Wilfredo Prieto und Nogueras Blanchard

Como é o caso, em outro exemplo, das obras do cubano Wilfredo Prieto, que justapõe em Matriuska copos de diversos tamanhos – cada um de um material diferente: metal, plástico, alumínio, porcelana, vidro – com restos de bebida.

"Minha função se assemelha à de um arqueólogo, no que simplesmente desempoeiro as obras que já estão feitas, só organizando-as e tratando de mostrá-las aos outros", explica o artista em depoimento citado no catálogo da exposição.

Desconstruindo o poder

É de Prieto também a "armadilha" oferecida em Gordura, sabão e banana, uma alusão explícita ao ato involuntário do tombo. "A opção reiterada do tropeço e do escorregar, ou mesmo, em última instância, do fracasso, é aqui encenada como obra fascinante, solitária e acima de tudo lapidar, no meio de um espaço enorme da exposição, numa esfera quase tragicômica", teoriza a curadora Kreuzer.

Se o tapete vermelho de Prieto na entrada do espaço nobre prometia a pompa, a casca de banana está ali para demolir qualquer crença na hierarquia de valores. "Visto do ponto de vista do discurso do poder, trata-se aqui de um ato subversivo, que solapa os signos deste poder para soltá-los no vazio".

Embaralhando a geopolítica mundial

Um dos trabalhos mais contundentes da mostra, no entanto, é Lilliput, do argentino Jorge Macchi, no qual o artista recorta um mapa-múndi, deixando os países caírem, desordenada e aleatoriamente, sobre uma superfície branca. Isentos de ligações pré-estabelecidas ou vizinhanças ancoradas no imaginário do observador, esses países assumem novas posições – viradas, invertidas – criando inusitadas categorias geopolíticas.

Jorge Macchi Lilliput 2007
'Lilliput' do argentino Jorge MacchiFoto: Daniel Kiblis

"Esse pequeno e aparentemente conciso ato artístico acumula uma enorme força subversiva, por refletir, através da imagem simples do casual, sobre a demarcação de fronteiras geográficas e com isso políticas, bem como sobre sistemas de ordem", afirma a curadora da mostra.

Outro viés "subversivo" tão contundente quanto o da obra de Macchi pode ser observado em Pôr-do-sol (Bandeiras), do brasileiro Alexandre da Cunha, uma série de seis fotografias "turísticas", com mar e palmeiras à vista.

Esse idílio é, porém, cortado por formas geométricas brancas ou pretas, que aludem à constituição de uma bandeira e irrompem na paisagem original. Ao provocar no espectador um estranhamento súbito, a obra questiona, de forma sutil mas direta, a ideia de nação implícita no conceito da bandeira.

Revolution des Alltäglichen
'Pôr-do-sol (Bandeira I)', do brasileiro Alexandre da CunhaFoto: Alexandre

Como acentua o catálogo da exposição, essas obras têm certamente seu berço original no ready-made de Marcel Duchamp. Roda de Bicicleta (1913), o primeiro objeto cotidiano declarado obra de arte, continua, quase cem anos mais tarde, sendo aludido como referência para a arte contemporânea, sendo também aqui lembrado pela curadoria desta mostra de pequenas (mas pertinentes) "revoluções do corriqueiro", propostas por oito artistas latino-americanos.

A mostra Revolutionen des Alltäglichen – zeitgenössische lateinamerikanische Kunst (Revolução do Cotidiano – arte contemporânea latino-americana), no Museu Morsbroich, em Leverkusen, reúne obras dos artistas Alexandre da Cunha (Brasil), Diego Hernández (Cuba), Gabriel Kuri (México), Glenda León (Cuba), Jorge Macchi (Argentina), Wilfredo Prieto (Cuba), Valeska Soares (Brasil) e Martin Soto Climent (México) e pode ser vista até o dia 1° de novembro próximo.

Autora: Soraia Vilela
Revisão: Augusto Valente