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"Mudanças climáticas contribuíram para guerra na Síria"

Ruth Krause (av)30 de novembro de 2015

Estudo aponta que agravamento das secas e deslocamento da população estão ligados à eclosão do conflito. Regime Assad só estava preocupado com situação econômica no curto prazo, afirma pesquisador em entrevista à DW.

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Guerra entre forças de Assad e rebeldes aflige Síria há mais de quatro anos
Foto: Z. Al-Rifai/AFP/Getty Images

Um estudo recente publicado na revista científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) aponta que as mudanças climáticas globais foram um dos fatores que contribuíram para fazer eclodir a guerra civil na Síria, em 2011.

O principal autor da pesquisa é Colin Kelley, pós-doutorando do Departamento de Geografia da Universidade de Santa Barbara, na Califórnia. Em entrevista à DW, ele afirma que entre os elementos centrais de conexão entre o clima e o conflito sírio estiveram o agravamento das secas causado pelo aquecimento global, a destruição das colheitas e o consequente deslocamento da população.

DW: A guerra civil na Síria começou há mais de quatro anos, em março de 2011. O que o senhor quer dizer quando afirma que as mudanças climáticas contribuíram para o conflito?

Colin Kelley: Há uma clara sequência de eventos [climáticos] antes da insurreição, por exemplo: uma tendência ascendente na temperatura ao longo dos últimos 85 a 100 anos. Nos últimos 25 anos, houve três secas. A última, pouco antes do início do conflito, durou entre três e quatro anos e foi a mais severa já registrada. Então, nos perguntamos: quão severas essas secas teriam sido sem a tendência ascendente da temperatura, que presumimos ser induzida pelo homem? E descobrimos que haveria uma grande diferença no grau de severidade. Portanto, isso apontou as mudanças climáticas como um fator que contribuiu para a seca.

Qual foi o impacto da seca?

Ela foi tão severa que basicamente causou o colapso da agricultura na região nordeste [da Síria], cujos habitantes dependiam muito da produção de trigo. Com a seca e a perda da safra, muitos fazendeiros deixaram suas localidades, e começou uma migração em massa para as cidades. Isso foi logo depois de os Estados Unidos terem começado a intervenção militar no Iraque. Então, combinando isso com o crescimento natural da população, houve um tremendo choque demográfico nas cidades do oeste da Síria.

O acréscimo populacional chegou a 50% entre 2002 e 2010, e os recursos simplesmente não bastaram para lidar com ele. O governo [do presidente sírio Bashar al-] Assad também fez muito pouco para apoiar essa população. Portanto, todos esses fatores se encontraram e empurraram [os sírios] para além do limite de resistência deles.

É possível quantificar cientificamente a alta da temperatura e o crescimento demográfico. Mas pode-se medir o papel das mudanças climáticas, em relação a outros fatores como a falta de liberdade de expressão, a Primavera Árabe nos outros países, e assim por diante?

É muito difícil, talvez impossível, quantificar cada um dos efeitos que confluíram para causar a revolta. Também havia muito pouca informação disponível sobre quantas pessoas seguiram para qual cidade. Porque essa informação igualmente era guardada a sete chaves pelo governo sírio e porque a situação era simplesmente muito caótica.

Mas temos informações bastante confiáveis sobre as estimativas populacionais do crescimento total. Se você tem esse crescimento e não dispõe de recursos suficientes para lidar com ele, não é difícil imaginar como isso pode contribuir para a revolta que ocorreu. As mudanças climáticas agiram como um potencializador da ameaça.

Dürre im Irak
Seca de 2009 também devastou o vizinho IraqueFoto: ddp images/AP Photo/Hadi Mizban

O que se poderia ter feito para prevenir o conflito, nesse contexto?

Na nossa publicação, mencionamos que um grande número de fatores contribuiu para o nível de vulnerabilidade da Síria. Por exemplo, o país dava uma grande ênfase á produção de trigo, que perfazia 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Depois da seca, esse número despencou, e quase do dia para a noite a Síria passou de exportadora líquida a importadora líquida de trigo.

A safra de trigo depende fortemente das chuvas de ano para ano, mas também no nível do lençol freático. E este se esgotou bem para além dos limites da sustentabilidade. Mas o regime Assad não estava preocupado com o que pudesse acontecer no futuro, mas só em melhorar a própria posição econômica no curto prazo.

Como as mudanças climáticas afetam a atual situação da Síria, e que papel desempenharão no futuro?

Os modelos climáticos sugerem que essa região vai continuar a ficar mais seca ao longo do século 21 – e isso certamente é alarmante. Mesmo que o conflito chegasse logo ao fim, isso representará um problema real para os agricultores, por exemplo, que estão tentando compor uma base de subsistência sustentável.

Que passos deverão ser tomados?

É preciso que se pense mais no longo prazo, que haja um foco real sobre os tipos de eventos passíveis de ocorrer com frequência, no futuro. Tem havido uma carência disso, e não só na Síria. Os políticos só cumprem um mandato curto, eles não atuam por 50 ou 100 anos. Por isso, se dá muita ênfase ao futuro próximo, e muito menos ao de longo prazo. Acho que esse tipo de questão [de longo prazo] está realmente ficando cada vez mais importante.