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"Nunca fomos aliados de Cunha", afirma Kim Kataguiri

Jean-Philip Struck10 de novembro de 2015

Um dos líderes dos protestos contra o governo diz defender afastamento do presidente da Câmara e explica por que quer impeachment de Dilma. Kataguiri foi eleito pela "Time" um dos jovens mais influentes do mundo.

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Kim Kataguiri é um dos líderes do Movimento Brasil Livre, um dos organizadores dos protestos contra o governoFoto: privat

Ele tem 19 anos e dedica seu tempo integral a tentar derrubar a presidente Dilma Rousseff e forçar a saída do PT do governo. Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri foi responsável, junto com outros grupos, pela convocação e organização de três protestos antigovernamentais que levaram milhares de brasileiros às ruas ao longo do ano.

Morador de Santo André (SP), fã do ex-presidente americano Ronald Reagan e defensor de princípios liberais – incluindo a privatização de setores como saúde e educação –, Kataguiri começou sua carreira de ativista antipetista após abandonar a faculdade de economia, ainda no primeiro ano. Suas primeiras aparições públicas ocorreram quando postou uma série de vídeos na internet defendendo o liberalismo e criticando o Bolsa Família.

Após se aproximar de outros jovens que partilhavam das mesmas ideias, participou da fundação do MBL no final de 2014, grupo que, segundo Kataguiri, é financiado por meio de doações de pessoas físicas que se interessam pelo movimento. No final de outubro, Kataguiri foi incluído pela revista americana Time numa relação dos 30 jovens mais influentes do mundo, ao lado de figuras como a paquistanesa Malala Yousafzai e a modelo americana Kendall Jenner.

Confira a entrevista que Kataguiri concedeu à DW Brasil, na qual fala sobre os objetivos do movimento, a aproximação com a oposição e suas ideias.

DW Brasil: Por que você acredita que Dilma deve deixar o governo?

Kim Kataguiri: Ela cometeu um crime de responsabilidade por causa das chamadas pedaladas fiscais – essa é a base jurídica para um processo de impeachment. Existe o debate se ela pode ser punida por algo que aconteceu no mandato anterior, algo que eu acho absurdo, já que tem que existir uma continuidade no governo. Ainda que exista essa discussão, também existem pedaladas fiscais no atual mandato.

Independentemente de tudo isso, também existe o aspecto do estelionato eleitoral. Ela não só não cumpriu as promessas de campanha, como fez exatamente o contrário. Cortou verbas para a educação, saúde etc. E o país está nessa situação, com inflação maior do que a popularidade do governo, com o dólar, a inflação e o desemprego disparando.

Mesmo que ela tenha a convicção para fazer as reformas que o Brasil precisa para crescer, ela não tem mais o poder político para isso. Ela só luta para se manter no cargo.

Brasilien Protest gegen Dilma Rousseff in Brasilia
Em Brasília, manifestantes exibiram um boneco gigantesco de DilmaFoto: Reuters/U. Marcelino

Entre as manifestações de março e abril houve uma diminuição de público. Depois, na manifestação de agosto, o público voltou a aumentar, mas ainda assim foi menor do que o registrado no primeiro protesto. Significa que as demonstrações estão tendo dificuldade para engrenar?

Da manifestação de março para a de abril houve de fato uma diminuição. O governo chegou a ter a sensação de que elas estavam perdendo força, mas desde então a reprovação da presidente só vem aumentando. Acho que a indignação não está diminuindo, mas o que está ocorrendo é um crescimento da desesperança. Existe um sentimento imediatista de que você vai fazer uma manifestação contra a presidente e, no dia seguinte, você já vai derrubá-la. As pessoas não enxergam o impeachment num cenário maior. Três meses atrás estávamos muito mais longe do processo. Agora existe um movimento oficial da oposição. As pessoas querem resultados imediatos, não sabem que o trabalho tem que ser feito com continuidade, com persistência. Mas eu acredito que ainda este ano vamos conseguir convocar mais uma manifestação com proporções similares à que ocorreu em março.

O governo afirma que administrações anteriores, como as de FHC e de Lula, também fizeram uso das pedaladas fiscais, e que mesmo assim não se discutiu impeachment.

Existe esse argumento do governo de que os antecessores fizeram a mesma coisa, mas eu estive presente no julgamento do Tribunal de Contas da União, e o relator mostrou com muita clareza que só o governo de Dilma Rousseff executou pedaladas fiscais. Esse crime em si só foi cometido pelo governo dela. Mesmo que outros presidentes tivessem cometido a mesma coisa, isso não significa que a presidente deve ficar impune.

Qual a relação do MBL com Eduardo Cunha?

Sempre mantivemos uma relação institucional com ele. O primeiro encontro com ele ocorreu quando protocolamos o pedido de impeachment, em maio. Nossa relação sempre foi de cobrança, para saber se ele ia deferir ou indeferir. Ao contrário do que os veículos de imprensa brasileiros vêm divulgando, nós nunca fomos "aliados" de Cunha. Nós nunca o defendemos, tanto que hoje estamos pedindo o afastamento dele por causa das contas na Suíça. Se o Lula fosse o presidente da Câmara, teríamos protocolado com o Lula. O presidente da Câmara é o único que pode receber os pedidos.

Mas o movimento nunca teve Cunha como alvo, ainda que desde o início do ano ele tenha sido implicado no escândalo da Petrobras. Não há uma contradição em acusar o governo de corrupção e ao mesmo tempo ignorar Cunha?

A partir do momento em que a denúncia chegou ao Supremo, nós passamos a defender o afastamento do Cunha. Antes disso, as coisas contra ele não eram tão evidentes quanto hoje. Não acho que entre fevereiro e a denúncia ele tenha sido poupado e que exista seletividade.

Mas a PGR incluiu Cunha numa lista de políticos investigados antes mesmo da primeira manifestação, em março.

Contra a Dilma havia mais indícios do que contra ele antes do envio dos documentos pelo Ministério Público da Suíça. De qualquer forma, não pedimos o impeachment de Dilma com base em delação premiada, com base no Petrolão, ou denúncia no STF – até porque não existe nenhuma. Nós pedimos com base nas pedaladas fiscais.

Mas, no caso de Dilma, vocês já defendiam a saída dela antes mesmo de o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitar por completo as contas do governo.

Sim, mas o julgamento do TCU tratou das contas no geral. Antes ele já havia condenado o governo por causa das pedalas em si. Já havia documentos do Ministério Público de Contas apontando as pedaladas, que constaram em nosso pedido de impeachment, entregue em maio. A rejeição da contas não existia, é verdade, mas já havia documentos oficiais comprovando as pedaladas, algo que caracterizava um crime.

Diferentes relatos de bastidores apontam que Cunha está negociando tanto com a oposição quanto com o governo. A possibilidade de um processo de impeachment por enquanto está ligada aos movimentos de Cunha. Vocês não temem que os protestos e a maior pressão sobre o Planalto acabem servindo à sobrevivência do deputado?

Eu acredito que não. O processo de impeachment em si independe de Cunha continuar ou não na presidência da Câmara. Se ele cair, nós vamos pressionar o próximo presidente. E eu acredito até que ele esteja negociando com o governo para se salvar, mas também acho que não existe nada que o governo possa fazer para preservar o seu mandato. Não acredito que a pressão popular possa ser usada como barganha. O Cunha não tem nenhum poder sobre as manifestações.

Como você vê o PSDB, o principal partido de oposição ao governo?

O PSDB foi um partido que nós tivemos que empurrar ladeira acima para que ele apoiasse o impeachment. Tivemos que bater muito para que eles levassem os anseios populares para a política. Conseguimos pautar a oposição. Em 15 de março, ninguém queria falar de impeachment. É verdade que a maior parte do PSDB não quer a saída de Dilma e que muitos membros só adotaram o discurso por causa da pressão popular. É um partido que age de acordo com seus interesses eleitorais, e não por princípio.

Vocês acham então que estão pautando o PSDB, como o Tea Party faz com os republicanos nos EUA?

Eu acredito que sim. É um paralelo interessante.

No caso de uma saída de Dilma, você pensa que um governo do vice-presidente Michel Temer seria melhor para o país?

Sim. O PMDB tem poder político para avançar com as reformas que o país precisa fazer, como a trabalhista, a orçamentária e as privatizações. Agora, quanto à vontade política, eu acho que eles já cederam bastante por causa da pressão dos movimentos, tanto que lançaram um programa liberal de governo, que deve ser analisado em novembro. É um partido sem ideologia própria, que vai com a onda. E a onda mais forte hoje, querendo ou não, é o liberalismo, que é o que estamos defendendo. Então acho que seria melhor. Não por convicção própria do Temer ou de outros membros do partido, mas por causa do momento político. Eles vão ser obrigados a adotar as reformas que nós precisamos.

Mas Temer e o PMDB participam do governo Dilma há quase cinco anos – o mesmo governo que é tanto acusado de corrupção quanto pelas pedaladas fiscais.

Estou pensando em termos práticos. Seria melhor? Seria. O Temer tem capacidade política. E o PMDB é um partido baseado em prefeituras. Então é fácil esperar que a pressão popular acabe atingindo o partido. Agora, moralmente falando, é óbvio que o PMDB foi um partido essencial no esquema do Petrolão, mas nós vamos continuar insistindo, fazendo pressão contra os escândalos e as denúncias que forem surgindo. Agora não adianta ficar fantasiando sobre uma coisa que ainda não aconteceu.

Brasilien Demonstration gegen Regierung Dilma Rousseff
A Avenida Paulista, em São Paulo, reuniu o maior número de manifestantes nos três grandes protestos de 2015Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida

Como você define sua ideologia?

Eu e o movimento defendemos a descentralização do poder e valores liberais. Queremos também a privatização de empresas, como a Petrobras e a Eletrobras, e dos sistemas de educação, saúde e saneamento. No caso da educação, por exemplo, defendemos a distribuição de vales (ou vouchers) pelo governo, para que as pessoas sem condições de pagar sejam atendidas em instituições privadas de qualidade.

Quais são seus ídolos?

Eu gosto muito do Milton Friedman (1912-2006), que ganhou o Prêmio Nobel de economia. O também economista Ludwig von Mises (1881-1973), o maior expoente da Escola Austríaca. Além, do ex-presidente americano Ronald Reagan e da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

Qual é seu modelo de país? Na América Latina existe algum?

Como exemplo a ser seguido, vejo o Chile, o país mais desenvolvido da América Latina, onde uma política de privatizações foi levada a sério. Eles também seguem o modelo de vouchers de educação. Outra coisa interessante no Chile é a burocracia, muito menor do que no Brasil.

Mas o Chile experimentou recentemente uma série de protestos que pediram justamente maior participação estatal na educação. Você não acha que esse tipo de privatização também geraria conflito no Brasil?

Esse modelo está mesmo em debate no Chile, mas eu acredito que esteja funcionando. O Chile é o único país da região que tem previsão de se tornar rico. No Brasil, esse modelo de interferência estatal não está funcionando. A educação básica e fundamental são uma porcaria. E, no superior, os mais pobres são obrigados a pagar faculdade particular porque estão bancando por meio de impostos sobre o consumo a universidade dos mais ricos. Isso já é argumento para adotar.

Ainda no Chile, que você cita como exemplo de privatização, boa parte das receitas do governo vem de estatais que atuam na extração de cobre. Esse é mesmo um exemplo liberal?

Então eu pego o exemplo dos EUA. Eu não vejo nenhuma grande empresa estatal que seja um exemplo nos EUA. Lá tem grandes empresas de tecnologia. Eles exportam muito commodities, mas também tecnologia. As inovações e os pontos fora da curva sempre saem da iniciativa privada. É possível que uma empresa estatal seja administrada de maneira eficiente e que ela dê lucros, mas os incentivos para isso são menores do que se houver uma gestão privada. No caso das estatais, você obriga a população a bancar a empresa caso ela dê prejuízo. Uma vez que a empresa é privada, os prejuízos também vão ser privados.

Mas, nos EUA, em especial a partir da crise de 2008, o governo socorreu muitas empresas privadas, entre elas bancos, com pacotes de ajuda financeira.

Eu acredito que existe um mito corporativista de que existam "empresas grandes demais para quebrar". Eu não acho que o governo deve salvar empresas que quebraram. Isso é premiar o fracasso e cria um incentivo perverso para que aquela empresa faça investimentos mais arriscados. É muito mais uma visão corporativista do que uma visão liberal. Não acredito que seja possível que ocorra um colapso em todo o sistema de mercado porque uma empresa quebrou.

Você tem alguma ambição política?

Eu não tenho nenhum objetivo imediato. Não vou me candidatar nas eleições de 2016. Não tenho nada para 2018 também, mas não descarto. O movimento vai ter candidatos, a ideia é ter bancadas liberais nas câmaras municipais e depois até no Congresso. Um dos nossos coordenadores, Fernando Holiday, vai sair para vereador em São Paulo. Pretendemos ter candidatos em todos os Estados. A atuação na política é algo que vamos encampar, sim.