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O adeus do goleiro-artilheiro

Philip Verminnen11 de dezembro de 2015

Foram 25 anos com a camisa do mesmo clube, uma coleção de títulos e uma série de recordes: Rogério Ceni, o goleiro que foi além dos limites de sua área, pendura as luvas aos 42 anos tendo deixado legado para a posição.

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Foto: Imago/AFLOSPORT

Foram 1237 partidas, 131 gols marcados e mais de 30 títulos – oficiais e não oficiais – conquistados na carreira. E (quase) um único clube de futebol: o São Paulo Futebol Clube. Depois de vestir por 25 anos o uniforme tricolor, Rogério Ceni, o maior goleiro-artilheiro da história do futebol, pendura suas luvas ao fim desta temporada.

Nesta sexta-feira (11/12), o "M1TO" – como foi carinhosamente apelidado pela torcida são-paulina – será homenageado com um jogo amistoso que reúne alguns dos craques dos esquadrões multicampeões de 1992/1993 e 2005. A despedida conta com a presença de nomes como Zetti, Raí, Müller, Cafu, Toninho Cerezo, Aloísio, Amoroso, Mineiro, Lugano, Muricy Ramalho, Renê Santana (filho do icônico treinador Telê Santana), entre outros.

Pela última vez como atleta profissional, Rogério Ceni passa pelos enormes portões de ferro, senta em seu lugar demarcado no vestiário e pisa no gramado do estádio Cícero Pompeu de Toledo. O Morumbi, palco onde viveu diversas glórias, amargas derrotas e inúmeras horas de sua vida, foi literalmente sua casa nos seus quatro primeiros anos em São Paulo.

Notório mundialmente por estabelecer uma série de recordes – maior número de partidas com a camisa de um clube, goleiro que mais marcou gols na história, jogador brasileiro com mais partidas na Copa Libertadores, único goleiro a marcar numa competição oficial da Fifa... –, Rogério exercitou também um papel quase onipresente de liderança no São Paulo.

Mineiro: "Liderança natural dentro do grupo"

"O Rogério sempre exerceu uma liderança natural dentro do grupo. Todos, desde dirigentes a funcionários, sempre respeitaram o Rogério porque entedíamos que as decisões dele sempre eram pensando no melhor para o São Paulo", relembra o ex-volante Mineiro, que atuou com o capitão tricolor nas vitoriosas temporadas de 2005 e 2006. "Ele reflete exatamente aquilo que o torcedor e o clube almejam."

Seu espírito de liderança se manifestou antes mesmo de ter assumida a titularidade da meta tricolor. Na conquista da Copa São Paulo de Futebol Junior de 1993, foi Rogério quem negociou a premiação com a diretoria do clube. E, em 1996, o que hoje é o sonho de muitos torcedores são-paulinos ocorreu de forma quase despercebida.

Durante um jogo contra o Mogi Mirim pelo Paulistão, o então treinador Muricy Ramalho foi expulso, e Rogério Ceni não só assumiu o comando da equipe por 45 minutos, como efetuou substituições e até ordenou que o goleiro Zetti fosse para a área adversária numa cobrança de escanteio.

Galerie - Towart Rogério Ceni
São quatro marcas no Livro Guinness dos Recordes: goleiro com mais gols no geral, de pênalti e numa temporada, além de mais jogos por um único clubeFoto: São Paulo FC

"Se eu tivesse à frente do São Paulo como dirigente, ele com certeza seria uma indicação como treinador", brinca Mineiro, que atualmente mora na Alemanha, onde encerrou sua carreira pelo TuS Koblenz, em 2012. "Rogério é um cara muito inteligente, um nível intelectual acima da média, um cara de opinião, mas que sabe respeitar o espaço de cada um", completa o autor do gol que deu o tricampeonato mundial ao São Paulo, em 2005.

A força nos bastidores

A liderança de Rogério não se limitava às preleções, às resenhas na boca do túnel de acesso ao gramado ou à braçadeira de capitão, que ele usou por 978 vezes – recorde na história do futebol mundial. Sua intervenção no São Paulo transcendia as quatro linhas.

Na final da Copa Libertadores, quando o placar já apontava 2 a 0 para o São Paulo, Rogério puxou o atacante Aloísio, na época no Atlético-PR, de lado e sussurrou: "Vai devagar que eu já mandei trazer você para ir ao Mundial com a gente." Pouco tempo depois, Aloísio estava treinando no CT da Barra Funda. A contratação, encaminhada por Rogério Ceni, mostrou-se fundamental nas conquistas do Mundial 2005 e do tricampeonato brasileiro de 2006, 2007 e 2008.

Rogério também mostrou ter influência em demissões. Em 2013, Ney Franco era o comandante e não teve uma relação harmoniosa com o capitão do time. Após desentendimento iniciado por uma substituição desaprovada pelo goleiro, Ney Franco resolveu peitar Rogério publicamente – e perdeu a queda de braço.

No entanto, liderança não pode ser exercida sem mostrar trabalho e sem se dedicar ao máximo à profissão que pratica. É senso comum no meio do futebol que Rogério Ceni carrega um gene perfeccionista e que gostava de puxar turnos extras em campo ou na academia. E foi desta forma que o capitão tricolor adquiriu suas qualidades com os pés.

"Rogério com os pés é muito melhor que Neuer"

Nos primeiros anos no clube, entre todos os fundamentos treinados por um goleiro, Rogério tinha uma dificuldade enorme em cobrar tiros de meta. Foi o então preparador de goleiros Valdir Joaquim de Moraes que o ensinou a bater na bola. Sua obstinação e perseverança em treinar com a bola nos pés na época levariam Rogério a ser referência mundial em saída de jogo, lançamentos e cobranças de falta. O próprio arqueiro contabilizou que chegou a cobrar entre 2.500 e três mil faltas por mês.

O trabalho rendeu frutos. Além da série impressionante de gols em cobranças de falta, Rogério Ceni revolucionou a importância e o posicionamento de um goleiro em campo. A postura de atuar fora da grande área do goleiro da seleção alemã, Manuel Neuer, foi celebrada pela imprensa internacional como uma novidade na Copa do Mundo de 2014.

O treinador Muricy Ramalho, o primeiro técnico a autorizar que Rogério batesse faltas nas partidas, lembrou que o esquema do São Paulo tricampeão brasileiro entre 2006 e 2008 foi montado com ele atuando como líbero, evitando o chamado "chutão" dos defensores. Sem mencionar a precisão nas reposições.

"Rogério com os pés é muito melhor que o Neuer, disso não tenha dúvida. Realmente acho que eles não acompanharam a carreira dele porque ele está muito acima do Neuer com os pés", afirmou Muricy.

Homenagens: lenda, recordista, exemplo

A enfim aposentadoria de Ceni foi manchete nos principais jornais esportivos do mundo. O tom das reportagens foram bastante similares: enaltecendo as estatísticas do goleiro-artilheiro e o fato de ter atuado com "uma só camisa", como estampou o jornal italiano La Gazzetta dello Sport. O espanhol Marca publicou um vídeo com os "melhores gols de falta", inclusive o centésimo, marcado contra o Corinthians em 2011.

Atletas e ex-jogadores, como Ronaldinho Gaúcho, Alex e Denílson, também postaram homenagens nas redes sociais. Ídolo do Palmeiras, o ex-goleiro Marcos publicou uma foto de um abraço no goleiro tricolor com a seguinte frase: "Seja bem-vindo à nova fase, MITO. #Respeito". Até o canal oficial da primeira divisão do Campeonato Italiano homenageou Rogério Ceni, chamando-o de "lenda mundial" e com a hashtag #Respect.

"Rogério é exemplo. Quando uma nova contratação chega ao clube, o cara logo vê quem é o cara do time. E ele começa a analisar o cara, ver como ele se comporta. E o Rogério, neste sentido, é especial. Um cara muito acima da média como pessoa, treina muito, dedicado demais. Então quando os caras chegam, eles respeitam muito", contou o treinador Muricy Ramalho, em entrevista antiga à emissora ESPN Brasil.

De Sinop ao coração dos são paulinos

No mundo do futebol, muitas histórias de sucesso incorporam momentos de sorte e coincidências. Com Rogério Ceni não foi diferente: nascido em 22 de janeiro de 1973, em Pato Branco no Paraná, Rogério Mücke Ceni se mudou aos 12 anos com sua família ao Mato Grosso devido à crise madeireira no estado paranaense.

A cidade escolhida foi Sinop – sigla para Sindicato dos Imobiliários do Norte do Paraná – onde Rogério logo acumulou as funções de auxiliar no Banco do Brasil e de meio-campista no time da empresa, além de atuar na equipe de voleibol da cidade. O passo da linha para a meta ocorreu por acaso: numa partida entre funcionários, o goleiro, que era o chefe de Rogério, não foi jogar. Por ser o mais novo, ele foi o escolhido. E foi tão bem, que acabou ficando e gostando da posição.

Aos 17 anos, Rogério recebeu o convite para ser o terceiro goleiro do Sinop Futebol Clube. Durante o campeonato estadual, os goleiros titular e reserva se contundiram. Contrariando a diretoria do clube, o então treinador Nilo Neves apostou em Rogério. Em seu primeiro jogo, defendeu uma penalidade e garantiu o empate fora de casa contra o Cáceres. Rogério Ceni manteve a titularidade, foi um dos destaques do campeonato e ajudou o Sinop a se sagrar campeão mato-grossense de 1990 – a única conquista do goleiro por um clube que não fosse o São Paulo.

Em 7 de setembro de 1990, Rogério Ceni deu início à sua trajetória no São Paulo. De cara, foi campeão paulista juvenil. Sua promoção ao elenco profissional em 1992, no entanto, ocorreu graças a outro infortúnio: a morte do colega de posição Alexandre, que adormeceu ao volante de seu carro saindo de uma festa. "Alexandre era muito melhor do que eu", conta o próprio Rogério em seu livro Maioridade Penal.

Mas quis o destino que Rogério Ceni se tornasse uma das maiores lendas do futebol brasileiro e, para muitos, o maior jogador da história do São Paulo. Para a torcida são-paulina, Rogério não é o "M1TO" simplesmente pelos gols, títulos ou recordes, mas porque o goleiro-artilheiro de fato defendia as cores do clube como um torcedor.

Em 2005, dez anos antes da aposentadoria, Rogério Ceni já sentenciou: "Esta é a última camisa que vou usar. Depois, vou me juntar à torcida e vou para o Morumbi".