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O alto custo da cura da hepatite C

Louise Osborne e Elke Opielka (GB)15 de junho de 2015

Estima-se que até 150 milhões de pessoas sejam portadoras do vírus, que causa cerca de 500 mil mortes por ano. Um novo medicamento traz esperança, mas o preço do tratamento pode chegar a 100 mil dólares.

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Foto: DW

James Jensen tinha apenas quatro anos de idade quando contraiu hepatite C. Somente mais de cinco décadas depois, aos 61, descobriu ser portador do vírus. Ele tentou, então, diversos tratamentos para combater a doença. Sem sucesso.

Até que surgiu o Harvoni, medicamento que resulta na cura em mais de 90% dos casos. O problema é o preço: paga-se até 100 mil dólares por um tratamento de 12 semanas nos Estados Unidos. Inicialmente, o seguro de saúde de Jensen se recusou a cobrir os custos.

"Senti que tinha recebido uma sentença de morte, porque é isso que essa doença é capaz de fazer", disse à DW. "Estava assustado e ainda estou."

Jensen segue em tratamento, mas agora se considera um dos pacientes de sorte. Após meses de negociação com o seguro, ele conseguiu acesso ao novo medicamento. No entanto, muitos seguros de saúde privados e governos consideram o remédio caro demais, e, com isso, doentes continuam sofrendo.

Mal silencioso

Desenvolvido pela empresa americana Gilead Sciences, o Harvoni está no centro da controvérsia envolvendo preços astronômicos de medicamentos para o tratamento de câncer, esclerose múltipla, diabetes e doenças cardíacas, por exemplo.

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Jensen descobriu ser portador de hepatite C aos 61 anos, mais de cinco décadas depois de contrair o vírus

Muitos desses remédios caros têm como alvo doenças que atingem uma pequena parcela da população, mas no caso da hepatite C, o número de infectados é de até 150 milhões. Cerca de 500 mil pessoas morrem todos os anos em decorrência de complicações hepáticas relacionadas à doença, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Conhecida como um mal silencioso, devido à tendência de permanecer imperceptível por décadas, a hepatite C ataca o fígado e pode causar cirrose e câncer. Transmitida via transfusão de sangue contaminado, injeções e, às vezes, por meio de relações sexuais, em muitos casos a doença não apresenta sintomas imediatamente. Isso significa que muitos descobrem que têm a doença apenas quando seus fígados já estão danificados.

Até recentemente, o tratamento para a hepatite C era limitado a medicamentos como o Interferon, que pode exigir um ano de terapia ou, em alguns casos, até mais. Os efeitos colaterais são semelhantes aos da quimioterapia, incluindo cansaço, náusea, depressão e perda de cabelo, entre outros.

Sucessor do Sovaldi, também do laboratório Gilead, o Harvoni foi anunciado pela OMS como uma "revolução terapêutica". O tratamento consiste em apenas um comprimido diário e, na maior parte dos casos, a cura é alcançada em até oito semanas. A maioria dos infectados, porém, vive em países em desenvolvimento do Oriente Médio, da Ásia Central e do Leste Asiático, onde o preço do remédio está fora do alcance de muitos dos enfermos.

"Faz parte de um movimento mundial de drogas cada vez mais caras", diz Stefan Wiktor, chefe do Programa Global de Hepatite da OMS. "É raro você ter um remédio que seja melhor e mais seguro do que o anterior. Não é correto que esses remédios sejam tão caros. Pessoas estão morrendo em vão porque os medicamentos custam demais."

Preços diferenciados

Como diversas outras empresas de medicamentos, a Gilead tem reagido com um sistema de preços diferenciados, o que significa que o custo do tratamento varia de acordo com o grau de desenvolvimento econômico do país. Os remédios custam mais na Europa e nos Estados Unidos, enquanto habitantes de países mais pobres pagam menos. No Egito, que tem a maior proporção de infectados em todo o mundo – 14,7% da população –, o tratamento custa 900 dólares.

"É uma fração do que custa na Europa e nos Estados Unidos. Achamos que é justo e o certo a fazer", diz Norbert W. Bischofberger, diretor do departamento científico da Gilead.

A empresa americana também licenciou o Sovaldi para produtores genéricos na Índia, a fim de disponibilizá-lo a baixo custo em 91 países em desenvolvimento.

"Fazemos nosso melhor para disponibilizar o medicamento em todos os países do mundo", acrescenta Bischofberger. "Essa é a nossa filosofia, para que, no final, todos os que precisam tenham acesso", complementa.

Ainda assim, considerando a renda média anual no Egito de por volta de 3.140 dólares, críticos dizem que as reduções não são suficientes. "Há muito mais espaço para baixar o preço", afirma Wiktor.

Lucros crescentes

Entre os fatores que as indústrias farmacêuticas como a Gilead culpam pelos altos preços está justamente o desenvolvimento dos medicamentos. Mas com lucros crescentes, torna-se cada vez mais complicado justificar isso ao público.

A Gilead adquiriu os direitos do sofosbuvir, o princípio ativo utilizado tanto no Sovaldi como no Harvoni, por meio da compra da empresa Pharmasset, por 11 bilhões de dólares, em 2011. Na época, a compra foi vista como arriscada, mas já foi compensada, pelo menos em parte.

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"Pessoas estão morrendo em vão porque os medicamentos custam demais", diz Wiktor, da OMS

Em 2014, ano em que a Gilead recebeu aprovação para o Sovaldi e para o Harvoni, as vendas subiram para 24,8 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, os lucros da companhia chegaram a 12,1 bilhões dólares, quase quatro vezes mais do que no ano anterior.

Erradicar a doença

A Gilead declarou que gostaria de erradicar a hepatite C dentro de dez ou 15 anos, e com o desenvolvimento de medicamentos, especialistas dizem que isso é biologicamente factível, pelo menos na teoria.

Na prática, porém, muitas pessoas nem mesmo sabem que estão infectadas. Portanto, em primeiro lugar, é preciso investir mais no diagnóstico do vírus e na prevenção da transmissão.

"Este é um momento histórico. Toda vez em que se observam mudanças dramáticas na eficácia de um tratamento, a visibilidade do problema aumenta", reforça Wiktor. "Mas realmente precisamos intensificar os testes e treinar todo o sistema de saúde sobre como distribuir esses medicamentos, avaliar o estado de pacientes e usar esses remédios. Isso é o que estamos tentando fazer, mas muito ainda tem que acontecer, e não se trata apenas de reduzir o preço dos medicamentos", diz.