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O desafio de conservar a arte que não foi feita para durar

13 de maio de 2012

É uma obra-prima da arte urbana: a ‘Nossa Senhora’ que o artista francês Blek le Rat desenhou em uma parede em Leipzig, na Alemanha. Agora, a obra deverá ser conservada.

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Grafite 'Mulher com criança' do artista francês Blek Le Rat, em LeipzigFoto: Sybille Metze-Prou

Durante muitos anos, a gestora cultural Maxi Kretzschmar passou pela pintura de Nossa Senhora na fachada de um edifício no caminho para a escola em Leipzig, no leste da Alemanha.

O grafite fascinou Maxi no início dos anos 1990, quando ainda era criança. Mas, com os anos, a pintura desapareceu por baixo de sucessivos cartazes e ela acabou a esquecendo. Até janeiro de 2012, quando passou de novo pelo prédio. Alguns cartazes estavam se descolando e ela reconheceu a figura de Nossa Senhora que a havia deslumbrado durante a infância.

Maxi tem hoje 28 anos e nos últimos cinco anos tem trabalhado no ramo da arte, tendo organizado, entre outros projetos, o festival internacional de arte urbana IBUg, perto de Leipzig. Quando ela descolou por completo as camadas de papel, logo se tornou claro que o que estava por baixo não eram rabiscos amadores.

Maxi Kretzschmar descobriu 'Mulher com criança', do artista francês Blek Le Rat
Maxi Kretzschmar descobriu 'Mulher com criança', do artista francês Blek Le RatFoto: Jan Schilling

A figura da Nossa Senhora trata-se, na verdade, da obra Mulher com criança, do artista francês Xavier Prou, também conhecido como Blek le Rat. Ele é tido como o pioneiro do estêncil. Utilizando esta técnica, as obras de arte não são desenhadas livremente na parede, como no grafite, mas são criadas com a ajuda de um molde trabalhado utilizado para estampar o desenho na parede com tinta ou aerossol. Blek le Rat começou a utilizar a técnica em 1981, muito antes dos estênceis do artista de rua britânico Banksy se tornarem conhecidos.

"Quando pintava nas paredes, tinha a sensação de deixar uma parte de mim nas cidades que visitava", disse Le Rat.

Obra pós-reunificação

A obra que Le Rat deixou em Leipzig está agora na lista estadual dos monumentos históricos da Saxônia. "É uma pequena sensação", diz Annekatrin Merrem, do gabinete para a defesa do patrimônio de Leipzig. Normalmente, constam destas listas somente trabalhos de épocas remotas e pode demorar algum tempo até que um monumento seja escolhido.

Grafite foi protegido com uma placa de madeira
Grafite foi protegido com uma placa de madeiraFoto: Maxi Kretzschmar

Mas os especialistas levaram apenas três meses para classificar a Nossa Senhora de Le Rat como obra de arte. Não basta apenas que a obra tenha um alto valor artístico, é necessário também que seja representativa de um determinado período artístico.

"Os subúrbios no sul de Leipzig tinham imensas pinturas na parede", recorda Maxi Kretzschmar. "Mas infelizmente há já muito poucas".

Sorte, então, para a Nossa Senhora de Le Rat: "Como uma das últimas obras representativas do período pós-reunificação, a pintura é vista como algo a proteger em particular", explica Merrem.

História de amor

A Nossa Senhora de Leipzig não é apenas uma obra de arte impressionante ou um trabalho representativo do período depois da reunificação das duas Alemanhas, ela conta também uma história de amor. No início dos anos 1990, Blek le Rat foi até Leipzig depois de o convidarem a pintar algumas imagens nas paredes da universidade, e ele usou a oportunidade para deixar suas marcas na cidade.

"Era um tempo em que o grafite ainda não havia sido criminalizado", disse Le Rat, que na época tinha quase 40 anos.

Le Rat dedicou a obra à mulher por quem tinha se apaixonado, Sybille, natural da cidade. Sybille e Le Rat estão casados há 20 anos e têm um filho de 19 anos.

"Seria bom se o grafite pudesse ficar aqui, pois significa muito para Sybille e para mim", disse o artista. A Nossa Senhora foi a obra de Le Rat que sobreviveu mais tempo até agora.

Novo terreno

Obra do artista urbano Banksy em Londres: 'Se o grafite mudasse alguma coisa seria ilegal'
Obra do artista urbano Banksy em Londres: 'Se o grafite mudasse alguma coisa seria ilegal'Foto: DW

A questão sobre se o grafite pode, ou não, ser considerado arte não é nova. Os especialistas já a conhecem há algum tempo. Na cidade alemã de Aachen, por exemplo, foi também conservado um grafite do artista Klaus Paier, em 2011. "A obra Os Namorados foi conservada por razões artísticas e históricas", diz Monika Krücken, que trabalha na área da conservação do patrimônio. Restam hoje em dia poucos desenhos políticos de Paier.

O grafite é também um tema controverso em Aachen, diz Krücken, mas, tal como em Leipzig, os especialistas chegaram depressa à conclusão que esta era uma forma de arte. "Até o antigo prefeito de Aachen era a favor da proteção dos grafites", recorda a conservadora de monumentos. "Sem o seu apoio teria sido difícil proteger Os Namorados".

Também na Suíça e no Reino Unido está se pisando em novo terreno e estão sendo tomadas medidas para a conservação de grafites: Em Zurique, Undine, de Harald Naegeli, é considerada uma obra protegida. Em Bristol, os cidadãos votaram em referendo para reconhecer os trabalhos de Banksy como obras de arte. Alguns trabalhos do artista que foram danificados deverão ser restaurados.

'Os Namorados', de Klaus Paier
'Os Namorados' de Klaus PaierFoto: Regina Weinkauf

No entanto, quer sejam de Banksy, de Paier ou de Le Rat, em última análise, eles são todos trabalhos de Street Art, ou arte urbana. Por isso, não foram feitos para durar. A cidade de Aachen teve sorte: a pintura de Paier estava ainda em um inacreditável bom estado de conservação, mas o grafite de Le Rat em Leipzig mostra sinais de deterioração.

"É um desafio para os restauradores, para os conservadores de arte e para os artistas", diz a conservadora de monumentos Merrem. Será que se deverá colocar um vidro sobre os muros em que os grafites foram pintados? Como é que se preserva uma obra que não foi feita para durar? Em Leipzig, ainda não se chegou a um consenso. Blek le Rat diz simplesmente: "C'est la vie, é grafite".

Autor: Jan Schilling (gcs)
Revisão: Roselaine Wandscheer