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'O jogo acabou'

Enrique López Magallón (av)24 de outubro de 2008

Em entrevista à DW-WORLD.DE, representante dos interesses de investidores alemães comenta estatização de aposentadorias na Argentina. "Esse tipo de ação só se pode tapar buracos a curto prazo."

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Presidente Cristina KirchnerFoto: REUTERS

A proposta do governo argentino de estatizar os fundos de aposentadoria causou alvoroço financeiro, tanto no próprio país como no mercado de valores de Madri. As principais empresas afetadas são de origem espanhola. Por outro lado, periódicos como La Nación documentam longa série de episódios semelhantes durante a história argentina.

Stefan Engelsberger representa há anos um grupo de alemães que tenta cobrar do governo argentino a restituição de seus investimentos no país. Em entrevista à DW-WORLD.DE, ele expõe seu ponto de vista sobre o projeto de lei para estatizar o sistema privado de aposentaria naquele país latino-americano.

DW-WORLD.DE: A presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, afirmou que a estatização dos fundos de aposentadoria é a salvação contra o saque público. Porém a oposição argentina assegura que, com esta medida, quem saqueia é o governo argentino. Como o senhor descreveria a estatização dos chamados AFJP? Trata-se de uma decisão puramente econômica ou há destinatários precisos?

Stefan Engelsberger: É uma medida com orientação precisa que, ao mesmo tempo, tem um caráter econômico. A oposição reconhece, de maneira acertada, que o governo argentino necessita de dinheiro a curto prazo para tapar os furos. Isto é um fato. O governo argentino fracassou este ano ao tentar elevar os impostos sobre as exportações, graças à resistência dos produtores agrícolas. Em seguida procurou conseguir verbas no Clube de Paris, com o aval das nações industrializadas. Aí fracassou, pois o país não está em posição de honrar suas dívidas.

Segundo a versão do governo, a estatização deveria restituir a confiança na economia argentina. Contudo ocorreu exatamente o contrário, o índice de risco do país chegou a níveis comparáveis aos de 2001...

Norbert Blüm und Rupert Neudeck
Norbert Blüm (e) protagonizou o épisódio da 'rentenlüge'Foto: AP

Claro! Com esse tipo de ação só se pode tapar buracos a curto prazo. Comparando com a Alemanha: aqui ainda existem as chamadas rentenfremdleistungen – o Estado pegou vários milhões das aposentadorias, destinando-os, por exemplo, à construção de infra-estrutura no Leste da Alemanha, após a reunificação. O ministro do Trabalho, Norbert Blüm, assegurou na época que os fundos de aposentadoria estavam garantidos. O episódio passou à história alemã como a rentenlüge (mentira das aposentadorias). Na Argentina ocorre algo semelhante. Os afetados recebem uma suposta indenização em títulos do governo, muito mal cotados. Trata-se, portanto, de uma estatização sem indenização. Porém a longo prazo o dano é gigantesco. Se a Argentina não tapar os furos orçamentários, em dois ou três anos haverá a necessidade de novos fundos. E estes não venderão, pois agora todos sabem que a Argentina jamais pagará.

Neste caso, se fala de 23 bilhões de euros...

E a Argentina não consegue construir confiança a longo prazo. No tocante aos investidores alemães que represento, o ex-presidente [Néstor] Kirchner os insultou de forma permanente. "Não conseguirá nada de nós, você é um espertalhão", me dizia, enquanto ria na minha cara. Então eu soube que nunca nos pagaria. Fizemos propostas de investimentos muito produtivas. Mas isso não lhes interessa, só querem saquear. Os produtores agrícolas se defenderam com êxito, portanto, esperemos. Talvez essa iniciativa também fracasse no Congresso.

O senhor mencionou o tema da dívida com o Clube de Paris. A Argentina saldou há pouco sua dívida com essa instituição...

Nestor Kirchner
Segundo a imprensa argentina, Néstor Kirchner estaria por trás da medidaFoto: dpa

Senhor López, não se saldou nada! Em setembro foi anunciado que a mencionada dívida seria paga, na semana passada disseram que não pagariam. Não é mais do que um show, mas infelizmente muitos argentinos não vêem a coisa assim.

Para finalizar, volto ao tema dos fundos de aposentadoria. Se o projeto de lei passar, que conseqüências acarretaria a longo prazo?

Hoje em dia a Argentina não consegue um só centavo, de ninguém. Nada de dinheiro fresco, nem mesmo dos próprios argentinos, nem do Brasil, China ou Estados Unidos. A estatização das aposentadorias somente reforça este fato. Hoje os países industrializados não dispõem mais de fundos para dar de presente aos argentinos. O Banco Interamericano de Desenvolvimento também deixará um dia de emprestar. O jogo acabou. A administração Kirchner parece ser a única que não se dou conta disso.