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O masculino e o negro

Rodrigo Rimon, de Berlim16 de junho de 2003

O dançarino e coreógrafo paulistano Ismael Ivo encerra o festival IN TRANSIT, na capital alemã, com três apresentações de seu novo espetáculo solo "Mapplethorpe", baseado na obra do polêmico fotógrafo norte-americano.

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Ismael Ivo entusiasma em espetáculo considerado conceitual demaisFoto: In Transit 2003

Quando os convidados adentram o auditório da Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, Ismael Ivo já está no palco, seminu, trancado num estreito túnel vertical translúcido inserido numa parede de metal, de costas para o público, ao som de cliques de câmeras fotográficas. Quando a música de Steve Reich ressoa alta, Ismael começa sua sufocante tentativa de escapar do túnel, uma alusão à condição de homossexual, tema dos mais freqüentes na fotografia de Robert Mapplethorpe (1947—89).

A aparentemente frustrada tentativa sucede, quando a parede cai e no palco surge um campo de lírios brancos — outra referência típica de Mapplethorpe —, como que uma passagem para o mundo fictício do fotógrafo, que chocou a sociedade americana durante os anos 60 e 70 ao evidenciar a condição de objeto sexual em que o corpo do homem negro havia sido transformado. Ao fundo do palco estão posicionados espelhos, com os quais Ivo interage.

A dança do punhal —

No terceiro esquete, Imortalidade, o centro da ação é uma pequena rampa bem ao centro do palco, de onde Ivo ressuscita diversos símbolos típicos de Mapplethorpe, como o homem negro vestido com um terno claro e o sapato branco de salto alto. A escuridão é quebrada por um foco de luz que ilumina cada parte de seu corpo, numa demonstração de expressividade e técnica.

Enquanto um vídeo reproduzido nos espelhos projeta nomes de negros executados e condenados à pena de morte nos EUA, Ivo dança com um punhal na mão, movendo seu corpo negro por entre os lírios brancos, rolando sobre eles, arrancando-os do chão, destruindo-os, comendo-os.

A cena final é quase uma celebração narcisística: Ivo dança sobre um pequeno altar, seu corpo exposto como uma escultura negra, seus movimentos precisos e repetitivos como num ritual, ao som de uma ária de Puccini.

O bailarino e o fotógrafo —

O espetáculo foi inspirado, conta Ivo, por um encontro com o fotógrafo ocorrido há 19 anos em seu estúdio em Nova York, quando Ivo estudava na companhia de dança de Alvin Ailey, e que lhe rendeu uma série de fotografias. Quatorze anos após a morte de Mapplethorpe, vítima da Aids, Ivo quis homenagear o fotógrafo que, segundo ele, "desvendou as fantasias e mitos que envolvem o corpo negro masculino".

Mesmo com um espetáculo conceitual — 70 minutos de passos calculados e carregados de símbolos —, Ismael Ivo agradou ao público alemão, já acostumado às excentricidades do bailarino, que vive na Alemanha desde 1985. Segundo o jornal Berliner Morgenpost, Ivo, "acusado pela crítica de narcisismo, deu novamente motivos para tal, com as encenações de seu próprio corpo". Até o tablóide popular BZ tratou do espetáculo: "Ivo não quer mostrar um culto ao corpo, mas contar histórias. E seu corpo conta uma história especialmente bonita", celebra o artigo. Segundo o Berliner Zeitung, "o que se vê no palco é muitas vezes um bailarino exaltado e narcisista, o que não parece incomodar sua fiel e de forma alguma pequena comunidade de fãs". Ivo recebeu flores e longos aplausos. Muitos aplaudiram de pé.