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O que as testemunhas disseram no julgamento de Dilma

Érika Kokay28 de agosto de 2016

Termina a fase dedicada a ouvir as testemunhas, na etapa final do processo de impeachment. Relembre o que falaram, nos três primeiros dias de julgamento, os depoentes arrolados pela acusação e defesa.

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Foto: Agência Senado/E. Rodrigues

O terceiro dia do julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff, neste sábado (27/08), pôs fim à primeira etapa da fase final do processo de impeachment, destinada a ouvir testemunhas. Desde a última quinta-feira, foram interrogados no Senado Federal sete depoentes.

Inicialmente, haviam sido convocadas duas testemunhas de acusação e seis testemunhas de defesa. No decorrer do processo, um depoente de acusação foi convertido à condição de informante, assim como duas testemunhas de Dilma. Dessa forma, seus depoimentos não têm mais valor de prova.

Além disso, na sexta-feira, a defesa dispensou a testemunha Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento, recentemente contratada para trabalhar no gabinete da senadora petista Gleisi Hoffmann, a fim de "evitar eventuais constrangimentos".

Dilma é acusada de crime de responsabilidade, por ter editado três decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso e pelas assim chamadas pedaladas fiscais, que são atrasos nos pagamentos da União para o Banco do Brasil em subsídios concedidos a produtores rurais através do Plano Safra.

Confira um resumo do que falaram os sete depoentes nos três primeiros dias de julgamento:

Júlio Marcelo de Oliveira, informante de acusação

O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), foi o primeiro a depor durante o julgamento, ainda na quinta-feira. Ele é o autor do parecer que rejeitou as contas do governo Dilma em 2014.

Em seu depoimento, o informante afirma que a então presidente da República cometeu um crime de responsabilidade ao praticar as pedaladas fiscais, que classificou como "um grande plano de fraude fiscal". Oliveira alegou que Dilma não poderia ter editado decretos sem autorização do Congresso.

O passo a passo do impeachment

Para ele, ainda em 2013 o governo Dilma deu início a um processo de maquiagem nas contas públicas. "Foi um grande plano de fraude fiscal, que contou com a omissão do registro das dívidas, com a fraude aos decretos de contingenciamento e com a utilização dos bancos públicos federais como fonte de financiamento ilegal, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou.

"Impossível imaginar que a presidente da República não tivesse conhecimento de que este problema grave estava acontecendo na sua administração", disse Oliveira, ao ser questionado sobre a culpa de Dilma nas práticas que estão sendo julgadas. "O dolo grita nos autos."

Antonio Carlos Costa D'Ávila Carvalho Junior, testemunha de acusação

O auditor federal do TCU Antonio Carlos Costa D'Ávila também depôs na última quinta-feira. Para a testemunha arrolada pela acusação, o governo Dilma sabia que estava realizando operações de crédito ilegais com bancos públicos e continuou com as mesmas práticas no ano de 2015.

Segundo D'Ávila, as pedaladas fiscais causaram um "dano muito grande" ao país não só de maneira direta, como também indireta. "Indireta porque toda perda de credibilidade que decorre da prática dessas operações irregulares trouxe aumento da taxa de juros, do custo para que as instituições contraíssem empréstimos no exterior", alegou o auditor em depoimento.

Ele acrescentou que, com os danos ao erário, houve perda de arrecadação e desemprego "em função desses atos omissivos". "Do meu ponto de vista, foram, sim, de responsabilidade da chefe do Executivo."

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, informante de defesa

O segundo dia de julgamento deu início aos depoimentos dos arrolados pela defesa de Dilma Rousseff. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzo, professor da Unicamp e o primeiro a depor, não houve pedaladas fiscais no governo petista em 2015, mas um "excesso de responsabilidade fiscal".

O informante declarou que a edição de decretos de crédito suplementar, presente na denúncia contra Dilma, ocorreu em meio a um ajuste fiscal que resultou em queda do Produto Interno Bruto (PIB) e da arrecadação. "Eu chamei isso de 'despedalada', porque, na verdade, ela acentuou o caráter pró-cíclico do gasto", ressaltou. "Não houve crime de responsabilidade, foi erro de política econômica."

Segundo Belluzo, não há nenhum elemento que incrimine a presidente afastada. Ele alertou, ainda, que o impeachment desgasta muito a imagem do Brasil no exterior. "Eu tenho prova disso, de falar com acadêmicos internacionais. As pessoas ficam aturdidas com o que está acontecendo."

Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, testemunha de defesa

O consultor jurídico e professor de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado opinou que Dilma não pode ser responsabilizada pela prática, uma vez que "os decretos resultam de um processo complexo, do qual participam várias pessoas e órgãos".

"Como ser negligente, se um ato é praticado com o parecer de 30 assessorias?", questionou em seu depoimento.

Prado acrescentou que "a condenação de alguém por crime de responsabilidade, sem que haja crime de responsabilidade, é injusta". "Qualquer tribunal pode cometer injustiças. Quem vai julgar as injustiças, a posteriori, naturalmente não é a história, é o povo", alertou o jurista.

Questionado pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN) sobre a possibilidade de o processo de impeachment ser conduzido por "motivos meramente políticos", a testemunha destacou: "Não basta não gostar do governo: é necessário ficar comprovada a prática de um crime de responsabilidade."

Luiz Cláudio Costa, testemunha de defesa

O ex-secretário-executivo do Ministério da Educação Luiz Cláudio Costa, o último a depor na sexta-feira, defendeu que a abertura de crédito suplementar para atender universidades federais e outras instituições de ensino, em 2015, não teve impacto fiscal.

Ele explicou que esses decretos "simplesmente permitem ao gestor fazer uma alocação melhor da verba para os programas que acha mais importantes", e não alteraram o teto de gastos da pasta.

"No caso específico, o que foi dado foi simplesmente a possibilidade de gestão do orçamento, o que é bom para o país e para as universidades", defendeu o ex-secretário.

Segundo Costa, o próprio TCU pediu para que fossem editados os decretos de suplementação – e foi isso que foi feito no ano passado com a edição do decreto de crédito suplementar. Desde 2009, a Lei de Diretrizes Orçamentárias reflete essa prática, afirmou.

O ex-secretário acrescentou que, com esse entendimento entre o Ministério da Educação e o TCU, os decretos de suplementação orçamentária que resultam de excessos de arrecadação jamais haviam sido contestados antes do pedido de impeachment da presidente afastada Dilma.

Nelson Barbosa, testemunha de defesa

Primeira testemunha a falar na sessão deste sábado, o ex-ministro Nelson Barbosa, que comandou as pastas do Planejamento e da Fazenda no governo Dilma, defendeu que os decretos de créditos suplementares não aumentaram os gastos do governo e "seguiram estritamente o que está na lei".

"A elaboração dos decretos segue um procedimento já regulamentado da mesma forma há mais de dez anos. Há um sistema da Secretaria de Orçamento Federal para apresentação de pedidos de créditos suplementares. Todo esse sistema é regulamentado pela lei orçamentária, que foi aprovada pelo Congresso Nacional", destacou no plenário.

De acordo com Barbosa, o governo parou de editar os decretos quando foi questionado pelo TCU em 2015. "Se há mudanças, não se pode retroagir com a aplicação da lei", alertou a testemunha.

Dessa forma, "não há base para crime de responsabilidade" da presidente afastada, nem na edição dos decretos, nem nas chamadas pedaladas fiscais. "O impeachment é, por definição, uma decisão política a partir da verificação de um crime. Não o contrário. Não se parte de uma decisão política para depois caracterizar um crime", acrescentou o ex-ministro.

Ex-ministro Nelson Barbosa cumprimenta o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que comanda o julgamento
Ex-ministro Nelson Barbosa cumprimenta o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que comanda o julgamentoFoto: picture-alliance/dpa/C. Gomes

Ricardo Lodi, informante de defesa

O advogado Ricardo Lodi, professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), foi o último depoente da etapa de oitivas do julgamento. Para ele, não houve crime de responsabilidade, materialidade ou dolo da presidente afastada.

Segundo o advogado, Dilma é vítima de uma mudança na interpretação da lei: as pedaladas fiscais não eram consideradas irregulares até antes de uma mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União, em 2015.

"É a tentativa de imputação de um crime quando, no momento que os fatos ocorreram, aquela conduta era considerada lícita por todos, pelo TCU, pelos técnicos do governo, pela doutrina", destacou Lodi. "O que se faz nesse processo de impeachment é criar um crime após o outro."

Seguindo a linha de outros depoentes convocados pela defesa, Lodi afirmou que não pode haver impeachment por "juízo político". "Parece-me que muitas vezes há preocupação com uma avaliação política do governo, e não com uma investigação dos crimes de responsabilidade", concluiu.

Próximos dias

O próximo passo é o depoimento de Dilma no Senado, marcado para as 9h00 desta segunda-feira (horário de Brasília). Para apresentar pessoalmente sua defesa, a presidente afastada disporá de 30 minutos, prorrogáveis por tempo indeterminado. Em seguida, os senadores poderão questioná-la.

Somente na terça-feira devem se pronunciar os 81 senadores. Cada um terá dez minutos para falar, antes de todos proferirem seu voto. A votação será por painel eletrônico, aberta e nominal.

São necessários 54 votos de senadores para que seja decretado o impeachment. Havendo essa maioria, Michel Temer deixa de ser presidente interino e é empossado como presidente da República. Caso contrário, Dilma é absolvida da acusação de crime de responsabilidade e reassume o cargo.