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O que muda com a saída de Cardozo do Ministério da Justiça?

Jean-Philip Struck29 de fevereiro de 2016

Ministro vai para a chefia da AGU, e procurador baiano ligado a Jaques Wagner assume pasta responsável pela Polícia Federal. Troca é vista como uma concessão ao PT, que deve diminuir o poder de Dilma.

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Foto: Agência Brasil

O governo confirmou na tarde desta segunda-feira (29/02) que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, vai deixar o cargo. Especulações sobre a saída do ministro já rondavam Brasília há meses, mas a saída se consuma num momento delicado, em que o governo está desgastado e em que investigações do Ministério Público e da Polícia Federal – que responde à pasta – se aproximam do ex-presidente Lula. No lugar de Cardozo assume o ex-procurador-geral da Justiça da Bahia Wellington César Lima e Silva.

Cardozo vinha enfrentando uma forte pressão do PT. Não era segredo na capital que o partido estava insatisfeito com a atuação do ministro, acusado de fazer "corpo mole" por não conseguir, ou querer, conter ações e vazamentos da Lava Jato, que prejudicavam a sigla.

Inimigos do governo, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também fizeram repetidas acusações contra Cardozo, só que afirmando que o ministro usava a pasta para enfraquecer os adversários.

Pressão

Nos últimos meses, Cardozo vinha desempenhando um papel duplo, que não agradava nem ao PT nem à oposição. O ministro possuía a atribuição institucional de zelar pela independência da Polícia Federal (PF) enquanto a Lava Jato desgastava o Planalto, mas também foi a figura do governo que assumiu de maneira mais enfática a defesa de Dilma Rousseff durante a crise que desembocou na abertura do processo de impeachment. Cardozo também defendeu publicamente o ex-presidente Lula.

Essas últimas ações, no entanto, não foram suficientes para conter seu isolamento dentro do PT, partido com o qual já havia experimentado atritos mesmo antes da sua indicação como ministro.

A divulgação sobre a saída de Cardozo ocorreu um dia após a festa de 36 anos do partido, celebrada no Rio e Janeiro. Cardozo não compareceu. Durante o evento, vários petistas reclamaram das ações da PF e do Ministério Público. O ex-presidente Lula, por sua vez, se queixou publicamente das investigações que pesam contra ele e seus filhos.

Na semana passada, um grupo de deputados petistas também pediu que o ministro acelerasse o início de investigações contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por suspeita de corrupção passiva no caso envolvendo pagamentos a uma antiga amante, a jornalista Miriam Dutra. Segundo a imprensa brasileira, Cardozo vinha afirmado a interlocutores próximos que a pressão estava ficando insustentável.

Isolamento

Em meio aos conflitos com o PT, o ministro vinha se mantendo no cargo apenas para atender Dilma, de quem é bastante próximo. Agora, sua saída deve ter como consequência uma perda de poder da presidente.

"Essa situação vinha mostrando o conflito entre a agenda de Dilma e os desejos do PT. O partido vem tentando pressionar o governo. A troca alivia um pouco o isolamento de Dilma na sigla, mas também diminuiu o seu poder em relação ao PT e Lula", afirma o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Cardozo é o ministro que ocupou a pasta por mais tempo desde a redemocratização do país, tendo passado 62 meses no cargo. Ele também é o último sobrevivente no governo do núcleo dos "três porquinhos" da campanha que levou Dilma à Presidência em 2010. Os outros dois eram Antonio Palocci, que caiu em desgraça após mais um escândalo, e José Eduardo Dutra, que morreu em 2015. Outro nome ligado ao núcleo, o marqueteiro João Santana, foi preso na semana passada pela PF.

O agora ex-titular da Justiça Cardozo ainda vai fazer parte do governo, desta vez na chefia da Advocacia-Geral da União (AGU), que também tem status de ministro. Caso ele abandonasse completamente a pretensão por manter qualquer cargo, Dilma ficaria praticamente sem qualquer pessoa da sua intimidade no dia a dia ou no núcleo decisório do seu governo.

Já Lima, sucessor de Cardozo no ministério, é ligado ao ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. O próprio Wagner já havia embarcado no governo por sugestão de Lula no ano passado, quando o ex-presidente usou a sua influência para promover mudanças na Esplanada dos Ministérios e conter a crise com a base aliada e a crescente insatisfação do PT. Lula também sugeriu que Nelson Barbosa assumisse o lugar de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. "Essas trocas mostram uma perda de identidade do governo Dilma", afirma Cortez.

Interferência

A saída de Cardozo também levanta dúvidas sobre o futuro da Polícia Federal e, consequentemente, sobre o papel da corporação na Lava Jato.

Um dos temores pós-Cardozo envolve a chefia da PF. Apesar da independência da corporação ter se solidificado desde o início do governo Lula, em 2003, a nomeação de seu diretor-geral é de atribuição do ministro da Justiça. Atualmente, o posto é ocupado por Leandro Daiello, que também é alvo de críticas constantes de membros do PT e de políticos envolvidos na Lava Jato. Com a saída de Cardozo, a permanência de Daiello no cargo no longo prazo permanece incerta.

Além disso, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Adef) manifestou o temor de que a saída de Cardozo faça com que o Ministério seja instrumentalizado por políticos para tentar frear a Lava Jato. Nesta segunda-feira, a associação divulgou nota em que diz ter recebido a notícia sobre a saída do ministro com "extrema preocupação" e que vai lutar para que a PF se mantenha "livre de pressões externas ou de orientações político-partidárias".

Partidos da oposição, como o PSDB, aproveitaram para acusar o PT e Lula de forçarem a saída de Cardozo para interferir na Lava Jato.

Para Cortez, no entanto, é difícil avaliar como um novo ministro poderia efetivamente interferir na operação. A PF é subordinada ao Ministério da Justiça, mas, de acordo com a Constituição, tem autonomia para investigar qualquer cidadão. Uma boa parte das atividades da Lava Jato também é de responsabilidade do Ministério Público e do Judiciário, um órgão e um poder sobre os quais o ministério não tem influência.

"De qualquer forma, o fato de o temor em relação a esse risco institucional ter sido levantado mostra o quão lamentável é a situação. Tal coisa teria um potencial traumático para as instituições", afirma Cortez.