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Opinião: A chantagem de Trump

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Michael Knigge
9 de março de 2018

Sob maciça oposição global e doméstica, Trump impôs as tarifas anunciadas sobre aço e alumínio. Hora de o Congresso reconhecer que seu presidente é perigoso demais para agir sem freios, opina o jornalista Michael Knigge.

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Donald Trump justifica tarifas com argumentos esfarrapados de segurança nacional
Donald Trump justifica tarifas com argumentos esfarrapados de segurança nacionalFoto: picture alliance/dpa/AP Photo/E. Vucci

Apenas dias após anunciar seu plano de impor tarifas a diversos países sobre as importações de aço e alumínio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump cumpriu a promessa, decretando formalmente a medida.

Ele isentou os vizinhos México e Canadá, sob a condição de se alinharem com os EUA no Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta). A outros países, presumivelmente os aliados dos EUA na Europa e Ásia, ofereceu a possibilidade de negociação, com base em algumas discussões vagas sobre questões de segurança.

Existe um nome para isso: chantagem.

Fora, possivelmente, a China e alguns adversários dos americanos, pode ser que aliados e vizinhos fiquem totalmente isentos das tarifas de Trump, mas após os comentários do presidente a coisa toda segue tão indefinida quanto antes.

Michael Knigge é correspondente da DW em Washington
Michael Knigge é correspondente da DW em Washington

Certo está, contudo, que forçar aliados europeus e asiáticos de longa data a, basicamente, implorar por uma isenção não é nem apropriado nem magnânimo. É, antes, um tapa na cara de parceiros tradicionais de Washington como a Alemanha ou a Coreia do Sul. E poderá desencadear uma guerra comercial.

A decisão também mina qualquer resquício de confiança ou esperança que os aliados dos EUA ainda pudessem ter em relação a esse presidente. Pois – que não haja dúvida – o argumento de que punir os parceiros de segurança de Washington na Otan e na Ásia possa, de algum modo, favorecer a segurança nacional americana, é absurdo e um mero pretexto para Trump se mostrar durão no comércio e cumprir sua promessa de campanha.

Não é nenhuma surpresa que se tenha chegado a esse ponto, como deixou claro a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, uma semana atrás, ao ser indagada por um repórter se Trump tinha algum tipo de preocupação quanto aos efeitos da medida.

"Isso não deveria vir como uma surpresa para ninguém. É algo, francamente, de que o presidente tem falado há décadas, certamente algo de que falou regularmente durante a campanha." Por uma vez na vida, as palavras de Sanders refletiam a realidade: Trump de fato concorreu e venceu com essa premissa. Quem não se lembra mais do "America first"?

A ideia de defender empresas e trabalhadores dos EUA indo atrás dos supostamente malvados estrangeiros que extorquem americanos indefesos e roubam seus empregos, não era um mero argumento da plataforma trumpista. No fim das contas, ele vê tudo o que é estrangeiro como uma ameaça econômica ou criminal.

Seu posicionamento xenófobo estava óbvio desde o dia em que anunciou sua candidatura à presidência, e em seguida chamou os mexicanos de estupradores; ele estava evidente no discurso de Trump sobre o comércio, em julho de 2016, quando explicitamente expôs o intento de "usar todo o poder presidencial legal" para resolver disputas comerciais.

Na visão de mundo trumpista, de "jogo de soma-zero", deportar imigrantes sem documentos e conter a imigração legal é um lado da moeda; impor tarifas e se retirar de acordos comerciais é o outro.

O ex-diretor de campanha e ex-conselheiro do atual presidente Steve Bannon definiu-se certa vez como "nacionalista econômico". O rótulo também se aplica a seu antigo patrão: embora alguns outros assessores de Trump – os adultos na sala – tentem às vezes desviar ou redirecionar os impulsos insensatos de bully de playground, de investir contra os outros, isso nem sempre funciona.

Trump também tem repetida e rotineiramente posto em prática seu impulso de punir parceiros ou países que não "jogam limpo" – o que quer que isso queira dizer. Por exemplo, ao retirar os Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP), o mega-acordo que Washington vem negociando há anos com importantes aliados asiáticos; ou quando anunciou a retirada do Acordo do Clima de Paris, apesar do apoio maciço ao pacto, de praticamente todos os lados.

Uma vez que o profundamente sedimentado posicionamento de Trump na questão das tarifas era conhecido o tempo todo por qualquer um que acompanhasse sua presidência, mesmo de longe, devemos nos envergonhar por agora estarmos surpresos.

Mas Congresso americano também deve ter vergonha por não cumprir sua função de supervisionar a Casa Branca. Tentar dar conta de um presidente instável agradando-o, distraindo-o ou afrontando-o verbalmente não é uma estratégia política nem sólida nem sustentável.

Caso se permita que valha o precedente estabelecido por Trump – de usar um argumento esfarrapado de segurança nacional, baseado numa cláusula legal tirada do fundo do baú, para avançar sua agenda econômica nacionalista – outros países seguirão o exemplo, minando, assim, a política comercial sobre a qual há consenso internacional.

Os republicanos no Congresso precisam por fim reconhecer que é simplesmente perigoso demais deixar espaço para Trump manobrar unilateralmente em questões centrais como tarifas, não só para os Estados Unidos, mas para o mundo. Em vez disso, devem restringir os poderes dele nesse sentido, assim como fizeram com as sanções contra a Rússia.

Por ironia, a lei que teria exatamente esse fim foi introduzida pelo republicano Mike Lee, do conservador Tea Party, no dia da posse de Trump: é o Global Trade Accountability Act. Se o Congresso não conseguir aprovar essa legislação ou uma semelhante, as consequências serão drásticas.

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