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Opinião: Populismo vence na Itália

5 de dezembro de 2016

Os defensores do "não" ganharam votando com a emoção, não com a razão. Resultado do referendo pode afundar a Itália em nova crise e afetar toda a Europa, opina o correspondente da DW Bernd Riegert.

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Bernd Riegert é correspondente da DW em Bruxelas
Bernd Riegert é correspondente da DW em Bruxelas

Matteo Renzi é o segundo chefe de governo na União Europeia obrigado a renunciar este ano após um referendo. Primeiro o premiê britânico, David Cameron, agora o italiano. Ambos fracassaram diante de coalizões de cidadãos irados, populistas de esquerda e de direita e eleitores avessos a reformas. No resto da Europa soam os sinos de alarme da UE porque os populistas conseguiram mais uma vitória fatal. Do lado direito comemoram Marine Le Pen na França e Matteo Salvini, da Lega Nord, na Itália. Do lado esquerdo, Beppe Grillo e sua oposição radical triunfam. "Viva Trump, viva Putin, viva Le Pen!", festejou no Twitter o extremista de direita italiano Matteo Salvini, que quer dividir o norte da Itália do sul. Mal dá para acreditar no nível em que o debate político foi parar.

Obviamente a escolha democrática de 60% dos italianos deve ser respeitada, ainda mais considerando o atipicamente elevado comparecimento às urnas. Mas as razões que levaram a esta vitória esmagadora são difíceis de entender. Os irados, os frustrados, os esquecidos, mas também muitos que se beneficiam do sistema parcialmente corrupto da Itália mandaram Renzi para o deserto. Será que eles consideraram as consequências? Será que eles têm uma receita melhor? O desempenho da já enfraquecida economia vai ser afetado pela incerteza agora criada. Que investidor entra em um país onde, nas próximas eleições, um antipolítico do movimento Cinco Estrelas pode vir a alcançar a maioria?

O próprio Matteo Renzi foi, em grande parte, responsável por isso. Ele é um jogador político que não tem medo do risco. Quando venceu de forma clara a eleição europeia em 2014, sentiu-se forte o suficiente para pôr em curso uma reforma do Estado. Ele conectou o seu destino político à reforma e propôs ao povo italiano uma espécie de voto de confiança. Quando as pesquisas começaram a indicar que ele havia dado um passo maior que a perna, Renzi voltou atrás para, logo em seguida, timidamente confirmar que renunciaria diante da vitória do "não". De repente, não se tratava apenas dele, mas somente da Itália. Só que os eleitores não caíram nessa conversa. A oposição, com o populista-mor Beppe Grillo à frente, farejou sua chance. Grillo também decidiu apostar tudo e convenceu os italianos de que Renzi os queria enganar e lhes roubar a democracia. Isso é, naturalmente, uma bobagem sem tamanho, assim como todo o programa do comediante e blogueiro.

Renzi tentou – com muita arrogância e presunção – enxugar a máquina pública da Itália e torná-la mais ágil. A abordagem era basicamente correta, ainda que nem todos os detalhes tenham sido bem-sucedidos, segundo especialistas e cientistas políticos. Mas Renzi, que assumiu como uma grande "bola de demolição", queria pelo menos mostrar que mudanças em sistemas engessados e parcialmente corruptos são possíveis. Não deu resultado nenhum, pelo menos por enquanto. Renzi terá de arcar com as consequências do seu arriscado plano – e não apenas ele.

A comunidade financeira e os investidores vão punir a já estagnada economia da Itália e deixar os bancos endividados à própria sorte. A Itália pode até voltar à recessão. As dívidas, que já são vultosas, podem crescer. Com isso, a Itália pode se tornar um problema europeu. E uma Itália em crise é tudo do que a UE pós-Brexit e ainda sofrendo com o problema grego menos precisa.

Na pior das hipóteses, a Itália terá um gabinete tecnocrata por um ano, o que significa um impasse de um ano até as eleições regulares. Se houver novas eleições antes, as chances são grandes de que a trupe do populista Grillo tome as alavancas do poder. Grillo, que constantemente alimenta a raiva e explora a frustração, quer deixar a zona do euro. Isso provavelmente seria o fim da união monetária, pois a Itália é o terceiro maior país do euro e um contribuinte líquido para o orçamento da UE e para os mecanismos europeus de resgate.

Na Itália, os populistas, ao contrário dos outros países da EU, não priorizaram a xenofobia,  a crise de refugiados ou o nacionalismo. Mesmo assim, a punição do governo italiano fortalece Geert Wilders na Holanda, ou Marine Le Pen na França, que no ano que vem vão à caça de votos usando seus slogans. De lá, o vírus populista pode chegar até à Alemanha. No outono europeu, o partido autodenominado "Alternativa para a Alemanha" quer mobilizar os cidadãos irados. E os italianos o ajudam indiretamente. Mamma mia!

Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.