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Processo justo?

22 de abril de 2009

Ao colocar piratas diante de um tribunal no Quênia, a UE infringe os mesmos direitos humanos cuja observância ela gosta de exigir dos países africanos, afirma o jornalista Daniel Pelz.

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Uma coisa a União Europeia (UE) conseguiu: com esperteza, ela encontrou uma solução africana para um problema internacional. Só que, ao colocar piratas diante de um tribunal no Quênia, a UE infringe os mesmos direitos humanos cuja observância ela gosta de exigir dos países africanos. Pois é quase impossível que os piratas obtenham um processo justo no Quênia.

Os tribunais quenianos estão cronicamente sobrecarregados e seus orçamentos são muito baixos. Alguns juízes precisam se ocupar com 50 casos por dia para conseguir superar sua carga de trabalho. Processos judiciais costumam durar vários anos. É frequente a perda de documentos ou o desaparecimento de provas.

Muitas vezes falta o dinheiro para computadores. A administração do setor judiciário é lerda e caótica. A UE perde sua credibilidade ao ignorar deliberadamente que a Justiça do Quênia ainda não é independente. Há poucos dias a ministra da Justiça renunciou ao cargo porque o presidente, por conta própria, resolveu nomear novos juízes.

Da mesma forma como muitos dos atuais juízes, o procurador-geral prestou bons serviços ao autocrata Daniel Arap Moi durante o regime unipartidário nos anos 1980 e 1990. Direitos humanos, Justiça independente – essas eram, naquela época, palavras estranhas para essas pessoas e ainda são para muitos hoje.

Em última instância, a União Europeia empurra para o Quênia um problema que ela ajudou a criar. Os piratas diante da costa somali são apenas uma consequência do colapso do Estado na Somália, colapso fomentado indiretamente ao longo dos anos pela Europa e pelos Estados Unidos.

Nos anos 1970 e 1980, isso se deu através do apoio a Siad Barres, então detentor do poder na Somália. Que ele tenha impulsionado a cisão da sociedade somali ao mandar matar milhares de membros de outros clãs era indiferente a Washington, Bonn e Bruxelas. Importante apenas era ter encontrado um aliado contra Moscou.

O mundo abandonou a Somália pela segunda vez nos anos 1990: as tropas internacionais, que deveriam restabelecer a ordem e a estabilidade, se retiraram do país sem fazer nada. Enquanto a Europa, alguns anos mais tarde, empregou até mesmo violência militar nos Bálcãs para impor os direitos humanos e a democracia, os governos acharam que tal sacrifício não valeria a pena na Somália.

A Europa ignorou os problemas da Somália pela terceira em 2005, quando, pela primeira vez sob a mediação de nações vizinhas, foi eleito na Somália um governo de transição parcialmente digno de confiança.

Seu clamor por uma força internacional de segurança foi deliberadamente ignorado por Bruxelas e por Washington. Em vez disso, permitiram o fracasso de uma tropa africana mal paga e mal equipada.

Se a União Europeia espera credibilidade ao se engajar pela democracia, justiça e direitos humanos, então ela tem de levar a Somália a sério. Permitir um julgamento justo aos piratas seria um primeiro e correto passo.

Autor: Daniel Pelz

Revisão: Alexandre Schossler