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Opinião: Uma guerra que ninguém quer

4 de dezembro de 2015

A Alemanha enviará soldados para a Síria, a fim de combater os jihadistas do "Estado Islâmico". Uma decisão pouco justificável e que acarreta maiores perigos, opina o jornalista da DW Marcel Fürstenau.

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Kommentarfoto Marcel Fürstenau Hauptstadtstudio
O jornalista Marcel Fürstenau, da redação da DW em BerlimFoto: DW/S. Eichberg

O 13 de novembro de 2015 é para a França o que o 11 de setembro de 2011 foi para os Estados Unidos. Em largas linhas, é evidente e legítimo traçar tal paralelo. Tanto naquele momento como agora, a Alemanha prometeu solidariedade ao país atacado por islamistas fanáticos.

O gesto é compreensível, do ponto de vista humano e político, mas será que essa promessa tem, necessariamente, que incluir todas as formas de participação militar concebíveis? A resposta é "não". Pois solidariedade incondicional também pode acarretar obediência cega.

O exemplo mais desencorajador dessa variedade de adesão irrefletida foi a Guerra do Iraque, em 2003, de que felizmente a Alemanha não participou. As dúvidas da coalizão de governo em Berlim – na época, constituída por social-democratas e verdes –, se baseavam na bizarra argumentação dos EUA de que o regime de Saddam Hussein disporia de arsenais ilimitados de armas de extermínio em massa. O que era uma mentira descarada, como ficou constatado mais tarde.

Desta vez este não é, absolutamente, o caso. A ameaça representada pelo "Estado Islâmico" (EI) é concreta e comprovável. Ninguém nega o caráter profundamente desumano desse grupo terrorista. Nada é sagrado para os dirigentes do EI e seus submissos colaboradores espalhados pelo mundo. A vida dos outros, é óbvio, mas também a própria, é sacrificada sem hesitar, em nome de uma causa supostamente mais alta.

Atentados suicidas como o de Paris contam entre as armas mais afiadas do arsenal dos autodenominados "combatentes de Deus". Por isso, eles são tão imprevisíveis, podendo irromper a qualquer momento e em qualquer lugar. Isso está claro para todos.

Apesar disso, o governo alemão se permite a ilusão de que seja possível vencer o EI com ainda mais ofensivas aéreas. Trata-se de uma espécie de autoengano. Há meses, americanos e franceses bombardeiam as posições inimigas, recentemente com reforço russo e britânico. E no entanto a zona de domínio e influência dos jihadistas não se reduziu significativamente.

Por que isso mudaria se 1.200 soldados alemães com um punhado de aviões de reconhecimento Tornado forem intervir nos acontecimentos? Especialistas em política e assuntos militares independentes do governo têm enormes dúvidas quanto ao sucesso da empreitada. Acrescentem-se considerações de direito internacional, que ainda não estão descartadas, nem de longe.

Mesmo que, um dia, as estruturas da rede de terror sejam destruídas, isso não representa garantia de pacificação da região. É longa a lista das operações de guerra frustradas, neste ainda jovem século. Afeganistão, Iraque, Líbia: todos eles são Estados esfacelados, de cujo solo brotou e continua brotando mais terrorismo. Isso sem falar da Síria, onde súbito se anunciam alianças militares as quais, até poucas semanas atrás, todos os participantes consideravam coisa do diabo.

Quem teria pensado que um carniceiro como Bashar al-Assad, o presidente sírio, voltaria a ser adulado pelo Ocidente? Só essa mudança de curso já mostra quão desorientada e desesperada é a ação do Ocidente e, portanto, também da Alemanha.

O governo em Berlim se colocou num beco sem saída. Ele sabe que a mobilização bélica agora aprovada implica riscos altíssimos, para os soldados lá fora e para a população no país. Pois, naturalmente, cresce o perigo de atentados do EI em solo alemão. Esse bando criminoso e seus potenciais combatentes vivem em nosso meio. O atroz modelo para tal são os ataques de Paris, perpetrados por assassinos que eram, na maior parte, franceses de origem muçulmana.

Movida por solidariedade bem intencionada, a Alemanha participa agora de uma guerra para a qual não há argumentos convincentes, nem políticos nem militares. O governo federal e os deputados que votaram a favor da operação na Síria não querem parecer covardes.

Essa decisão, que não é fácil para nenhum dos envolvidos, tem também um toque de tragédia humana. No momento, o drama de consciência dos partidários dessa intervenção da Alemanha na guerra deve ser maior do que o dos opositores. Os quais, por sua vez, tampouco têm motivos para estar tranquilos com o próprio "não": pois também eles não foram capazes de oferecer uma alternativa convincente.

Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.