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Esporte

Imprensa livre leva goleada na Copa

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Thomas Latschan
17 de junho de 2018

Repórter alemão que revelou escândalo de doping russo não foi ao Mundial na Rússia por temer represálias. Caso mostra que, no país de Putin, jornalismo investigativo sai sempre perdendo, opina Thomas Latschan.

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WM 2018 - Russland - Saudi-Arabien
Vladimir Putin faz discurso de abertura em MoscouFoto: picture-alliance/dpa/AP/Pool Sputnik Kremlin/A. Druzhinin

Enquanto milhares de jornalistas aguardavam ansiosamente o início da Copa do Mundo na Rússia, um deles não estava presente: Hajo Seppelt. O jornalista esportivo da emissora pública alemã ARD é considerado na Alemanha uma instituição, um incansável especialista em questões de doping, internacionalmente conhecido, duro na queda, investigativo e desconfortável.

Mas quando bilhões de torcedores assistiam ao jogo de abertura da Copa do Mundo na Rússia, um deles estava lá: Vladimir Putin. Ele precisa da Copa do Mundo para apresentar a si mesmo e seu país ao mundo: a Rússia, a amistosa anfitriã. Rússia, a grande potência refortalecida. E, claro, Rússia, a orgulhosa nação esportiva, em cujo brilho Putin pode se bronzear.

As escuras sombras que há muito tempo pairam sobre esta nação esportiva não devem ser vistas pelos torcedores de modo algum. Hajo Seppelt lançou muitas sombras sobre o brilho esportivo russo nos últimos anos. Sombras demais, do ponto de vista russo.

Ele revelou o doping sistemático organizado com apoio estatal no esporte russo, provocando o banimento parcial de atletas russos nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, e de 2018, em Pyeongchang. Ele transformou  a Rússia, por isso, num tipo de inimigo público.

Frequentemente, ele recebe mensagens abertamente hostis pela internet, insultos, ameaças de morte. No período que antecedeu a Copa do Mundo, as autoridades russas o declararam persona non grata e recusaram-lhe o visto, que só foi concedido após a intervenção da chanceler federal alemã. No entanto, agências de segurança alemãs afirmam que o jornalista esportivo está ameaçado por um "risco imprevisível", caso entre na Rússia.

Há muito se sabe que o jornalismo crítico está ameaçado na Rússia. Jornalistas políticos são abertamente perseguidos, pressionados, intimidados e às vezes temem por suas vidas. Desde o final de 2017, representantes da mídia internacional podem até ser classificados como "agentes estrangeiros". Os jornalistas críticos russos no exterior também estão cada vez mais expostos a campanhas de ódio promovidas por trolls russos, brigadas da web e bots da internet.

Jornalista esportivo alemão Hajo Seppelt
Jornalista esportivo alemão Hajo SeppeltFoto: picture-alliance/dpa/J. Wolf

Mas até agora é algo inédito que a situação de segurança na Rússia se torne tão crítica também para um jornalista esportivo estrangeiro – fato que revela mais uma vez o quão limitada é a liberdade de imprensa no país anfitrião da Copa. Fontes ligadas aos serviços de segurança alemães temem que, ao entrar no país, Seppelt possa ser interrogado e até detido por suposta "falta de cooperação".

Mesmo "atos espontâneos de violência" de indivíduos contra Seppelt não são descartados. Isso mostra o quão claramente a alma do povo russo está em ebulição, quanta hostilidade, ao invés de esclarecimento, domina o discurso na própria Rússia. O governo russo parece mesmo não estar interessado em um esclarecimento completo do escândalo de doping em seu próprio país – especialmente no momento atual.

Na verdade, seria necessária agora uma declaração clara da Fifa. O artigo 3° do estatuto da entidade máxima do futebol mundial afirma que a liberdade de imprensa e mídia é um dos requisitos básicos que um anfitrião da Copa deve cumprir. Aqui, seria necessário um sinal claro em direção a Moscou de que repórteres não deveriam ser impedidos de realizar seu trabalho só porque as suas reportagens não agradam ao Kremlin. Se a Fifa fosse consequente, teria usado este precedente também para repensar sua prática genérica de permitir que o Mundial seja sediado em autocracias. Até agora, no entanto, nada se ouve da sede em Genebra. A Federação Internacional de Futebol joga para ganhar tempo.

E não importa quem se tornará o campeão, pelo menos este jogo será vencido por Putin e a Fifa. Porque, quando a bola rola, toda a indignação desaparece rapidamente. A atenção total fica, então, – como sempre – apenas no aspecto esportivo. E mesmo que isso seja o mais escandaloso nessa história: em todo caso, é o jornalismo crítico que sai de campo como o perdedor na Rússia.

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