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Opinião: Nada de novo em Cuba

Carolina Chimoy
Carolina Chimoy
20 de abril de 2018

O mundo todo fala de uma reviravolta histórica, do fim da era Castro após quase 60 anos. Mas a eleição de Díaz-Canel para a presidência significa uma mera mudança de nome no comando do país, opina Carolina Chimoy.

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Carros antigos em Cuba
"Os velhos automóveis da ilha são quase um símbolo da política cubana, infinitamente recauchutado"Foto: DW/Wulf Wilde

Jornalistas de todo o mundo deram entrada num pedido de visto para cobrir esse evento histórico. Mas poucos receberam permissão do Estado cubano para entrar no país. A elite política de Cuba aparentemente acredita que, na realidade, esta eleição não seja nada especial, mas algo bastante normal na ilha caribenha.

De alguma forma, eles estão certos: Cuba ainda é uma ditadura, o resultado da eleição do novo presidente de Cuba pela Assembleia Nacional já era claro muito antes da votação. Miguel Díaz-Canel é o homem que põe fim à era Castro e, ao mesmo tempo, dá continuidade a ela.

O político de 57 anos, engenheiro elétrico por formação, já era aos 33 anos primeiro secretário do Partido Comunista de sua província natal, Villa Clara. Depois, o que se seguiu foi uma carreira exemplar dentro do partido e do Estado. Um homem fiel ao sistema e linha-dura, maciçamente promovido por Raúl Castro e escolhido há muito como seu sucessor. Cinco anos atrás, Castro já o havia tornado o primeiro vice-presidente do Conselho de Estado e de Ministros. Ele é um soldado obediente do Partido Comunista de Cuba.

Mais do que uma mudança de nome e de geração no comando do país socialista não está previsto. E assim, os dois maiores desafios da ilha permanecem: a desesperada situação econômica assim como as relações com os EUA. Não há grandes mudanças à vista também nessas duas frentes. Não só porque se tornou presidente um leal sucessor de Raúl Castro, mas também porque este continua a dar as cartas nos bastidores: ele continua sendo o primeiro secretário do Partido Comunista.

O comentário de Díaz-Canel sobre a visita de Barack Obama à ilha em 2016 foi: "É uma tentativa dos EUA de destruir a Revolução Cubana." Visto dessa forma, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, cumpre muito melhor o papel do inimigo americano para a liderança cubana, para a qual, no entanto, a política de abertura do antecessor Obama era muito mais "perigosa", porque aumentava a pressão por maior abertura de Cuba.

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Carolina Chimoy, jornalista da DW

A mão mais firme de Trump acaba por fortalecer o regime em Havana. Parte das novas sanções dos EUA contra Cuba proíbe negócios com militares cubanos, que controlam grande parte do setor de turismo. Mas, por sua vez, também atinge as empresas americanas que operam no turismo cubano.

Considerando a sua base estritamente conservadora, no entanto, Trump tem o dever de agir. E no estado da Flórida em particular, decisivo para sua vitória eleitoral, especialmente os cubanos exilados compõe a base do eleitorado de Trump. Uma maior aproximação, como a iniciada por Obama, agora é impensável.

Cuba continua sendo um modelo na América Latina em termos de saúde e educação. Por outro lado, os bilhões arrecadados com o turismo e com as remessas estrangeiras de cubanos que vivem no exílio escorrem por canais obscuros.

Os mais de quatro milhões de turistas que visitam Cuba por ano são, acima de tudo, uma fonte de divisas. O número de pessoas que podem trabalhar no turismo, entretanto, é limitado. Após um período em que o governo emitiu cada vez mais licenças para o funcionamento de pensões privadas e restaurantes, esta pequena reforma econômica de Raúl Castro logo foi freada.

O grande explosivo social está exatamente nesses dois mundos: o salário médio mensal em Cuba é de cerca de 30 euros (125 reais) – tanto quanto é possível se ganhar com o aluguel de um quarto por noite. É por isso que médicos formados preferem ganhar a vida como carregadores de bagagem. Mas como a margem de manobra para o setor privado, por enquanto, não será mais ampliada, crescem a frustração e a inveja em relação àqueles que têm acesso a uma fatia do grande bolo do turismo.

Entre eles estão a elite política de Cuba e os militares, que, por exemplo, administram mais de 29 mil quartos em todo o país, com a sua empresa hoteleira Gaviota. A desigualdade em Cuba está crescendo. Ironicamente, era exatamente a igualdade a grande promessa e base de legitimidade do socialismo. Como resultado, a juventude está ficando cada vez mais inquieta, e a pressão por mais abertura e reforma está crescendo.

A revolução completará 60 anos no ano que vem. Mesmo os Castros dificilmente pensariam na época que sobreviveriam por tanto tempo. A escassez se tornou uma companheira cotidiana – e os cubanos, indiscutíveis campeões mundiais da improvisação. Quem conseguiria recauchutar infinitamente barulhentos carrões americanos de 60 anos de idade? Assim, os velhos automóveis da ilha são quase um símbolo da política cubana – pois o sistema político em Cuba também vem sendo infinitamente recauchutado. Só que um novo motor continua faltando.

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